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"O Leopardo" chega em versão mais longa e crepuscular

06/08/2004

 

Edição luxuosa da obra de Visconti tem DVD só de extras

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

   Em edição de luxo, lançada pela Versátil, "O Leopardo" chega finalmente ao Brasil em sua versão original italiana (de 185 minutos, 20 minutos mais longa que a versão da Fox, que circulava até então). Nela, o clássico de Luchino Visconti retoma suas cores originais (mais crepusculares do que as da edição americana), restauradas pelas mãos habilidosas de Giuseppe Rotunno, diretor de fotografia do filme.

   Em entrevista que vem de bônus, um minucioso Rotunno explica todo o processo de restauração do filme. Além dessa aula particular e de vasto material de arquivo, os extras do lançamento, que compõem um DVD à parte, trazem entrevistas com o produtor Gofredo Lombardo e as estrelas (Alain Delon, Claudia Cardinale) remanescentes da produção. Lombardo nos conta como teve de mentir para fazer com que Visconti aceitasse Burt Lancaster como protagonista do filme.

   No material de arquivo, encontramos duas imagens que provam o quão bem-sucedidas foram as artimanhas de Lombardo: Lancaster, o astro hollywoodiano que desembarca de um avião estampando seu famoso sorriso de gato de Alice e um grande topete no início da produção, reaparece bem diferente, nos bastidores da filmagem, ao lado de Visconti e igualzinho a ele: de óculos escuros e cigarrilha, taciturno e elegante.

   Lancaster, como chegou a confessar, mimetizou Visconti (a começar pelas sobrancelhas) para interpretar o príncipe de Salina, dom Fabrizio, herói do romance homônimo de Tomasi di Lampedusa, ele próprio um príncipe decadente. Muito porque Visconti, como se sabe, era também de linhagem nobre, um esteta aristocrata, mas comunista, contradição que se resolve, sublimemente, em "O Leopardo".

História

   Na Sicília de 1861, a revolução garibaldina chega anunciando a unificação da Itália e o fim, para a aristocracia local, de toda uma era. Sobrinho dileto de dom Fabrizio, Tancredi (Alain Delon) se engaja espertamente na revolução, legando ao tio o lema: "É preciso mudar para que tudo continue como está". Legado que cabe, hoje, a todo o século 20 e suas revoluções, mas que Visconti aplicava, mais especificamente, à Itália de sua época, em que a ascensão de um governo de centro-esquerda não garantira a mudança das relações sociais.

   "O mal histórico italiano", dizia ele, "se chama transformismo". Em "O Leopardo", a consciência histórica de Visconti passa pela sensibilidade e o desencanto (meio tchekhovianos) de dom Fabrizio. Isto é, por sua índole aristocrática. Pelos olhos de dom Fabrizio, testemunha ocular da decadência de sua classe, Visconti faz o inventário cenográfico da aristocracia: palacetes, roupas, móveis, modas. Visconti, o esteta, nunca deixa de buscar no belo a transcendência de suas imagens.

   O inventário comprova que, partindo de Lampedusa, Visconti queria chegar a Proust. Daí a importância da seqüência final do baile (que Visconti levou quatro semanas para executar), seqüência em que dom Fabrizio, em busca do tempo perdido, chega à plena compreensão deste que é o sentimento mais recorrente nos filmes de Visconti, a sensação de que já é tarde demais.
No grande baile aristocrata, rito fúnebre de uma classe moribunda, Tancredi consuma seus ditames, anunciando seu casamento com a bela filha (Cardinale) de um burguês emergente. Visconti reencontrava ali a história do casamento de seus pais e, junto a ela, um pouco de seu tempo perdido.

O Leopardo
Il Gattopardo
    
Produção: Itália, 1963
Direção: Luchino Visconti
Com: Burt Lancaster, Alain Delon, Claudia Cardinale
Lançamento: Versátil

(© Folha de S. Paulo)


Fotos: Divulgação  
Luchino Visconti: comunista de origem aristocrática  

Elegância e decadência
 

DVD
 
Coleção Luchino Visconti e edição especial de
O leopardo
revelam o estilo operístico do diretor
 

Ivan Claudio

   Luchino Visconti (1906-1976) realizou grandes filmes centrados na miséria da classe operária, entre eles Obsessão e Rocco e seus irmãos. Mas foi retratando a decadência de sua própria classe, a aristocracia, que o cineasta italiano encontrou seu tema por excelência. Somente o fausto dos enredos crepusculares se adequava à sua visão operística da realidade, sempre arruinada pelas forças determinantes dos eventos históricos. Uma parcela desta fase magnífica sai agora em DVD na Coleção Luchino Visconti, da Versátil Home Video, reunindo os filmes Sedução da carne (1954), Noites brancas (1957), Violência e paixão (1974) e O inocente (1976). Paralelamente, a mesma Versátil coloca no mercado a edição especial de O leopardo (1963), trazendo a versão integral da fita – com 3h05 de duração – falada em italiano, pois até 1983, fora da Itália, só se conhecia a versão em inglês. Um disco extra ainda reúne 2h30 de material especial, com depoimentos de atores e técnicos.

   Originário de uma nobre família milanesa da qual herdou o título de conde, Visconti era um comunista convicto, o que explica não apenas a sua atração pelos enredos neorealistas do início de carreira como a progressiva investida nas tramas decadentes de obras posteriores. Deste último grupo, dois filmes ganham lugar de destaque ao abordar o mesmo momento histórico, a unificação italiana, ocorrida no final do século XIX. Centrado nas lutas de libertação do Vêneto, no Norte do país, ocupado pela Áustria, Sedução da carne mostra o amor proibido entre a condessa Serpieri (Alida Valli) e o desertor austríaco Franz Mahler (Farley Granger). Embora seja um esplêndido melodrama histórico, o filme parece um ensaio para o grande épico O leopardo, sobre a revolução na Sicília. No melhor papel de sua carreira, Burt Lancaster encarna o cético príncipe siciliano Fabrizio Salina, que se vê obrigado a se aliar à burguesia ascendente, fazendo valer o mote do filme – é preciso que tudo mude para que as coisas fiquem como estão.

Fotos: Divulgação
Berger e Lancaster em Violência e paixão: valores em conflito

   O mesmo espírito desencantado de quem assiste à agonia de seus valores reaparecerá mais tarde em Violência e paixão – com cópia original falada em inglês –, apesar de a ação estar centrada no terrorismo dos anos 1970. Não à toa, o protagonista é vivido pelo mesmo Lancaster. Ele encarna um solitário professor cuja vida passa por uma reviravolta ao alugar o andar superior de seu apartamento para o ex-ativista de esquerda Konrad (Helmut Berger), agora amante de uma marquesa. Saído de um derrame que imobilizara o lado esquerdo de seu corpo, Visconti quis fazer um filme com poucos personagens e rodado
entre quatro paredes. Mais tarde, mesmo na cadeira de rodas, enveredou
pelos espaços suntuosos de O inocente – seu último filme – sobre um nobre do século XIX que mata o filho de sua mulher com um amante. Foi o brilho derradeiro de uma obra que o filósofo francês Gilles Deleuze comparou, com toda propriedade, a um cristal em decomposição.

(© Revista ISTO É)

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