Afundada em dívidas e em uma crise
política, Fundação Bienal ainda não
garantiu produção da tradicional mostra
que acontece a partir de junho na Itália
MAURÍCIO MORAES
COLABORAÇÃO PARA
A FOLHA
O vazio que marcou a última edição da
Bienal de São Paulo pode chegar ao
pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza,
o evento mais importante das artes
plásticas no mundo. Até o momento, a
Fundação Bienal não garante a produção
da mostra, orçada em R$ 350 mil.
Afundada em dívidas que ultrapassam R$ 4
milhões e em meio a uma crise política,
a instituição pode esvaziar a
representação artística e do Estado
brasileiro em Veneza, já que o pavilhão
é considerado território diplomático do
país.
Para
levantar fundos, a Bienal entrou às
pressas com pedido no Ministério da
Cultura para captação de recursos via
lei Rouanet, mas não deve haver tempo
hábil para os trâmites.
"Não
aparecer em Veneza é lamentável, uma
perda incrível para o circuito
brasileiro", diz Ivo Mesquita, curador
da representação brasileira e
responsável pela última edição da Bienal
de São Paulo. "Os reis escandinavos, por
exemplo, vão representar seus países. É
um dano na imagem do Brasil."
Os
artistas selecionados para o pavilhão
brasileiro são o fotógrafo paraense Luiz
Braga e o pintor alagoano Delson Uchôa.
Ambos seguem produzindo normalmente,
apesar da incerteza sobre a mostra.
Segundo
apurou a Folha, a Fundação Bienal
protocolou em 17 de março um projeto de
captação de fundos via lei Rouanet para
custeio da representação brasileira em
Veneza. O pedido está sob analise
técnica e, na melhor das hipóteses,
poderá ser votado apenas em maio, quando
acontece a próxima reunião do Conselho
Nacional de Incentivo à Cultura.
Somente
a partir daí, a fundação estaria apta a
buscar um patrocinador e fazer a
captação. As obras, no entanto, deveriam
ser despachadas no dia 5 de maio, para a
produção da mostra, que será inaugurada
no dia 7 de junho.
Sem decisão
O
presidente da Fundação Bienal, Manoel
Pires da Costa, que deve deixar o cargo
em breve, reconhece que "por enquanto
não há nenhuma decisão" sobre o pavilhão
do Brasil em Veneza. "Não posso tomar a
decisão do próximo presidente",
esquiva-se. A Bienal procura há cinco
meses um novo nome para substituir Pires
da Costa, que está à frente da fundação
há três mandatos.
O mais
cotado para assumir é Andrea Matarazzo,
secretário paulistano das
Subprefeituras. Segundo o presidente do
conselho da fundação, o arquiteto Miguel
Alves Pereira "o Manoel [Pires da Costa]
já não decide mais nada". Ele crê que
haverá representação, mas não dá
garantias nem sabe de onde poderia vir o
dinheiro.
O
Itamaraty, responsável pela manutenção
do pavilhão do Brasil em Veneza, disse
por meio de sua assessoria que trabalha
com a possibilidade da representação
brasileira.
Em
nota, o Ministério da Cultura diz que
desde outubro "vem buscando o
entendimento com as instituições
brasileiras e italianas para resolver
esta situação extremamente delicada que
se abriu com a crise administrativa da
Fundação Bienal de São Paulo e o vazio
institucional então decorrente". Segundo
o comunicado, o ministério "não pode
resolver de forma unilateral a questão,
nem substituir administrativamente a
instituição responsável".
Frases
"Não aparecer
em Veneza é lamentável, uma perda
incrível para o circuito brasileiro"
IVO
MESQUITA
curador do pavilhão brasileiro em Veneza
"Não posso tomar a decisão do próximo
presidente"
MANOEL PIRES
DA COSTA
atual presidente da Fundação Bienal
Brasil define nomes para a Bienal de
Veneza
FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo
Dois
artistas de fora do eixo Rio-São Paulo
foram os escolhidos pelo curador Ivo
Mesquita para representar o Brasil na
Bienal de Veneza, programada para ser
aberta ao público no dia 7 de junho: o
fotógrafo paraense Luiz Braga e o pintor
alagoano Delson Uchôa. Mesquita, curador
da polêmica 28ª Bienal de São Paulo,
encerrada em dezembro, confirmou, ontem,
à Folha, sua seleção.
A
galeria Oeste, que representava Braga,
fechou as portas no mês passado.
"Estamos brilhando na razão inversa do
mercado", comentou ele, por telefone, do
Rio de Janeiro. Já Uchôa é representado
pela antiga Brito Cimino, que passa a se
chamar Luciana Brito.
Presença no circuito
Ambos
são da mesma geração, nascidos em 1956,
e são artistas com presença no circuito
institucional.
Uchôa
participou da histórica mostra "Como Vai
Você, Geração 80?", realizada em 1984,
no Parque Lage, no Rio, e mais
recentemente da 24ª Bienal de São Paulo,
com curadoria de Paulo Herkenhoff, em
1998, e do 30º Panorama da Arte
Brasileira do Museu de Arte Moderna, em
2007, organizada por Moacir dos Anjos.
Típico
representante da Geração 80, Uchôa cria
suas pinturas sobre suportes distintos
como fotos e tecidos plásticos, a
exemplo de "Entre o Céu e a Terra",
trabalho que exibiu em "Contraditório",
o Panorama de 2007, também visto em
Madri, no ano passado.
Divulgação |
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Pintor alagoano Delson
Uchôa, que também foi
escolhido para representar o
Brasil na Bienal de Veneza,
com a obra "Céu e Terra" |
Já
Braga, apesar de nunca ter participado
de uma Bienal de São Paulo, teve várias
exposições em instituições nacionais
como o Museu de Arte de São Paulo, onde
também faz parte da coleção
Masp-Pirelli, e o Museu de Arte Moderna
de São Paulo, além de outras no
exterior, como na Photographer's
Gallery, de Londres.
"Sou
meio 'off' por trabalhar e morar em
Belém, mas é minha escolha. Meu trabalho
não está pautado pelo mercado, sempre
fui fiel ao que chamo de território
interior do olhar, muito mais
influenciado pelas artes plásticas do
que pela fotografia", conta Braga.
As
imagens que serão vistas em Veneza ainda
não foram selecionadas pelo curador. "O
Ivo me disse que vai para Belém no
próximo mês, mas a gente já sabe por
quais caminhos vamos trilhar, que são a
cor e a luz, os mais marcantes do meu
trabalho", diz o paraense.
Em
abril, o fotógrafo participa da primeira
mostra organizada por conta do Ano da
França no Brasil, na Pinacoteca do
Estado.Lá, ele irá exibir 25 imagens
inéditas, ao lado de fotógrafos
franceses como Pierre Verger e Marcel
Gautherot.
Segundo
a Folha apurou, a decisão de
Mesquita não agradou a alguns
conselheiros da Fundação Bienal, como
Jens Olesen, que havia indicado a
artista Regina Silveira, também da
Luciana Brito, para representar o país
na mostra de Veneza.
Foi a
segunda vez que Mesquita indicou
artistas para o pavilhão brasileiro: há
dez anos, sua dupla foi composta por
Iran do Espírito Santo e Nelson Leirner.