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Fenômeno Da Vinci

09/08/2004

O quadro "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci, que, segundo o best-seller "O Código da Vinci", contém pistas sobre segredos da igreja

Best-seller "O Código Da Vinci" gera movimento de resistência e livros que contestam teorias conspiratórias

ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

   Quinze milhões de livros vendidos no mundo todo, número um nas listas de mais vendidos na Inglaterra, nos Estados Unidos, Alemanha, Argentina, Brasil e outros países, traduzido para 42 idiomas e com um filme já em andamento, nas mãos da mesma equipe (o diretor Ron Howard e o roteirista Akiva Goldsman) que transformou a história do matemático John Nash em "Uma Mente Brilhante", Oscar de melhor filme de 2002. O comportamento do best-seller "O Código Da Vinci" não difere de muitos livros que passaram do mercado editorial para o imaginário popular, sempre com cifras de oito ou nove dígitos.

   A linguagem ágil e a narrativa cinematográfica dada por seu autor Dan Brown também o aproximam de outros popstars da zona do crepúsculo entre o cinema e os livros, como Stephen King, J.K. Rowling, Robert Lundlum e John Grisham. Mas é o conteúdo de "Código" que o torna tão alienígena tanto nas prateleiras quanto futuramente nas salas de cinema.

   É que o livro acompanha as aventuras do professor de Harvard Robert Langdon e da criptóloga parisiense Sophie Neveu, que se encontram após o assassinato do curador do museu do Louvre. Seguindo uma série de pistas deixadas de formas estratégicas, os dois aos poucos desvendam o que chamam de "a maior conspiração da história": que a Igreja Católica foi fundada sobre o segredo de que Jesus Cristo era um simples mortal (casado, e com filhos, com Maria Madalena) e que sua santidade foi aferida séculos após sua morte, para justificar a própria existência da igreja.

   Pelo livro, os dois protagonistas se guiam por pistas deixadas em quadros de Leonardo da Vinci, cujo clássico "A Última Ceia" seria uma grande piada contada sob o nariz da Igreja Católica, sem que esta percebesse. Ainda cruzam o livro sociedades secretas como a Opus Dei, os Cavaleiros Templários e o Priorado de Sião, esta última dedicada a passar, pelos séculos, a verdade sobre o Vaticano. A história ainda é temperada por assassinatos, autoflagelação, rituais mágicos e o clima de thriller policial que faz Brown parecer uma espécie de Umberto Eco pop.

   O nervo cutucado pelo livro surtiu efeito e pode ser medido além do sucesso editorial de "Código", em várias publicações que surgiram a partir deste. São mais de doze livros publicados sobre o tema, quase todos mostrando que as argumentações de Brown são falhas ou incríveis, esquecendo-se que o livro pertence ao território da ficção. Dois destes livros acabaram de chegar ao Brasil: "Quebrando o Código Da Vinci", do professor Darrell L. Bock, e "Revelando o Código Da Vinci", de Martin Lunn (veja quadro).

   "A maior parte do material usado por Brown veio do livro "A Irmandade Secreta e o Santo Graal" ("Holy Blood, Holy Grail", de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, de 1983) ou foram emprestadas preguiçosamente de algumas idéias em aulas de religião sobre Jesus dadas em universidades", explica Bock, que enfatiza não ser católico.

   "Há, na verdade, três grandes falsas acusações quando nos referimos à igreja", diz o autor. "A primeira é que Jesus foi casado com Maria Madalena e teve filhos. A segunda é que a divindade de Jesus foi votada em um conselho fechado no início do século 4. A terceira é que os quatro evangelhos da Bíblia foram escolhidos a partir de 80 outros evangelhos porque eles consideravam Jesus divino", conclui Bock.

   Ele segue rebatendo cada uma das acusações. "Primeiro, não há nenhum texto que diz que Jesus foi casado. Na verdade, teólogos liberais e conservadores concordam que Jesus não foi casado. Tal concordância é rara e quando ocorre é muito provável que o assunto seja correto."

