Best-seller "O Código Da Vinci" gera movimento de
resistência e livros que contestam teorias conspiratórias
ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quinze milhões de
livros vendidos no mundo todo, número um nas listas de mais vendidos na
Inglaterra, nos Estados Unidos, Alemanha, Argentina, Brasil e outros
países, traduzido para 42 idiomas e com um filme já em andamento, nas
mãos da mesma equipe (o diretor Ron Howard e o roteirista Akiva
Goldsman) que transformou a história do matemático John Nash em "Uma
Mente Brilhante", Oscar de melhor filme de 2002. O comportamento do
best-seller "O Código Da Vinci" não difere de muitos livros que passaram
do mercado editorial para o imaginário popular, sempre com cifras de
oito ou nove dígitos.
A linguagem ágil
e a narrativa cinematográfica dada por seu autor Dan Brown também o
aproximam de outros popstars da zona do crepúsculo entre o cinema e os
livros, como Stephen King, J.K. Rowling, Robert Lundlum e John Grisham.
Mas é o conteúdo de "Código" que o torna tão alienígena tanto nas
prateleiras quanto futuramente nas salas de cinema.
É que o livro
acompanha as aventuras do professor de Harvard Robert Langdon e da
criptóloga parisiense Sophie Neveu, que se encontram após o assassinato
do curador do museu do Louvre. Seguindo uma série de pistas deixadas de
formas estratégicas, os dois aos poucos desvendam o que chamam de "a
maior conspiração da história": que a Igreja Católica foi fundada sobre
o segredo de que Jesus Cristo era um simples mortal (casado, e com
filhos, com Maria Madalena) e que sua santidade foi aferida séculos após
sua morte, para justificar a própria existência da igreja.
Pelo livro, os
dois protagonistas se guiam por pistas deixadas em quadros de Leonardo
da Vinci, cujo clássico "A Última Ceia" seria uma grande piada contada
sob o nariz da Igreja Católica, sem que esta percebesse. Ainda cruzam o
livro sociedades secretas como a Opus Dei, os Cavaleiros Templários e o
Priorado de Sião, esta última dedicada a passar, pelos séculos, a
verdade sobre o Vaticano. A história ainda é temperada por assassinatos,
autoflagelação, rituais mágicos e o clima de thriller policial que faz
Brown parecer uma espécie de Umberto Eco pop.
O nervo cutucado
pelo livro surtiu efeito e pode ser medido além do sucesso editorial de
"Código", em várias publicações que surgiram a partir deste. São mais de
doze livros publicados sobre o tema, quase todos mostrando que as
argumentações de Brown são falhas ou incríveis, esquecendo-se que o
livro pertence ao território da ficção. Dois destes livros acabaram de
chegar ao Brasil: "Quebrando o Código Da Vinci", do professor Darrell L.
Bock, e "Revelando o Código Da Vinci", de Martin Lunn (veja quadro).
"A maior parte do
material usado por Brown veio do livro "A Irmandade Secreta e o Santo
Graal" ("Holy Blood, Holy Grail", de Michael Baigent, Richard Leigh e
Henry Lincoln, de 1983) ou foram emprestadas preguiçosamente de algumas
idéias em aulas de religião sobre Jesus dadas em universidades", explica
Bock, que enfatiza não ser católico.
"Há, na verdade,
três grandes falsas acusações quando nos referimos à igreja", diz o
autor. "A primeira é que Jesus foi casado com Maria Madalena e teve
filhos. A segunda é que a divindade de Jesus foi votada em um conselho
fechado no início do século 4. A terceira é que os quatro evangelhos da
Bíblia foram escolhidos a partir de 80 outros evangelhos porque eles
consideravam Jesus divino", conclui Bock.
Ele segue
rebatendo cada uma das acusações. "Primeiro, não há nenhum texto que diz
que Jesus foi casado. Na verdade, teólogos liberais e conservadores
concordam que Jesus não foi casado. Tal concordância é rara e quando
ocorre é muito provável que o assunto seja correto."
"A divindade de
Jesus foi afirmada em seu próprio tempo, por seus seguidores diretos",
diz o professor Bock. "Há inclusive uma carta de um governador romano do
século 2 que reporta cristãos cantando hinos para Jesus como Deus, e
isso 200 anos antes da data que Dan Brown afirma que este assunto foi
resolvido. Além disso, duas pessoas do Conselho de Nice, que era
composto por 216 ou 316 pessoas, votaram contra a afirmação que lá foi
defendida. Não há números corretos sobre a quantidade de pessoas que
compareceram. Os votos foram abertos."
"Quanto à
terceira acusação, há apenas 12 evangelhos dos séculos 2 e 3 além dos
evangelhos bíblicos do primeiro século, e não 80, e eles contam muito
pouco sobre Jesus. Alguns desses textos têm uma teologia diferente da
cristã, por isso foram rejeitados. Por exemplo, em alguns textos, Jesus
riu no paraíso porque as pessoas achavam que estavam crucificando Jesus,
mas de acordo com estes textos, não era ele quem foi crucificado porque
Deus não pode ter carne humana."