Negociantes italianos são acusados de ter recrutado prostitutas para premiê
Testemunha diz ter recebido R$ 2.800 para ir à casa do primeiro-ministro;
outra garota teve o seu carro incendiado após denúncias
DA REDAÇÃO
A Promotoria de Bari, no sul da Itália, está investigando negociantes
locais por supostamente recrutar prostitutas para festas na casa do premiê
italiano, Silvio Berlusconi, o que configuraria crime de indução à
prostituição.
Uma das principais testemunhas é Patrizia D'Addario, garota de programa
de luxo, que afirma ter estado em uma festa na casa do premiê -que chamou de
harém- em outubro, em troca de R$ 2.800, junto com outras 20 mulheres. Ela
diz ter voltado à residência em 4 de novembro, quando eles passaram a noite
juntos.
Outra testemunha, Barbara Montereale, que também alega ter participado
das festas, teve seu carro destruído em um incêndio na madrugada de ontem.
Até ontem não se sabia se o incêndio tinha relação com o escândalo.
Em outro desdobramento, Patrizia D'Addario reportou à polícia que, após
suas denúncias, sua casa foi alvo de roubo -os ladrões teriam levado, entre
outras coisas, seu computador e o vestido que, disse ela, fora usado na
festa de Berlusconi.
D'Addario disse que entregou à Justiça gravações e vídeos dos encontros
com o premiê -feitos em seu celular-, nos quais se escutaria a voz dele
dizendo: "Espere-me na cama grande".
Ela negou que tenha sido paga por opositores para revelar o caso -sua
motivação é outra, disse. D'Addario quer vingar-se de Berlusconi por ele não
ter cumprido a promessa de ajudá-la a resolver burocracias referentes a um
imóvel.
"Reembolso"
Um dos comerciantes acusados de pagar as garotas, Giampaolo Tarantini,
disse que o dinheiro era apenas para reembolsar despesas de viagem das
mulheres e pediu desculpas ao premiê por envolvê-lo em um escândalo.
Tarantini é acusado de recrutar as garotas em troca de favores do governo.
"Os italianos me querem como sou, não vou mudar", disse ontem Berlusconi,
negando as acusações, que se somam à lista de escândalos na vida privada do
premiê. À revista "Chi" -parte do império midiático do premiê- ele disse que
"nunca" pagou por sexo e que não se lembrava de D'Addario.
Fotos das festas do premiê foram publicadas recentemente no jornal
espanhol "El País", mostrando mulheres e homens nus à beira da piscina. O
premiê também é acusado de ter um caso extraconjugal com uma menina de 18
anos, que diz ser apenas a filha de um amigo seu.
Ontem, a influente revista católica italiana "Famiglia Cristiana"
escreveu que o premiê "ultrapassou os limites da decência". É a segunda
publicação católica a criticar o político.
Apesar dos efeitos dos recentes escândalos na imagem do premiê, o partido de
Berlusconi saiu vencedor nas eleições italianas ao Parlamento Europeu, no
último dia 7. Conquistou cerca de 40% dos votos.
(©
Folha de S. Paulo)
"O sultão Berlusconi não cairá, é o dono do país",
diz cientista político
Giovanni Sartori
Miguel Mora
Em Roma (Itália)
Giovanni Sartori (nascido em Florença em 1924) é um dos
poucos intelectuais italianos que se pronunciam sobre a
enxurrada de revelações de festas com sexo e drogas que
cercam o primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Sartori
publicou há dois meses um livro de título profético, "O
Sultanato", em que reúne seus artigos para o jornal "Il
Corriere della Sera". O cético Sartori descarta que os
escândalos terão um custo político para o sultão. "Se
renunciar, o processam, por isso não pode cair. O
partido come dele, a Igreja também. E os italianos não
sabem o que acontece porque só veem a televisão",
afirma. Leia a entrevista:
El País: A idéia do livro é que a Itália de
Berlusconi não é uma ditadura nem uma democracia, mas um
sultanato.
Giovanni Sartori: Decidi o título antes que saíssem
as notícias sobre as festas e as garotas-propagandas, e
deu certo, embora alguns sultões fossem mais violentos
que Berlusconi. Tinham brigadas de anões acrobatas que
assassinavam os inimigos. Em todo caso, é um regime de
corte, um harém.