   "A divindade de Jesus foi afirmada em seu próprio tempo, por seus seguidores diretos", diz o professor Bock. "Há inclusive uma carta de um governador romano do século 2 que reporta cristãos cantando hinos para Jesus como Deus, e isso 200 anos antes da data que Dan Brown afirma que este assunto foi resolvido. Além disso, duas pessoas do Conselho de Nice, que era composto por 216 ou 316 pessoas, votaram contra a afirmação que lá foi defendida. Não há números corretos sobre a quantidade de pessoas que compareceram. Os votos foram abertos."

   "Quanto à terceira acusação, há apenas 12 evangelhos dos séculos 2 e 3 além dos evangelhos bíblicos do primeiro século, e não 80, e eles contam muito pouco sobre Jesus. Alguns desses textos têm uma teologia diferente da cristã, por isso foram rejeitados. Por exemplo, em alguns textos, Jesus riu no paraíso porque as pessoas achavam que estavam crucificando Jesus, mas de acordo com estes textos, não era ele quem foi crucificado porque Deus não pode ter carne humana."

(© Folha de S. Paulo)


"A apatia é inimiga da religião", diz autor

FREE-LANCE PARA A FOLHA

   Aos 38 anos, o inglês Dan Brown já é um dos nomes mais fortes no mercado editorial mundial, crescendo num território dominado por escritores de auto-ajuda, místicos de toda a sorte e celebridades transformadas em autores de livro. O fato de seu "O Código Da Vinci" ser um dos livros mais vendidos no mundo atualmente só é páreo para a quantidade de livros que estão sendo lançados na esteira do livro original -todo mundo quer um pedaço de Jesus Cristo, como percebeu o diretor Mel Gibson em sua "A Paixão de Cristo".

   "O Código Da Vinci" é o quarto livro de Brown e o segundo com as aventuras de seu Indiana Jones acadêmico, Robert Langdon, que também protagonizou "Angels and Demons", lançado no ano 2000. Parte do sucesso do livro pode ser explicado graças a uma estratégia de lançamento da editora norte-americana Doubleday, que enviou 10 mil exemplares para livreiros e jornalistas antes do lançamento do livro -número considerado alto mesmo para autores consagrados. A fórmula foi copiada no Brasil, quando a editora Sextante produziu pequenos folhetins contendo os quatro primeiros capítulos do livro, para serem distribuídos em livrarias.

   O resultado foi uma pré-encomenda de quase um quarto de milhão de exemplares e um inspirado artigo de primeira página no "New York Times". O livro não saiu da lista dos mais vendidos do jornal desde seu lançamento (só desceu até o quarto lugar) e causou um feito digno dos Beatles, quando os quatro livros de Brown figuraram simultaneamente entre os mais vendidos. Além do "Código" e "Angels" (que a editora Sextante promete lançar neste semestre no Brasil), Brown ainda é autor de "Digital Fortress", romance policial sobre segurança digital, e do thriller político "Deception Point".

   Nascido em New Hampshire, onde mora com a mulher Blythe, depois de ter passado anos nos Estados Unidos, Brown desdenha da acusação de que está apenas interessado em difamar a Igreja Católica. "Controvérsia e diálogo são saudáveis para a religião como um todo. A religião só tem apenas um inimigo -a apatia- e o debate passional é um antídoto soberbo", diz em seu site (www.danbrown.com).

   "Todos nós estamos tentando decifrar os grandes mistérios da vida e estamos seguindo nossos próprios rumos de iluminação", ele continua. "Eu me considero um estudante de muitas religiões. Quanto mais estudo, mais perguntas eu tenho. Para mim, a busca espiritual é um trabalho em andamento que dura toda uma vida." Brown atualmente não dá entrevistas pois está terminando o terceiro romance protagonizado por Langdon, que agora inclui a maçonaria e a cidade de Washington no roteiro. (AM)

(© Folha de S. Paulo)

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