Umberto Eco
No encerramento da Escola para
Livreiros Umberto e Elisabetta Mauri, em Veneza, falamos, entre outras
coisas, sobre a efemeridade dos suportes da informação. Foram suportes
da informação escrita a estela egípcia, a tábua de argila, o papiro, o
pergaminho e, evidentemente, o livro impresso. Este último, até agora,
demonstrou que sobrevive bem por 500 anos, mas só quando se trata de
livros feitos de papel de trapos. A partir de meados do século 19
passou-se ao papel de polpa de madeira, e parece que este tem uma vida
máxima de 70 anos (com efeito, basta consultar jornais ou livros dos
anos 1940 para ver como muitos deles se desfazem ao ser folheados).
Portanto, há muito tempo se realizam congressos e se estudam meios
diferentes para salvar todos os livros que abarrotam nossas bibliotecas:
um dos que têm maior êxito (mas quase impossível de realizar para todos
os livros existentes) é escanear todas as páginas e copiá-las para um
suporte eletrônico.
Mas aqui surge outro problema: todos os suportes para a transmissão e
conservação de informações, da foto ao filme cinematográfico, do disco à
memória USB que usamos no computador, são mais perecíveis que o livro.
Isso fica muito claro com alguns deles: nas velhas fitas cassete, pouco
tempo depois a fita se enrolava toda, tentávamos desemaranhá-la enfiando
um lápis no carretel, geralmente com resultado nulo; as fitas de vídeo
perdem as cores e a definição com facilidade, e se as usarmos para
estudar, rebobinando-as e avançando com frequência, danificam-se ainda
mais cedo.
Tivemos tempo suficiente para ver quanto podia durar um disco de vinil
sem ficar riscado demais, mas não para verificar quanto dura um CD-ROM,
que, saudado como a invenção que substituiria o livro, saiu rapidamente
do mercado porque podíamos acessar online os mesmos conteúdos por um
custo muito menor. Não sabemos quanto vai durar um filme em DVD, sabemos
somente que às vezes começa a nos dar problemas quando o vemos muito. E
igualmente não tivemos tempo material para experimentar quanto poderiam
durar os discos flexíveis de computador: antes de podermos descobrir
foram substituídos pelos CDs, e estes pelos discos regraváveis, e estes
pelos "pen drives".
Com o desaparecimento dos diversos suportes também desapareceram os
computadores capazes de lê-los (creio que ninguém mais tem em casa um
computador com leitor de disco flexível), e se alguém não copiou no
suporte sucessivo tudo o que tinha no anterior (e assim por diante,
supostamente durante toda a vida, a cada dois ou três anos), o perdeu
irremediavelmente (a menos que conserve no sótão uma dúzia de
computadores obsoletos, um para cada suporte desaparecido).
Portanto, sabemos que todos os suportes mecânicos, elétricos e
eletrônicos são rapidamente perecíveis, ou não sabemos quanto duram e
provavelmente nunca chegaremos a saber. Enfim, basta um pico de tensão,
um raio no jardim ou qualquer outro acontecimento muito mais banal para
desmagnetizar uma memória. Se houvesse um apagão bastante longo não
poderíamos usar nenhuma memória eletrônica.
Mesmo tendo gravado em meu computador todo o "Quixote", não o poderia
ler à luz de uma vela, em uma rede, em um barco, na banheira, enquanto
um livro me permite fazê-lo nas piores condições. E se o computador ou o
e-book caírem do quinto andar estarei matematicamente seguro de que
perdi tudo, enquanto se cair um livro no máximo se desencadernará
completamente.
Os suportes modernos parecem criados mais para a difusão da informação
do que para sua conservação. O livro, por sua vez, foi o principal
instrumento da difusão (pense no papel que desempenhou a Bíblia impressa
na Reforma protestante), mas ao mesmo tempo também da conservação.
É possível que dentro de alguns séculos a única forma de ter notícias
sobre o passado, quando todos os suportes eletrônicos tiverem sido
desmagnetizados, continue sendo um belo incunábulo. E, dentre os livros
modernos, os únicos sobreviventes serão os feitos de papel de alta
qualidade, ou os feitos de papel livre de ácidos, que muitas editoras
hoje oferecem.
Não sou um conservador reacionário. Em um disco rígido portátil de 250
gigabytes gravei as maiores obras-primas da literatura universal e da
história da filosofia: é muito mais cômodo encontrar no disco rígido em
poucos segundos uma frase de Dante ou da "Summa Theologica" do que
levantar-se e ir buscar um volume pesado em estantes muito altas. Mas
estou feliz porque esses livros continuam em minha biblioteca, uma
garantia da memória para quando os instrumentos eletrônicos entrarem em
pane.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves