Exposição que será inaugurada hoje na Faap, em São Paulo, revela a
fase figurativa do pintor Arcangelo Ianelli em 82 obras, muitas da
coleção particular do artista, incluindo 50 quadros que nunca haviam
sido mostrados ao público
Elaine Bittencourt
SÃO PAULO - Aclamado desde os anos 60 por sua pintura abstrata,
Arcangelo Ianelli, hoje com 82 anos, sempre teve um apreço especial
pelo desenho. Gostava tanto de desenhar que, quando menino, pouco se
dedicava aos estudos, absorvido pelo ''prazer de copiar'', segundo
suas próprias palavras, ''tudo o que lhe aparecia pela frente''. Não
causa espanto, pois, que o início de sua carreira tenha sido pelos
caminhos da arte figurativa, nos idos dos anos 40. Ainda assim, não
deixa de ser surpreendente o fato de que, enquanto tantos de seus
colegas aderiam à arte abstrata, ele permanecesse absolutamente fiel a
um gênero que muitos julgavam ultrapassado.
Imperturbável diante dos modismos, Ianelli
permaneceu figurativo por 18 anos, período que resultou numa produção
extensa, mas poucas vezes é exibida ao público, que a conhece apenas
por poucos quadros exibidos em retrospectivas. Ainda que não muito
valorizada pela crítica, essa foi uma época fundamental para a
formação do artista. Considerando este fato, a família de Ianelli
decidiiu montar uma exposição que destacasse justamente esta fase, na
qual o pintor, com a tranqüilidade que sempre o caracterizou, lançou
as bases do trabalho que o consagraria no futuro como um grande
abstrato.
A mostra, chamada sugestivamente de Ianelli, os
caminhos da figuração, está no Museu de Arte
Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). O título,
escolhido com cuidado por Katia e Rubens Ianelli, filhos do pintor e
curadores da ex-posição, resume a proposta do projeto, ao sugerir que
a observação do conjunto exibido permite perceber os sucessivos
processos desenvolvidos pelo pintor durante esta fase. Eles acreditam
que esta será a primeira vez que o público poderá observar passo a
passo a longa caminhada de Ianelli.
Nunca antes foi exibido um conjunto tão grande de
telas produzidas antes que ele, definitivamente, optasse pela
abstração. Ao todo, são 82 obras do acervo do artista, quase todas da
coleção particular do pintor, com exceção de duas telas. Há,
inclusive, cerca de 50 quadros que estão sendo mostrados pela primeira
vez.
O ineditismo das obras e sua importância na
trajetória do artista tornam esta exposição um evento especial. As
pinturas de Ianelli, mesmo as mais antigas, revelam sua aclamada
elegância, o gosto apurado e o apreço pela técnica.
Apesar da sólida formação, Arcangelo Ianelli não
teve estudos formais de arte, como muitos colegas de sua geração.
Houve um breve período de aprendizado no ateliê de Waldemar da Costa,
mas o conhecimento veio, sobretudo, da prática e do contato com outros
artistas. Sua trajetória, nestes primeiros anos, em muito se assemelha
à carreira dos pintores do Grupo Santa Helena, imigrantes de origens
proletárias, que se uniram nos anos 30 e 40 para dividir despesas e
trocar experiências. Ianelli tinha contato com vários artistas do
grupo, como Alfredo Volpi (1896-1988) e Mario Zanini (1907-1971).
A exemplo do que faziam estes artistas, Ianelli
costumava sair pela cidade e seus arredores para captar imagens
urbanas ou de paisagens rurais. As duas primeiras salas da exposição
mostram estes exercícios, em telas que retratam cemitérios, as ruas de
São Paulo e também a cidade de São José dos Campos, lugar onde
costumava passar as férias com a família.
As obras desse período, por sinal, são registros
históricos importantes de São Paulo, a partir da visão de um pintor
que observava bairros proletários e seus casarios amontoados, figuras
que, anos depois, transformadas em simples quadrados e retângulos,
pontuam o início da abstração no seu trabalho.
Como complemento à formação, ele freqüentava à
noite um reduto de acadêmicos na Associação Paulista de Belas Artes e,
com os colegas, dividia o aluguel de modelos. Ali, Ianelli produzia
nus, retratos, paisagens e naturezas-mortas, fazendo o que ele define
como um ''serviço militar em desenho''. Neste início de carreira, o
artista plástico se submetia ainda ao enfoque acadêmico, mas, mesmo
nesse período, o estilo pessoal começava a se manifestar, prenunciando
o rompimento com as antigas regras da pintura.
(© JB Online)
Artista deu virada conceitual
Um exemplo clássico e bastante conhecido é a tela Leitora, de
1944, em que uma figura feminina, vestida de vermelho e envolta pela
penumbra, está alheia ao mundo, absorvida por um livro. A pintura
reflete o apego inicial às lições acadêmicas, e as camadas de tintas
são bastante densas. A despeito do academicismo, algumas das
qualidades futuras começavam a ser delineadas naquele momento.
Estas primeiras obras evidenciam o gosto do artista
pelas cores sóbrias. Mas, ao contrário da densidade da cor de telas
como Leitora, a maioria dos quadros da exposição mostra que as
camadas tornam-se mais leves, às vezes parecendo aquareladas. Tons
suaves, como o azul, são predominantes, e irão se repetir também ao
longo de toda a produção do artista. Curiosamente, as cores vibrantes
e fortes retornam à produção de Ianelli nos seus trabalhos mais
recentes, em que a forma, subjacente, cede espaço para a intensidade
da cor.
