Festival de Veneza assiste a histórias de forças e fraquezas femininas
Carlos Helí de Almeida
VENEZA, ITÁLIA - Vingativas, santas, à beira de um ataque de
nervos, as mulheres de temperamento forte, que têm algo a dizer
ou a esconder sobre si mesmas, dominam a cena do Festival de
Veneza. Mal recomposta da ira da heroína vingativa de
Sympathy for Lady Vengeance, de Chan-Wook Park, a platéia
pegou pela frente as dores de amor do francês Gabrielle,
de Patrice Chéreau, e as obsessões religiosas do americano
Mary, de Abel Ferrara. Além de Il giorni dell' abbandono,
do italiano Roberto Faenza, em que uma esposa e mãe de família,
abandonada pelo marido, entra em profundo processo de degradação
mental.
Isabelle Huppert encarna a personagem-título
do filme de Chéreau (de Intimidade). Ela é o centro da
vida doméstica e social de um rico empresário do início do
século 20, interpretado por Pascal Greggory. Gabrielle
administra a casa grande, os numerosos empregados e os jantares
semanais que o casal promove com os amigos, um círculo onde
todos, a princípio, se conhecem. Até um dia em que o senhor da
casa chega do trabalho e encontra um bilhete, no qual a mulher
diz que foi embora com outro homem. Horas depois ela retorna,
aparentemente arrependida do seu ato, mas não do que sente. Tem
início o jogo de teatro íntimo do diretor, inspirado em um conto
de Joseph Conrad.
- Não queria que este filme fosse entendido
como uma história sobre ''uma mulher daquele período'', mas que
ele tivesse algo de universal, sobre uma mulher que deixa sua
casa porque o amor não vive mais ali, e sobre um homem que
abandona aquela situação porque sempre evitou a vida - disse
Chéreau.
No filme de Ferrara, Juliette Binoche vive
Marie Palesi, atriz que interpreta Maria Madalena numa versão
cinematográfica da Paixão de Cristo protagonizada pelo
marido (Matthew Modine). Quando o filme dentro do filme se
encerra, Marie recusa-se a aceitar o fim da jornada de sua
personagem e, em vez de voltar para casa, em Nova York, viaja
para Jerusalém para continuar a viagem espiritual que o papel
lhe inspirou. Na tela, Ferrara cria uma Santa Trindade do século
21, na qual o terceiro vértice surge na figura de um famoso
jornalista de TV (Forest Whitaker) que, tocado por uma tragédia
familiar, passa a questionar suas crenças. O diretor diz que fez
um filme sobre o significado da fé nos dias de hoje e que a
personagem de Juliette Binoche funciona como um catalisador.
- A história de Maria Madalena é um conto
feminista. No fim das contas, Mary pode ser visto como um
filme sobre feminismo desde o primeiro dia dos tempos católicos.
A reavaliação da importância de Maria Madalena nas escrituras
começou com o nascimento do feminismo, nos anos 70. Por dois mil
anos ela foi descrita como uma mera prostituta. Quando acharam
aquele jarro no Egito com partes dos evangelhos de Pedro, Felipe
e Maria, seu papel ganhou outro sentido. Havia uma mulher
sentada na Última Ceia! Aquilo me abriu os olhos - lembra
Ferrara, que foi recebido com vigorosos aplausos tanto na
coletiva de imprensa como na sessão de Mary aberta ao
público.
Il giorni dell' abbandono, o primeiro dos
três candidatos italianos da competição, descreve o processo de
degeneração psicológica de uma mulher que experimenta o desprezo
e o abandono. Depois que o marido a troca por uma mulher mais
nova, Olga (Margherita Buy) passa por severas alterações de
personalidade, sofre alucinações e enfrenta fantasmas do
passado. O crescente comportamento autodestrutivo passa a ser
uma ameaça a seus próprios filhos, até que a possibilidade de um
novo amor lhe devolve a auto-estima perdida e ela começa a sair
do poço que cavou.
- O abandono é uma experiência que concerne a
todos, é capaz de tocar a alma das pessoas, porque envolve o
nosso lado mais irracional. O abandono é capaz de iniciar
violentas batalhas interiores. O filme descreve, sem qualquer
pena ou piedade, o que acontece na cabeça de uma mulher
desesperada - argumenta Faenza.
(© JC
Online)
Fernando
Solanas apresenta novo filme em Veneza
Após abordar a crise econômica em A Memória do Saqueio, Fernando
Solanas traz a vida dos excluídos em A Dignidade dos Ninguéns
Veneza - Depois de ter
narrado a raiva e o desespero dos argentinos após a trágica crise
econômica que atingiu o país no início de 2001 em A Memória do
Saqueio, agora Fernando Solanas apresenta A Dignidade dos
Ninguéns, uma viagem à descoberta de muitos homens e mulheres
argentinos que lutam por comida, trabalho, remédios e educação para os
filhos.
"O outro filme terminava no momento em que os argentinos disseram
basta, e este procura contar o que aconteceu depois. No final de 2001 a
população foi às ruas contra a globalização, mas nos primeiros meses de
2002 assistimos a um extraordinário processo de democratização do país,
mas sem que se chegasse à constituição de uma assembléia. As pessoas
estão desconfiadas a tal ponto da política que não vão votar, já que têm
medo de se posicionar politicamente".
