Andrea Bocelli demonstra sua popularidade no Brasil
20/04/2009
Foto André Velozo
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Por Daniel Russell Ribas
O tenor Andrea Bocelli
alcançou um feito único. Através da
exploração com a vertente pop, alcançou
um público desinteressado pela música
erudita. Com a execução de árias
conhecidas e canções populares, aliado a
intérpretes com significativa presença
entre as massas, se tornou um sucesso de
vendas. Com isso. se tornou o símbolo de
uma vertente conhecida como pop
ópera. Independentemente disso, seu
sucesso de vendas e apelo com o público
é inegável. Uma prova disso foi o show
realizado ontem no HSBC Arena. Dividido
em duas partes, o espetáculo se
concentrou em árias famosas e músicas de
seu novo cd, Incanto.
Marcado para as 22h, o show atrasou
quase meia hora. Em torno das 22h22m, o
maestro Eugene Kohn
entrou no palco e começou a reger a
Orquestra Sinfônica do Paraná. Neste
momento, o telão exibiu uma apresentação
com uma declaração assinada por Bocelli.
Os primeiros acordes de Il barbieri
de Siviglia de Rossini eram a
trilha para a mensagem em o astro
afirmava que a música era seu destino. O
telão seguia com o registro. Bocelli
sentiria, muitas vezes, precisava dizer
algo diferente com a música. Para ele,
música seria uma necessidade, como amar.
E que seu destino consistiria em
compartilhar esta paixão, com que ele
passou uma infinidade de horas felizes,
com o público. A abertura escrita
terminou com a confissão de seu desejo
de estar lá e um agradecimento à platéia
que veio presenciar seu trabalho. Após a
parte escrita, Kohn se retira até as
escadas. Às 22h30m, ele ressurge
trazendo Bocelli. O público aplaude. Sua
presença e apelo com os espectadores se
provaram mais uma vez um dos fatores
essências para o êxito de uma
apresentação pesada por tropeços.
O primeiro ato consistiu em obras de
Puccini e árias em Bocelli cantou em
óperas, como pode ser visto no telão
durante a execução das músicas.
Após Il barbieri de Siviglia,
Bocelli canta La Donna è móbile
de Rigoletto. Ao fundo, o telão mostra
fotos e pinturas em preto e branco que
remetem à Itália. Sua capacidade vocal,
infelizmente, não alcança a
potencialidade da música, deixando uma
sensação de vazio no lugar de um
estouro. No entanto, se sai
consideravelmente melhor na segunda
música, Intanto amici qua...
Brindisi, da ópera Cavalleria
Rusticana. O barítono
Gianfranco Montresor cantou
Te Deum, de Tosca, ópera
de Puccini. Antes de a música começar,
um momento inusitado aconteceu quando
Montresor subia para palco. Ele tropeça
num dos degraus e quase cai. Devido à
escuridão, a platéia provavelmente
pensou que era Bocelli, pois, como um
espectador ao meu lado mencionou antes
de ser revelada a identidade do quase
acidentado: Quase!. Montresor
tem uma boa voz, embora pareça pouco à
vontade no palco. Bocelli retornou em
seguida, com outra ária de Tosca,
E lucevan Le stelle. Uma boa
execução, mas a anterior ainda era mais
emocionante. Na quinta música, entrou a
soprano Olivia Gorra
com O mio babbino caro, de
Gianni Schichi, outra obra de
Puccini. Ela arranca aplausos logo no
começo com a boa execução e uma voz
impressionantemente bela e eficaz. Na
sexta, ela e Bocelli dividem Viene
la sera, de Madame Butterfly,
uma ópera de Puccini. Gorra o engole
facilmente, mas Bocelli melhora
significativamente à medida que a
dramaticidade se intensifica, se
desinibindo e dando mais poder à voz. As
boas interpretações de ambos são outro
elemento positivo. Na última música do
primeiro ato, Montresor retorna e divide
com Bocelli Au fond Du temple Saint,
de Pêcheursde perles,
obra de Bizet. Com Montresor que parecia
não dar o máximo de si para não engolir
a voz de Bocelli, restou um final bom,
mas longe de espetacular.