A rebeldia contra o conservadorismo encontrou eco
no Grupo Guanabara, do qual é um dos fundadores e que é composto
sobretudo por artistas da colônia japonesa. O grupo existiu entre 1950
e 1959 e foi formado por nomes como Tomie Ohtake e Tikashi Fukushima,
este último dono da molduraria onde todos se reuniam e que ficava
localizada no largo cujo nome acabou por batizar o grupo. Com forte
espírito de rejeição aos padrões da escola de belas artes, entre eles
cada um tinha liberdade para se expressar da forma que melhor lhe
conviesse. Não havia líderes, apenas uma constante e rica troca de
experiências.
Exemplos da produção deste período são as pinturas
que retratam o interior de seu primeiro ateliê, na Rua Joaquim Távora,
no bairro Vila Mariana. A exposição exibe quatro deles, obras que
mostram seus filhos envolvidos no seu dia a dia de pintor,
principalmente Katia - que, ao contrário do irmão, tinha paciência
para ficar horas e horas posando para o pai.
As telas do ateliê evidenciam o estudo que Ianelli
fazia da luz, pois cada uma delas apresenta diferentes graus de
luminosidade, desde o dia sombrio de O menino pintor (1952) à
claridade de Katia e seus brinquedos (1955). Foi a partir dos
muitos quadros que realizou tendo a filha Katia como modelo, que o
artista começa a demonstrar com maior clareza o interesse pela
abstração, seu destino final. A exposição destaca, não por acaso, a
intensa produção de Ianelli neste gênero. Dos retratos de Katia, há
cinco exemplos, um dos quais é o preferido do pintor, uma obra de
1956, em que as linhas são simplificadas ao máximo e os traços do
rosto são quase transparentes, apenas velados.
Os anos 60 são um marco na sua trajetória, mas isso
não significa que, muito antes dessa data, o pintor não houvesse
realizado telas que demonstrassem certo interesse pelas formas simples
e geométricas. Há provas disso representadas na mostra em quadros como
Cristo e no único trabalho de inspiração cubista de Ianelli,
Descida da cruz.
A exposição na Faap deixa para os últimos módulos
as naturezas-mortas, pinturas dos anos 60, pelas quais Ianelli possui
um especial apreço, certamente porque elas representam mais que tudo o
que produzira antes, um rompimento definitivo com a longa fase
figurativa. Nessa época, ele finalmente é aclamado pela crítica e
vence, em 1964, o Prêmio de Viagem ao Exterior, do Salão Nacional de
Arte Moderna, do Rio de Janeiro, que o levaria a uma temporada de dois
anos na Europa. Diante do movimentado cenário artístico, o artista
ampliaria seus horizontes e sua arte e de novo seguiria por outros
rumos. (E.B.)
(© JB Online)
Mostra traça o caminho da arte de Arcangelo
Ianelli
Exposição na Faap
reúne obras, em sua maioria inéditas, que mostram o caminho do artista
de 82 anos em direção à pintura abstrata
Camila Molina
São Paulo -
Mais da metade das 82 obras da exposição Os Caminhos da Figuração de
Arcangelo Ianelli, que será inaugurada hoje na Faap, nunca foram
vistas pelo público. Isso porque quase todos os quadros realizados entre
1942 e 1960 pertencem à coleção pessoal do artista, representam algo
muito precioso para ele e revela muito do processo de amadurecimento de
um dos nossos mais importantes pintores. A mostra, com curadoria
assinada por seus filhos, Katia e Rubens, resgata os 18 anos de
figuração de forma cronológica. "Nunca um número tão significativo de
obras figurativas de sua autoria foi exposto", diz Katia.
Na grande sala estão desde as primeiras telas que Ianelli, hoje com
82 anos, realizou – suas primeiras experiências acadêmicas – até aquelas
em que a geometria quase domina as figuras; obras em que o artista está
a um passo da abstração pura, com a qual sua obra é muitas vezes
identificada. "Pensamos numa exposição cronológica para mostrar como é
coerente seu trabalho", analisa a filha do artista.
As obras revelam muito da intimidade de Ianelli. No início de sua
produção, Ianelli freqüentou ateliê de acadêmicos na Associação Paulista
de Belas Artes. Suas primeiras obras foram feitas a partir da observação
de modelos vivos, de composições montadas. Nas primeiras telas, as
texturas são visíveis, as camadas de tinta são espessas. Essa fase não
dura muito. Ianelli queria seguir seu próprio caminho. Com cavalete saía
para pintar a campo. Casarios das ruas de São Paulo, lugares que nem
existem mais como a Antiga Cervejaria Brahma estão nesse bloco. É na
década de 50 que o artista integra o Grupo Guanabara, juntamente com
Fukushima, Manabu Mabe e Tanaka, entre outros.
Vê-se que a tinta vai ficando mais escassa ao longo do tempo, as
camadas de tinta cada vez mais suaves. Há uma série de retratos, depois,
juntam-se as marinhas, os bambuzais, as telas que representam mastros
dos veleiros. "Muitos ele fazia no ateliê, de imaginação", conta Katia.
Mas vários outros nasceram em viagens pela Represa de Guarapiranga, por
Santos, onde Ianelli ficava nas vilas de pescadores, ou Itanhaém, onde
ele ia com Mário Zanini. Por fim, a exposição termina com um conjunto de
naturezas-mortas. É uma época de transição para a abstração, toma conta
delas a total geometrização, "o sentido da esquematização, da síntese",
como escreveu o crítico Paulo Mendes de Almeida.
Arcangelo Ianelli - Museu de Arte Brasileira da Faap. Rua
Alagoas, 903, Pacaembu, 3662-7198. Das 10 às 21 horas (última entrada às
20 horas); sábados, domingos e feriados, das 13 às 18 horas (última
entrada às 17 horas). Grátis. Até 19/9.
(© estadao.com.br)
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