Uma enxurrada de obras discute e contesta com seriedade o polêmico
best seller O código Da Vinci, que,
por meio dos quadros do pintor italiano, questiona a origem da religião
Luiz Chagas
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Lançado há 13 meses, O código Da Vinci, de Brown, já vendeu
dez milhões de exemplares |
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Aconteceu no Museu do Louvre,
um dos lugares mais visitados do mundo. Na calada da noite, para escapar
de um atentado, o curador Jacques Saunière se abraça a uma tela de
Caravaggio, que cai acionando o sistema de segurança. Um portão de ferro
se fecha com um estrondo, separando o velho de seu agressor, um albino
de íris rosadas e pupilas vermelho-escuras, que saca uma pistola e o
atinge no estômago. Em meio à agonia, o curador se arrasta pela Grande
Galeria até a famosíssima Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, em
cujo vidro deixa uma mensagem escrita com sangue. Ainda se arrastando,
Saunière retorna ao local onde foi ferido. Mais tarde, é encontrado pelo
historiador americano Robert Langdon e pela criptógrafa francesa Sophie
Neveu, sua neta. Estava deitado sem roupas, em meio à uma circunferência
também desenhada com sangue, braços e pernas abertos, evocando outra
obra de Da Vinci, O homem vitruviano. Emocionante, não? Pois é
o ponto de partida da ficção O código Da Vinci (Sextante, 480
págs., R$ 39,90), quarto livro do americano Dan Brown, atual fenômeno de
vendagens.
Lançado há 13 meses, já vendeu
dez milhões de exemplares pelo mundo, mais da metade só nos Estados
Unidos, onde provocou uma verdadeira febre de desmentidos e cerca de
duas dezenas de livros contestando suas teorias. No Brasil, a onda chega
volumosa, colocando para trás as séries Harry Potter e O
senhor dos anéis em todas as listas de best sellers. São 150 mil
exemplares consumidos em apenas três meses, o que impulsiona o
lançamento nacional da primeira safra de livros criticando a conversa de
Brown. Chegam na frente Quebrando o código Da Vinci – respostas às
perguntas que todos estão fazendo (Novo Século, 200 págs., R$
29,90), de Darrell L. Bock, Ph.D., professor e pesquisador de estudos do
Novo Testamento, e Decodificando Da Vinci – os fatos por trás da
ficção de O código Da Vinci (Cultrix, 136 págs., R$
19,20), de Amy Welborn, autora de livros para adolescentes e de orações,
com mestrado em história da Igreja. Na próxima semana, ainda desembarca
nas livrarias Revelando o código Da Vinci, de Martin Lunn,
historiador que se propõe distinguir a realidade da ficção na obra de
Brown. Este é um produto de marketing tão detalhista que a editora
promoveu uma enquete entre leitores e vendedores para a escolha de uma
das seis capas propostas, todas incluindo O homem vitruviano ou Mona
Lisa.
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Bock (acima) e dois autores americanos não acreditam na misce-lânea
feita por Brown |
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A própria editora Sextante –
que em outubro deve lançar Anjos e demônios, livro anterior de
Dan Brown, igualmente protagonizado por Robert Langdon, professor da
inexistente cadeira de simbolismo da Universidade de Harvard – promete
para o fim do ano Os segredos do Código Da Vinci, coletânea de
textos defendendo o autor e sua obra. Para seus contestadores, ambos os
livros são indefensáveis. Uns dizem ser uma miscelânea doida. Outros, um
thriller de segunda categoria, só que sem sexo ou suspense. Na verdade,
Brown mexeu num ninho de vespas ao misturar os parcos conhecimentos
disponíveis sobre Leonardo Da Vinci com seitas de existência polêmica,
como a dos Templários e do Priorado do Sião. Também provocou a ira
incontrolável de instituições religiosas ao colocar em dúvida a
divindade de Jesus Cristo, mostrando-o casado com Maria Madalena, e a
fúria new age das pós-feministas ao retratá-la como verdadeira líder, a
mulher por trás do homem ou do filho do Homem.
Como se não bastasse, atraiu
historiadores de todas as tendências, pois confunde datas, cria
atributos discutíveis para o ainda mais discutível Santo Graal e se vale
de uma série de enigmas considerados risíveis por especialistas. Ao
desenhar Silas, o albino assassino, como uma espécie de pistoleiro dos
filmes de 007 a serviço da Opus Dei, fez com que a poderosa organização,
ultraconservadora e normalmente discreta, soltasse os cachorros em seu
site, que transborda de artigos classificando o livro de Brown de “o
mais imbecil, inexato, mal informado e estereotipado”. Espertamente, o
autor colocou nas primeiras páginas um apêndice intitulado Fatos no qual
afirma que tudo na obra, incluindo “documentos e rituais secretos...,
corresponde rigorosamente à realidade”. Seu site alega que ele e Blythe,
sua mulher, historiadora de arte, pintora e editora “de primeira linha”,
se sentem felizes por insuflarem debates sobre questões tão importantes.
Promoveram um pandemônio, isso
sim. Mas, verdadeiramente, Brown não cozinhou um agito novidadeiro.
Antes dele, o best seller Irving Wallace já o havia feito com os
evangelhos perdidos em A palavra; os cineastas Jean-Luc Godard
com Nossa Senhora em Je vous salue, Marie; e Martin Scorsese
com Maria Madalena em A última tentação de Cristo. Recentemente
foi a vez de Mel Gibson no espetáculo de horrores A paixão de Cristo.
Com tanta polêmica, O código Da Vinci chega às telas em 2005
dirigido por Ron Howard (Uma mente brilhante). Até lá, deve
continuar vendendo aos borbotões. Nos Estados Unidos, por exemplo, está
disponível em
e-book, áudio-livro e capa dura. Assim, Dan Brown tornou verídica a
velha piada em que o vendedor pergunta: “Quer um livro sobre Leonardo Da
Vinci?” E o consumidor responde: “Sim. Dá vinte.”
(© Revista ISTO É)