O filme, rodado em 40 dias com tecnologia digital "mais ágil e
menos invasiva", narra algumas das sessenta histórias que Solanas
conheceu. Há o escritor motociclista Martín, atingido na cabeça por um
disparo da polícia; o professor Toba, um homem que em sua mesa
comunitária mata a fome de muitas crianças todos os dias; Margarita e
Colinche que depois de ocuparem uma casa, vivem de trabalhos temporários
e sofrem por não poder mandar seus nove filhos à escola. Há a
experiência de Lucy, uma pequena proprietária que consegue se juntar a
outras mulheres contra os leilões judiciários de terrenos com dívidas,
usando como armas o hino nacional e orações. Há Darío, jovem militante
social de um bairro pobre assassinado pela polícia; Gustavo, um
sacerdote da periferia que denuncia a máfia e também a história da
Zanon, umas das 200 fábricas geridas pelos próprios operários.
"Vivemos numa sociedade midiática, aquilo que não aparece na
mídia não existe. Eu narro coisas reais mas que não são conhecidas.
Mesmo aqui na Itália assistimos à idiotização dos meios de comunicação,
e Berlusconi compreendeu o poder deles sobre a população e os utiliza
para impor seu modelo neoliberal. A maior derrota da pensamento
progressista é a resignação, a idéia de que o mundo não pode ser mudado
mas deve ser atualizado". O filme é dedicado aos dois documentaristas
italianos Fernando Birri e Valentino Orsini. (Ansa)
(© estadao.com.br)
Monica
Bellucci enfeitiça o Festival de Veneza como a bruxa de "Os Irmãos
Grimm"
Por Kelly Velásquez
Alessia Pierdomenico/Reuters
A atriz Monica Bellucci em Veneza
|
VENEZA (AFP) - A atriz italiana Monica Bellucci cativou
neste domingo o público do Festival de Veneza com "Os Irmãos Grimm", de
Terry Gilliam, um filme de "terrir" estrelado também por Heath Ledger e
Matt Damon.
Gilliam, integrante do grupo Monty Python e diretor do elogiado "Brazil"
(1984), é um apaixonado por contos de magia e mistura em seu filme
humor, terror e antigas superstições para narrar uma fábula dentro da
fábula.
Ambientado na Alemanha dos tempos de Napoleão, o filme não conta a
verdadeira história dos irmãos Will e Jacob Grimm, mas as aventuras de
dois caçadores de demônios.
Obrigados pelas autoridades a entrar numa floresta por causa do
misterioso desaparecimento de muitas crianças, Ledger e Damon encontram
a Cinderela, a Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho e Maria e principalmente
grande rainha-bruxa, uma imortal que pode ter de 25 a 500 anos.
"A rainha é um personagem criado por todos. Doce, sensual, má ao mesmo
tempo, o que produz ainda mais medo. O filme é uma metáfora sobre como
se pode ser vítima da vaidade", explicou Bellucci, cuja beleza é
ocultada pela maquiagem de uma velha horrenda e decrépita.
Bellucci, que está filmando na França e talvez volte a Hollywood para
participar em "Shoot'em up", de Michael Davis, falou de sua beleza como
uma lição contra a vaidade.
"O filme é uma profunda reflexão sobre a obsessão pela beleza, tão comum
no mundo de hoje", disse.
O filme, que compete pelo Leão de Ouro e custou US$ 80 milhões (R$ 186,5
milhões), foi recebido com tímidos aplausos, assim como o novo e
esperado filme de Cameron Crowe, "Elizabethtown", com Orlando Bloom,
Kirsten Dunst e Susan Sarandon, apresentado fora de concurso.
Reconhecido diretor de "Vanilla Sky" e "Quase Famosos", Crowe é
ex-crítico musical da revista Rolling Stone e deu a seu filme uma rica e
extraordinária trilha sonora.
"A música nos guiou, nos deu uma irreverente alegria", explicou Bloom,
que participou na elaboração da trilha.
O filme, uma melancólica história de amor sobre os valores profundos da
vida, é protagonizado por Bloom, um jovem designer que passa um momento
difícil depois que aparentemente causou a falência da multinacional de
sapatos para a qual trabalhava. Disposto a suicidar-se, seu plano é
adiado pela morte inesperada de seu pais. Na viagem à cidade paterna de
Elizabethtown, encontra uma aeromoça sábia que muda sua vida.
Filmado em regiões em parte afetadas pelo terrível furacão Katrina, o
filme transmite sentimentos fortes, com momentos belíssimos, comoventes,
abordando a vida e a morte, a dor e a alegria, os ódios e os amores,
tudo que é provocado pela morte e enterro de um parente próximo.
"Acho que, depois do filme, a gente sai do cinema com vontade de ligar
para os pais, de pensar no amor e na família. Com as catástrofes da vida
se aprende muito, pois são momentos muito intensos", disse Sarandon, que
interpreta a mãe de Orlando Bloom.
"Que bom que aqui na Europa se fazem perguntas sobre esses temas, pois
nos Estados Unidos só se pergunta sobre com quem vou para cama!",
comentou por fim a atriz conhecida por suas opiniões fortes.
© UOL Cinema)