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Itália busca dinheiro para sítios culturais

02/09/2005

"A Última Ceia" de Leonardo da Vinci


Através de campanha publicitária "radical", governo espera estimular a população a fazer contribuições

RACHEL SANDERSON
DA REUTERS, EM FLORENÇA

   Será que a visão das pernas sendo arrancadas da estátua de David, de Michelangelo, faria você sentir náuseas? Você choraria se visse a tela da "Vênus" de Botticelli ser rasgada em tiras? É isso o que o governo italiano espera que aconteça.

   A poluição, o vandalismo e a ação natural do tempo se uniram para fazer com que a conta da conservação do patrimônio artístico-cultural da Itália seja grande demais para que o Estado possa arcar com ela. Assim, o país repleto de arte resolveu apelar a seus próprios cidadãos para que cubram o rombo.

   Entretanto, ciente de que os esforços de levantamento de fundos não costumam ser bem recebidos na Itália, o governo resolveu recorrer a uma tática de choque. Durante as próximas semanas, os italianos que voltarem das férias serão submetidos a uma investida publicitária maciça mostrando a destruição encenada de seus mais célebres monumentos culturais.

   Os organizadores esperam que a visão assustadora de "A Última Ceia" de Leonardo da Vinci com alguns discípulos faltando vá assustar os italianos a ponto de convencê-los a socorrer os 30% dos sítios culturais vistos como em situação de emergência.

   "A manutenção e defesa de nossa herança cultural e artística não é responsabilidade apenas do Estado, mas de todos os italianos", disse o ministro da Cultura, Rocco Buttiglione, ao lançar a campanha. "Os italianos precisam cuidar hoje da grande arte que têm à sua volta, senão ela pode não estar aqui para as gerações futuras."

   Ledo Prato, secretário-geral da CittaItalia, a fundação sem fins lucrativos que lidera a campanha e é responsável por recolher os donativos, disse que 30 ou mesmo dez anos atrás um apelo aos italianos para que gastassem de seus próprios bolsos para proteger ou restaurar seu palácio ou igreja local seria fadado ao fracasso.

   Entretanto, com a decadência do setor industrial nacional, muitos italianos hoje vêem seus tesouros artísticos, como o palácio Ca'd'Oro, em Veneza, ou os afrescos de Giotto em Pádua, como o melhor que o país tem a oferecer. De acordo com Prato, "a população está se dando conta de que, sem sua herança cultural, a Itália seria um país anônimo. E ela compreende que esse patrimônio cultural gera não apenas fama e prestígio mas também receita e desenvolvimento econômico".

   Com essa idéia em vista, os organizadores da campanha querem utilizar os recursos gerados para cuidar de obras que interessam aos turistas e que freqüentemente se encontram nas regiões mais pobres do país. Quando os cidadãos italianos fazem suas doações, por correio ou por e-mail, eles também têm o direito de fazer sugestões sobre o uso do dinheiro.

   De acordo com Prato, um dos sítios que precisa urgentemente de recursos é Canne della Battaglia, o campo de batalha situado no calcanhar da Itália onde, em 216 a.C., Aníbal derrotou o Exército romano. Outro é o Palácio Real da cidade de Caserta, no sul do país, erguido no século 18.

   Os organizadores da campanha não precisaram quanto esperam levantar, mas disseram que a carência de recursos é grande num país que, segundo eles, possui 4,4 milhões de obras de arte.
Embora as pinturas e esculturas que figuram na campanha não corram riscos reais, as obras que de fato estão em risco incluem até mesmo os tesouros mais conhecidos da Itália, tais como a cidade de Veneza ou o Coliseu de Roma.

   O orçamento italiano para 2005 prevê 26 milhões (cerca de R$ 55,7 milhões) para a manutenção e restauração de centenas de igrejas, palácios, conventos e museus. É menos do que a metade do que seria necessário apenas para a manutenção, de acordo com estudos independentes.

   Em Florença, no início de agosto, um cozinheiro, após uma noite passada bebendo, decidiu tentar escalar a estátua de Netuno erguida há 450 anos na praça central, perto do museu de Uffizi. Ele caiu, e, em sua queda, arrancou a mão esquerda do "Il Biancone", como a estátua é apelidada pelos italianos, deixando apenas o suporte metálico interno. O prefeito de Florença, Leonardo Domenici, disse que a restauração da estátua vai custar mais de 30 mil (cerca de R$ 83,7 mil).  Tradução Clara Allain

 (© Folha de S. Paulo)  


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