No cenário de Trancoso, entre mosquitos, caipirinhas e
espectadores sem fôlego, o fotógrafo e provocador profissional
Terry Richardson tira o máximo – mesmo – das modelos
do novo calendário Pirelli Juliana Linhares
Terry Richardson gosta de pôr fogo em moças bonitas. No sentido figurado, claro.
Ele provoca, provoca e provoca mais um pouco, para ver até onde elas podem ir.
Como é fotógrafo, americano e badalado, oportunidades não faltam. E poucas vezes
se reuniram jovens tão belas e condições tão favoráveis para instintos
piromaníacos quanto nas sessões para o próximo calendário da Pirelli, feitas em
Trancoso, na Bahia. Houve um dia em que as fotos começaram à tarde, na praia. As
modelos jogavam vôlei. Só de tanguinha preta, de lacinho. Enquanto Richardson
fotografa, dois assistentes fazem fotos dele e outros dois filmam tudo. Terry
tocou em diversas bandas de punk antes de virar fotógrafo. Costuma dizer que seu
estilo de fotografar tem a ver com o estilo punk. Nesse dia, na praia, tocava
Rolling Stones e Depeche Mode. A sessão de fotos acabou quando Richardson saiu
correndo para o mar e gritou para que todos o acompanhassem. Branquíssimo e
tatuadíssimo, ele se esgueirou feito criança no meio das beldades. Assistentes
fotografando, incitou as meninas a gritar em uníssono: "Hi, uncle Terry". Ato
contínuo, todos – tiozão, modelos e assistentes – se jogaram no mar, com
pranchas e bodyboards. As meninas continuavam de tanguinha, algumas nem isso.
Brincaram na água até a noite cair.
A sessão foi retomada à meia-noite. Richardson quis que sua produção armasse um
luau na praia. Encomendou porco no rolete – o maior que o cozinheiro
encontrasse. Bicho assando, festa rolando, consumo de caipirinhas estourando.
Quando todas já estavam bem alegrinhas, Richardson apareceu com farinha e ovo e
começou uma guerrinha com as modelos. Em pouco tempo, elas rolavam na areia.
Roupa zero. As mais ousadinhas subiram no suíno no espeto, brincaram de montaria
e simularam uma aproximação maior. As duas brasileiras que estavam no luau, a
veterana Ana Beatriz Barros e a novata Gracie Carvalho, não quiseram fazer parte
da loucura. "Não era a minha. Foi hot demais", informa Ana Beatriz. Ela garante
que o fotógrafo não obriga ninguém a fazer as fotos mais picantes. "Ele vai
incendiando as meninas, mas cada uma só faz o que quer." Apesar da naturalidade
com que expõe o corpo espetacular – ela é modelo, certo? –, Ana Beatriz sabia
exatamente onde riscar os seus limites: "Eu queria algo mais sensual, não sexy.
Foi por isso que, no contrato, coloquei que não faria nu total. As minhas fotos
vão ficar lindas, mas elegantes". Ana já fotografou com Richardson pelo menos
outras sete vezes e diz que o calendário Pirelli era o único trabalho que
faltava no seu currículo. "É a realização para qualquer modelo", conta. Segundo
Fabia Snider, assistente de comunicação da Pirelli, as modelos "praticamente
pedem para fazer esse calendário", por causa da projeção que dá. "Elas ganham
pouco, cerca de 15.000 a 17.000 dólares, muito menos do que ganhariam em
qualquer campanha, mas vêm felizes da vida", diz Fabia. Toda a produção do
calendário, segundo ela, custou uns 2 milhões de dólares.
|
LANCHINHO
A húngara Eniko Mihalik faz pose ao lado do fotógrafo |
Especialistas em fantasias masculinas diriam que valeu cada centavo. Mas deu um
trabalhão. Empenhado em fazer o calendário mais sexy da história, Richardson
colocou modelos nuas e seminuas dentro de um mangue cheio de caranguejos. Fim de
tarde, chuvinha fina, começou o ataque aéreo. "Nunca vi insetos tão selvagens",
decretou a modelo australiana Abbey Lee, contabilizando mais de 25 picadas de
pernilongo nas pernas. Em outro momento, diante de câmeras que não a sua,
Richardson repartiu um cacho de bananas com a húngara Eniko Mihalik, ambos bem à
vontade. As modelos escolhidas por ele tinham características em comum.
