Uma ópera bem-humorada onde a perfeição é quase obrigatória
27/08/2004
O
compositor Gaetano Donizetti
Luiz Paulo Horta
Gaetano Donizetti é um compositor amável, que compunha sem sofrer. Basta
lembrar que quando “O elixir de amor” estreou em 1832, no Teatro
Canobbiana de Milão, ele já tinha escrito 36 óperas! Como estava com 34
anos, e fizera sua primeira ópera aos 20 anos, isso dá a espantosa média
de mais de duas óperas por ano.
Nesse ritmo vertiginoso, ele ensaiou vários gêneros. “Anna Bolena”, por
exemplo, é uma tragédia que fez sucesso na Europa dois anos antes do
“Elixir”. Ainda mais famosa é “Lucia di Lammermoor” — cavalo-de-batalha
de sopranos como Joan Sutherland, e que é um desafio para qualquer
intérprete.
No fundo da arte de Donizetti está a tradição do “bel canto”: suas
óperas supõem grandes performances vocais — sem o que elas podem parecer
muito tênues perto das coisas que um Verdi ia produzir.
Mas Donizetti também tinha o gênio da ópera cômica — como mostra “O
elixir de amor”, e, mais tarde, o “Don Pasquale”. Com esse talento, ele
se tornou o digno sucessor de Rossini, que depois de compor o “Barbeiro
de Sevilha” dedicara-se a comer bem em Paris. Donizetti dominou a cena
operística italiana antes da plena afirmação de Verdi.
Paixões humanas dinamizadas por filtros e encantamentos
O “Elixir” que estreou sexta-feira no Teatro Municipal é um espetáculo
simpático, dispondo da boa direção cênica de Sérgio Britto, e tende a
melhorar com as sucessivas récitas. Ali vamos encontrar o Nemorino que é
um rapaz simples apaixonado pela mais sofisticada Adina. Mesmo com mão
muito leve, Donizetti consegue caracterizar bem os seus personagens. O
charlatão Dulcamara, que aparece em grande estilo com os seus filtros
mágicos, e propõe-se a ajudar Nemorino na conquista de Adina, é uma
figura repleta de vida. Na récita de sexta-feira, ele esteve muito bem
entregue a Sandro Christopher. Suas manobras lembram, num tom divertido,
peripécias que fazem parte da tradição da ópera (afinal, em torno de um
filtro mágico gira a obra-prima absoluta que é “Tristão e Isolda”).
O “Elixir” também tem um tipo mais rústico que é Belcore — o sargentão
que se candidata ao amor de Adina. O personagem é pesado, mesmo; mas
talvez Manuel Alvarez, intérprete da sexta-feira, tenha carregado um
pouco nas tintas da rusticidade.
Fernando Portari e Rosana Lamosa estão à vontade nos papéis principais.
Portari é um tenor de voz generosa, que se saiu bem do grande momento
que é “Una furtiva lagrima”. Rosana é musical, e tem o physique du
rôle . O problema desse Donizetti é que tudo é tão leve e tão
brilhante que ficamos sempre cobrando a perfeição. E talvez, neste
sentido, a direção musical de Andreas Baumgartner tenha ficado a dever.
Mas o espetáculo vale a visita.
Janeiro deste ano começou com os principais palcos de dança do mundo
celebrando o centenário de nascimento do russo George Balanchine, um dos
coreógrafos-chave do século XX. No Rio, a princípio, as notícias não
eram boas. Tudo fazia crer que os cem anos de Mister B. passariam em
branco. Agora, ainda que tardiamente, a cidade parece, enfim, entrar no
roteiro dos festejos. Desde o início da semana, a Escola de Dança Maria
Olenewa, na Lapa, abriga um evento-exposição em torno da profícua obra
de Balanchine, com mostra, palestras e exibição de vídeos.
E não é só. No fim de setembro, o Balé do Teatro alla Scala de Milão
desembarca na cidade para, na primeira turnê pelo país, apresentar a
versão integral de “Sonhos de uma noite de verão”, coreografia de
Balanchine com música de Mendelssohn. É uma superprodução envolvendo 90
bailarinos, com figurinos originais, ou seja, o mesmos desenhados para a
estréia mundial do espetáculo, que data de 1962. A companhia italiana
com mais de dois séculos de história de dança começou a contar com a
colaboração de Balanchine em 1948, quando Leonide Massine estava à
frente do grupo.
Hoje, apenas o Scala de Milão e o New York City Ballet — grupo fundado
por Balanchine assim que chegou aos Estados Unidos — têm os direitos
para apresentar “Sonhos de uma noite de verão”. Muito embora tenha sido
uma admirador confesso da obra de Shakespeare, Balanchine disse à época
da criação que sua inspiração não foi o texto original do autor inglês
mas sim a música de Mendelssohn. As apresentações cariocas do espetáculo
acontecem no Teatro Municipal de 30 de setembro a 3 de outubro. Abrindo
a turnê, os italianos passam pelo Teatro Municipal de São Paulo.
Suki Schorer faz palestra e dá aula de balé sobre a obra de
Balanchine
Antes deles, porém, a festa é na Escola de Dança, na Lapa. É ali que
hoje uma especialista nas linhas coreográficas e na musicalidade de
Balanchine vinda diretamente dos Estados Unidos contará histórias sobre
as criações de Mister B. Suki Schorer, professora da School of American
Ballet, conviveu durante décadas com o coreógrafo como bailarina do New
York City Ballet, e desde 1972 passou a estudar profundamente suas
obras. A conversa com ela começa às 17h seguida de uma aula de balé,
mas, antes disso, a partir das 14h, serão exibidos vídeos de trabalhos
que são referência do mestre até hoje como “Jóias” e “Violino concerto”.
A exposição sobre a vida e a obra de Balanchine prossegue na Maria
Olenewa até o dia 31 de agosto. Na próxima semana, haverá sessões de
vídeo diárias, com peças como “Apollo” e “Serenade”. A mostra tem
grandes painéis contando os 80 anos de vida do coreógrafo, mostrando
inclusive seus grandes amigos e colaboradores, como o compositor Igor
Stravinsky.
— Todas as grandes companhias do mundo têm obras de Balanchine no
repertório. Seria um absurdo o Rio não entrar nas homenagens, levando em
conta a importância dele — festeja Maria Luísa Noronha, diretora da
Escola de Dança Maria Olenewa.