Obra do italiano Silverio Corvisieri conta a história da bailarina
KATIA CALSAVARA
A bailarina Marietta Maria Baderna (1828-1870) é quase desconhecida nos
livros de dança, mas habita as páginas de dicionários há tempos. O verbete
"baderna", além de confusão, desordem e barulho, fala em "uma dançarina
que esteve no Rio em 1851", segundo o Aurélio.
Italiana, seguidora de Giuseppe Mazzini, Baderna se exilou no Brasil em
1849 e, em pouco tempo, ganhou o palco e o público do teatro São Pedro de Alcântara, no
Rio, que vivia lotado com os "badernistas" -partido criado por fãs em homenagem
a ela.
Os passos de Baderna instigaram a curiosidade do autor italiano Silverio
Corvisieri, que foi militante do Partido Comunista e três vezes deputado. Após anos de
pesquisas em cinco países, ele desembarca no Brasil no dia 3 para o lançamento de
"Maria Baderna -°A Bailarina de Dois Mundos".
Em entrevista à Folha, Corvisieri fala que seu interesse pela dança
nasceu durante a pesquisa, não antes disso, e que gostaria de reencontrar Lula no Brasil.
"Eu o conheci quando eu era deputado e ele, um corajoso sindicalista."
Baderna já havia sido tema de artigo do jornalista brasileiro Moacir
Werneck de Castro, que fantasiou sobre a saga da bailarina de verbete em dicionários.
"Sem querer, acertei no essencial. Baderna foi mesmo ativa
politicamente. Coloquei-a lutando ao lado de Bento Gonçalves e como subversiva nas ruas
do Rio. Mas sua história real é mais interessante", diz Werneck.
Na Itália, Corvisieri já pesquisava sobre Baderna e, depois de ler o
texto de Werneck, veio para o Rio. Ele sabia que a história retratada no artigo não era
verdadeira e se embrenhou em descobrir a real.
"No começo, os cariocas usavam o termo baderna para indicar coisas
muito belas. Somente depois de a dança ser considerada fator de corrupção da juventude,
a palavra assume os significados atuais", diz Corvisieri.
A pesquisa revelou uma bailarina-estrela que, além da técnica primorosa,
mostrava expressão e beleza capazes de obscurecer o brilho das divas do canto lírico.
Sempre à frente de seu tempo, Baderna se interessou pelos ritmos
afro-brasileiros e saiu às ruas para ver o requebrar das mulatas. Em pouco tempo foi
considerada a musa do lundum, da cachuca e da umbigada, danças com movimentos bastante
ousados para a época de dom Pedro 2º.
Havia quem dissesse que Baderna bebia demais e era viciada em absinto,
além de ser muito namoradeira. "Seu desaparecimento pode estar ligado ao desgaste
físico provocado pelo abuso das bebidas", conta o autor.
Mais da metade dos artistas europeus que vieram com ela para o Brasil
morreu de febre amarela. Baderna caiu de cama duas vezes, mas resistiu, ao contrário do
pai.
Seu estilo de vida, considerado transgressor, deu à bailarina uma existência plena em
dois mundos: de noite, uma sílfide nos palcos, de dia, uma revolucionária. (FOLHA
DE S. PAULO)
CRÍTICA
Renasce o mito de Baderna Marietta Baderna nasceu em
Piacenza, Itália, em 1828 e foi aluna do mestre e coreógrafo Carlo Blasis. Prodígio,
estreou aos 12 anos em sua cidade natal para, em seguida, ser figura indispensável na
companhia de dança do teatro Scala de Milão.
No auge do sucesso na Europa, a bailarina obedeceu à ordem da diretiva
revolucionária de não participar da vida artística dos teatros enquanto a Itália
estivesse sob domínio austríaco. Seu pai, o médico Antonio Baderna, foi seu
incentivador, em uma época em que ser bailarina era o mesmo que escolher ser prostituta.
No livro, a passagem de Baderna pelo Rio de Janeiro é relatada com
minúcia, inclusive com intrigas vividas entre ela e as cantoras de ópera, diretores e
atores.
Corvisieri não mede a quantidade de adjetivos para descrever a bailarina e se revela um
verdadeiro apaixonado por sua história.
O cenário artístico serve de pano de fundo para falar da vida de Baderna
e da esfera política e cultural do Rio nos anos 50 e 60.
A obra está longe de ser só sobre dança, mas comprova o quanto o poder
de uma intérprete pode trazer novos fãs a admirar essa arte. Sem o vigor e a
expressividade de Baderna, a platéia jamais estaria repleta de fãs que se estapeavam por
um melhor ângulo para admirá-la entre saltos e piruetas. (KATIA
CALSAVARA) (FOLHA DE S. PAULO)
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