El País: E em que se parece com uma ditadura?
Sartori Berlusconi não é um ditador do século 20
porque não mudou a Constituição, mas tentou esvaziá-la
de conteúdo para reduzir o poder do Parlamento. Mas os
italianos que votam nele dizem: "Estamos contentes com
nosso ditador". Ele é definido pela idéia da corte: faz
o que quer, obtém o que necessita, não distingue entre
público e privado, o prazer do poder o gratifica. Está a
meio caminho entre o ditador e não. É o patrão à moda
antiga, o dono do feudo.
El País: O senhor se surpreendeu com os costumes do
harém?
Sartori: Não, o sultão faz o que quer e o que gosta.
Sabíamos que ele sempre gostou de garotas. Faz parte do
personagem: o luxo, as grandes festas, as menores. Ainda
não há provas disso, mas é absolutamente verossímil,
encaixa com o personagem.
El País: Verónica Lario falou de "virgens oferecidas
ao dragão".
Sartori: É a mulher dele, por isso é lógico pensar
que esteja informada. Desde então se calou. Ele tem
muitos mecanismos de pressão, muito fortes. O primeiro
são os filhos. Se Verónica falar outra vez, pode
deserdá-los.
El País: Acredita que isto será o fim de Berlusconi?
Sartori: Agora será mais cauteloso e estará mais
atento. Continua tendo o apoio popular e ganhando
eleições. Ele diz: "Sou assim, e os italianos gostam de
como sou, não vou mudar". Para se proteger vai aprovar a
lei que restringe as escutas judiciais, fato gravíssimo
porque prejudica a atividade policial contra a máfia,
mas para ele esses danos colaterais nunca tiveram
importância.
El País: Mas a sensação é de que a lama apenas
começou a brotar.
Sartori: Surgirão fotos e provas de todo tipo, mas
ele dirá que são fotomontagens, calúnias.
El País: Seu partido não acreditará nele.
Sartori: O Povo da Liberdade é uma massa
clientelista mais fiel que a Democracia Cristã (DC).
Todos vivem dele, o papai lhes dá o mingau. Não se
romperá tão facilmente quanto a DC, tem mais privilégios
e mais poder local, as regiões são um escândalo
absoluto. É uma rede feroz e voraz que conquista cada
vez mais poder, um paraestado que tem todo o interesse
em continuar unido. Todos sobem no carro do vencedor e
ele permite. A única coisa que lhe importa é manter seu
patrimônio intacto, o demais é um grande cocho.
El País: E Fini?
Sartori: Fini está aposentado. Com a integração dos
partidos, Berlusconi coroou os coronéis, os fez
ministros. Não tem poder nem sobre os dele mesmo. É frio
e elegante falando, mas sua carreira política está
coroada de erros e estupidez. Se chegasse ao poder,
confiaria menos nele do que em meu gato.
El País: Mas a imagem internacional do país piora
cada vez mais.
Sartori: Em 1994 o atacaram, ninguém acreditou que
fosse durar e se acostumaram com ele. Não creio que haja
a menor pressão internacional. Ele diz que tudo é um
complô de nossos comunistas, Murdoch e EL PAÍS, e com
essa fábula segue em frente. É muito esperto, muito
ladino. Vai ver Obama e se coloca em primeiro lugar na
lista de amigos. Manda mais soldados para o Afeganistão,
recebe três presos de Guantánamo e Obama não pode
maltratá-lo.
El País: Também não parece possível que renuncie:
perderia a imunidade.
Sartori: Se renunciar, o processam. Antes de
renunciar precisaria garantir a imunidade, como
Pinochet. Veja seu sorriso: é genuíno, autêntico. Não
mente. Significa: "Eu lhes dou o mingau. Dos escândalos,
o país não sabe de nada. A televisão não informa, 80%
dos italianos se informam através da televisão". Ele
controla seis dos sete canais, e o sétimo tem medo. É
impossível que lhe façam cobranças. Não há esperança.
El País:A Igreja não pode fazê-lo cair?
Sartori: Está muito atenta, mas ele a deixa mandar
cada vez mais. Não há relações Igreja-Estado, é de poder
a poder. Eles também merendam sua Itália, os colégios, o
fim da vida... Está comprada como os outros. Por isso
cala e concede. É justamente isso, a Igreja.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
UOL Notícias/El País)
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