"Primeiro, aceitaram fazer fotos nuas, ou pelo menos seminuas. Segundo, todas
são muito jovens, entre 18 e 24 anos. A exceção é Ana Beatriz, que tem 27. Por
fim, nenhuma tem silicone. Queríamos um visual bem natural, fosse de peitinhos,
fosse de peitões", enumera Jennifer Starr, diretora de casting. Na segunda
categoria, destacaram-se a holandesa Marloes Horst e seus suspensórios de
cerejas.
Sob o inclemente sol baiano, Richardson fotografava com um lençol amarrado no
pescoço, em forma de capa, contribuindo para aumentar a bizarrice do conjunto.
Aos 43 anos, ex-drogado, ele tem os braços cobertos por tatuagens – são mais de
vinte. Há desenhos de mulheres, ao estilo de velhos marinheiros, teias de aranha
e até um garotinho triste que, segundo já declarou, simboliza ele mesmo na
infância. A obra se completa com costeletas à la Wolverine, bigodinho, óculos de
grau de lentes enormes, anéis em quase todos os dedos e alvíssimo abdômen
trincado de músculos. Seus assistentes são todos de Nova York, todos tatuados e
todos aprovados nos testes mais extremos de modernidade, o que provocou mais que
um choque, um cataclismo cultural com a equipe da Pirelli. Imagine-se a tribo de
Richardson em contraposição a italianos como Gioacchino del Balzo, diretor
criativo da marca, que flanava pelas areias, chiquérrimo, enfiado em sapatos,
meias, chapéu-panamá, um lenço amarrado no pescoço, outro pendurado no bolso do
paletó. Juntando todos, havia pelo menos quarenta pessoas nas sessões de fotos.
A mistura das duas turmas, em meio à massa de mulheres estonteantes,
impressionou até os frequentadores da internacional Trancoso. "Quando acabavam
as fotos, elas, nuas como estavam, corriam para o mar e ficavam brincando na
água, como se estivessem em uma ilha deserta", descreve o empresário Eduardo
Rios, que estava a passeio na praia e flagrou algumas cenas. "Quando vi aquela
cena louca, quase chorei. Parecia uma miragem. Tive de ligar para o meu pai, meu
irmão e meus amigos, porque senão ia enlouquecer." O juízo dos garçons dos bares
e restaurantes que receberam as modelos também foi submetido a duras provas.
"Elas almoçavam peladinhas, como tinham vindo das fotos. Depois, ficavam bravas
quando a gente não tirava o olho delas. Só se eu fosse doido para não olhar",
conta um dos que serviram a equipe.
Terry Richardson é conhecido porque seus trabalhos contêm uma altíssima voltagem
erótica, para alguns até pornográfica. "Me chamam de pornô-chique, de rei do
trash, mas, para mim, minhas fotos estão no limite da obscenidade e da arte",
diz o fotógrafo, que também costuma ir para o outro lado da câmera. "Não peço
que ninguém faça nada diante das minhas lentes que eu mesmo não seja capaz de
querer fazer." Seus primeiros trabalhos tinham um ar de espontaneidade, com
pouca produção, pouca técnica de iluminação e câmeras toscas, que virou moda.
Com o tempo, foram ficando mais picantes. Em 2002, Richardson esteve no Brasil
pela primeira vez para fotografar um catálogo de moda com Daniela Cicarelli, que
aparecia em evoluções quase explícitas com rapazes praticamente nus. Em 2007,
fotografou para um livro sobre o Rio de Janeiro, com Dercy Gonçalves, Yasmin
Brunet, Cauã Reymond e Adriane Galisteu. Foi a bailes funk, a favelas e a boates
gay. A seco, jura, porque largou o vício em drogas pesadas há cinco anos, depois
de ver a morte de perto. "Hoje, fotografar sem drogas no corpo é muito bom.
Parece com a sensação de fazer sexo sem ter bebido. Você sente tudo o que está
acontecendo", diz. Confiram no calendário.
(©
Veja)
|