Marco Bellocchio faz drama tradicional sobre amante
de Mussolini
21/05/2009
Foto: Divulgação
Marco Bellocchio (à esq.) e os atores Giovanna
Mezzogiorno e Filippo Timi, do filme "Vincere"
THIAGO
STIVALETTI
Colaboração para
o UOL, de Cannes
O veterano cineasta italiano
Marco Bellocchio, conhecido por
obras políticas dos anos 60 e 70
como "De Punhos Cerrados", voltou a
competir pela sexta vez em Cannes
com o drama "Vincere" (Vencer), que
conta a vida de Ida Dalser, amante
do ditador Benito Mussolini no
começo de sua carreira militar.
Com a ascensão do fascismo,
Mussolini renega Ida e o filho que
teve com ela e casa-se oficialmente
com outra, com quem tem outros cinco
filhos. Ida, no entanto, não desiste
de contar a verdade, esperando ver
seu direito reconhecido. Escreve ao
Papa, aos jornais, aos políticos.
Figura incômoda, acaba internada em
um manicômio e fica anos sem poder
ver o filho, também chamado Benito.
Bellocchio usa a história de Ida
como microcosmo do fascismo, para
mostrar até onde a liberdade ficou
restrita até o final da Segunda
Guerra, e como boa parte dos
cidadãos foi no mínimo conivente com
o regime. O diretor fez um filme de
narrativa clássica, que não traz
nenhuma novidade em termos de
cinema, mas conta com eficiência
essa trágica história.
A montagem frenética leva o filme em
ritmo veloz, com as cenas de ficção
intercaladas por poderosas imagens
de arquivo e ao som de óperas
retumbantes que aumentam os ecos da
tragédia. Para os fãs de cinema
italiano, são recursos que aumentam
a força do filme - para os outros,
pode parecer muito melodramático.
"Ida faz a sua própria guerra, é
uma heroína trágica. Na Itália,
temos grandes mártires antifascistas
como (o filósofo Antonio) Gramsci,
mas queria contar a história de
outros mártires menos importantes
como ela", explicou Bellocchio.
"Apesar de ser totalmente devotada a
Mussolini, Ida é um personagem
moderno, quase feminista. Ela adora
o filho, mas acaba sacrificando-o em
nome da verdade", disse a atriz
Giovanna Mezzogiorno, que no ano
passado esteve em Cannes com "The
Palermo Shooting", de Wim Wenders.
O ator Filippo Timi interpreta
Mussolini e anos depois seu próprio
filho, que aprende a imitar o pai.
"Meu desafio foi tornar humano um
personagem tão odiado. É curioso
como uma pessoa não pode ser cristã
e violenta ao mesmo tempo, mas no
caso de um ditador como Mussolini, o
fato de afirmar-se cristão só lhe
dava mais credibilidade aos olhos do
povo".
Pedro Almodóvar e Marco
Bellocchio relembram traumas do regime com drama e comédia
Carlos Heli de Almeida
Se há algo em comum entre o
melodrama Los abrazos rotos, de Pedro Almodóvar, e o drama de época Vincere,
de Marco Bellocchio, os dois filmes exibidos na competição da 62ª edição do
Festival de Cannes, é o seu subtexto político – menos evidente no primeiro
do que no segundo. No filme de Almodóvar, o primeiro diretor desde Volver
(2006), que saiu de Cannes com os prêmios de Roteiro e pelo conjunto de
interpretações femininas, fala sobre um cineasta cego obrigado a
confrontar-se com as memórias de amor do passado. Bellocchio debruça-se
sobre a tragédia de Ida Dalser, a esposa secreta do ditador Benedito
Mussolini, que morreu tentando legitimidade do casamento com Il Duce e a
paternidade do filho que teve com ele.
– A experiência do
protagonista de Los abrazos rotos serve como metáfora para o que estamos
vivendo na Espanha agora – revelou o autor de Mulheres à beira de um ataque
de nervos (1988), durante a entrevista coletiva que se seguiu à projeção do
filme. – Depois dos anos 70, quando o país atravessou uma ditadura, houve um
esforço deliberado para esquecer o passado, um esforço tremendo para deixar
o período para trás e começar uma vida nova. Mas agora vivemos uma
democracia mais madura. Inclusive, temos mais instrumentos legais que
estimulam essa reflexão, como a Lei da Memória Histórica. Precisamos
enfrentar os fantasmas do passado para que eles não nos corrompam.
Bellochio, por seu lado,
revive a ascensão do fascismo e de Mussolini dentro do partido pela
perspectiva da mulher que ele renegou. A ligação do ditador italiano com Ida
Dalser é uma página obscura da trajetória da Itália, omitida nas biografias
oficiais de Mussolini, mas guardadas pelas cartas e documentos que ela e os
parentes deixaram. Quando os dois se conheceram, em Milão, às véspera do
estouro da Primeira Guerra Mundial, Mussolini era editor do jornal Avanti e
ardente socialista, que desejava emancipar a sociedade italiana de sua
herança clerical e monárquica. No filme, Ida é vivida por Giovanna
Mezzogiorno (Amor nos tempos do cólera) e o futuro Duce por Filippo Timi.
O título do novo filme do
provocador autor de Diabo no corpo (1986) e Bom dia, noite (2003) é uma
referência a um dos slogans de Mussolini: "Vencer!"
– Em geral, os filmes
antifascistas são contados do ponto de vista de heróis ou mártires, o que
não é o caso de Vincere. Ida foi uma mulher que se apaixonou loucamente não
só por Mussolini como também pelas idéias dele, o que a torna uma personagem
cheio de contradições – explicou Bellocchio. – O mais interessante na
história de Ida é que ela se recusou a ser descartada da história oficial,
nunca aceitou que o seu papel na vida de Mussolini fosse ignorado. Para
nossa sorte, existem livros e farta documentação sobre Ida e o
relacionamento com o ex-ditador suficientes para que ela não caísse no
esquecimento.
Embora lance mão de outro tipo
de narrativa, menos carregada, Los abrazos rotos também propõe reflexão –
afetivas e cinematográficas. O centro do enredo é formado por um triângulo
amoroso entre Mateo (Lluis Homar), um diretor de filmes, Lena, uma atriz
(Penélope Cruz, em sua quarta parceria com o cineasta espanhol) e o amante
desta, Ernesto (Jose Luiz Gómez), um rico empresário. A história começa nos
dias de hoje, quando encontramos Mateo, agora um roteirista cego, escondendo
o passado atrás de um pseudônimo artístico. Uma série de flashbacks puxa a
trama de volta para os anos 90, quando o trio se conhece nos bastidores de
um filme chamado Chicas y maletas, descaradamente inspirado na comédia
Mulheres à beira de um ataque de nervos, longa-metragem que projetou o nome
de Almodóvar mundo afora.
– Confesso que me senti
acompanhado dos fantasmas das personagens de Mulheres à beira de um ataque
de nervos, porque aquele foi um filme, realizado há mais de 20 anos, muito
especial para mim – confessou Almodóvar.
Canal Fox exibe piloto
O diretor revelou que seu
primeiro sucesso internacional está passando por um momento especialmente
fértil:
– O canal Fox americano já
está rodando o piloto de uma série de TV inspirada no filme, que, espero,
seja infinita. A adaptação está sendo feita pela mesma autora da série
Grey's anatomy (Shonda Rhimes). Em junho, vou a Nova York assistir aos
primeiros ensaios da versão musical de Mulheres... que estreará na Broadway,
em versão do mesmo diretor do espetáculo South Pacific (Barlett Sher).
A história de Los abrazos
rotos é contada por um homem, mas a grande estrela do filme de Almodóvar é
Penélope Cruz, em personagem glamourizado pela câmera do diretor. Na
verdade, a atriz ganhadora do Oscar (por seu desempenho em Vicky Cristina
Barcelona, de Woody Allen) faz dois papéis, a da secretária que virou atriz
um tanto medíocre e a protagonista do filme dentro do filme.
– Apesar de ser uma comédia,
fazer a Magadalena de Chicas y maletas foi mais difícil do que a Lena do
drama que a envolve - disse a atriz. – Fazer comédia é sempre mais complexo
porque é um gênero delicado e preciso. Para complicar, eu tinha que
trabalhar os dois níveis de humor ao longo do dia, fazendo uma e outra
personagem. Foi um pouco confuso no início.