Após 20 minutos de intervalo, o
espetáculo recomeça um pouco depois de
23h30m. Esta segunda parte conteve
canções de seu novo cd, Incanto,
e músicas bem próximas do imaginário do
público brasileiro. A orquestra toca
Flight of the bumblebee de Korsakov
com o auxílio do flautista
Andrea Griminelli. Ele, no
entanto, é burocrático e passa longe da
sensação de leveza e sonho que Korsakov
pode ter. Griminelli segue com
Ciarda de Monti, o que é ainda
pior. Com sua flauta discreta e os
violinos desafinados, o final ficou
horrível, com um som que remetia a um
rangido no lugar de um assobio. Bocelli
retorna para Mamma, de Bixio.
Mais confiante, o tenor melhora e deixa
sua voz ecoar entre a platéia. No
entanto, ele alcançaria uma projeção
ainda maior em Vieni sul mar,
de Aniello. Apesar da boa performance de
Bocelli, a combinação da flauta com os
violinos foi desastrosa para um
resultado realmente bom. Ele fica mais
tímido em Voglio vivere cosi,
de DAnzi. Sua voz doce fica no meio do
caminho, como em considerável parte do
primeiro ato. A soprano Gorra retorna
para o intermedio de La boda de Luis
Afonso, de Gimenez. Os violinos,
que incomodavam bastante no primeiro
ato, estavam particularmente enfurecidos
(desafinados) no segundo e esta música
provavelmente foi a maior vítima da
noite. Gorra e Bocelli fazem um dueto na
Cancion de Paloma de El
barberillo de Lavapiès, por
Barbieri. Ela seduz com uma projeção
ótima, engolindo Bocelli. Um dos grandes
queridos de seus fãs brasileiros, sua
versão para O sole mio, de
Viaggio Italiano, da obra de Di
Capua, demonstrou seu poder mais uma
vez. Bocelli, inclusive, parecia mais
segura e fez uma bonita execução. O
tenor manteve a confiança nas duas
últimas músicas, Granada de
Lara e Funiculì funiculà de
Denza. Embora sua performance vocal
tenha estado particularmente neste
final, pesa e muito o fato de que ele só
sinta aparentemente seguro com músicas
mais do que batidas. A execução de
Funiculì funiculà foi o exemplo
mais gritante, com o público batendo
palmas e vídeos no telão de danças
italianas tradicionais e pizzas em preto
em branco. Às 24:13, quando o show
terminou, a impressão era que Bocelli
era tão italiano quanto pizza e não
pratos de peixe. Após agradecer à
orquestra e ao público, o tenor se
retira. Ele, no entanto, retornaria mais
quatro vezes para cantar,
respectivamente, Oh mio rimorso (La
Traviata), uma versão em espanhol de
Roberto Carlos (Amore, Io no resisto),
Con te partiro e No se
dorma, de Puccini. Às 24:35h,
Bocelli se despede, apesar dos pedidos
do público.
O que restou no final da noite é
solidificação do amor dos fãs de
Bocelli. Seu amor pela música tem uma
forte conexão com o público leigo. Esse,
por sua vez, nota, mas prefere ignorar
que, talvez, seus críticos estejam
certos quando a pouca capacidade de
projeção e o fato de que sua performance
cai e muito quando sai de seus sucessos.
O show de ontem, com uma orquestra
nitidamente despreparada, com violinos
desafinados, entradas atrasadas e um
coro que realmente não parecia ter muita
razão em estar lá, deixa esta impressão.
Bocelli está mais para um crooner
sofisticado do que um tenor com
Pavarotti, que o apadrinhou. Mas não dá
para negar que ele entrega o público
pede. Ele tem uma ótima presença no
palco, que disfarça a insegurança em
alguns casos, e sabe escolher o
repertorio. A execução de Roberto Carlos
foi uma surpresa, pois ele declarou que
não cantaria músicas brasileiras. No
entanto... Se Bocelli, quanto a ópera,
está mais para macarronada do que
erudito, não há problema. Sua intenção é
divertir o espectador e, nisso, ele é
bem sucedido. Afinal, quem não gosta de
pizza de vez em quando?
Setlist
Parte 1 G. Rossini
Overture: Il Barbieri de Siviglia G. Verdi La donna è mobile de Rigoletto
P. Mascagni Intanto amici qua... Brindisi
de Cavalleria Rusticana
G. Puccini Te Deum de Tosca
G. Puccini O mio babbino caro de
Gianni Schichi G. Puccini Viene la sera de Madame
Butterfly
G. Bizet Au fond Du temple Saint, de
Pêcheurs de perles
Parte 2 R. Korsakov Flight of the bumblebee V. Monti Ciarda C.A. Bixio Mamma do cd Incanto
G.B. Aniello Vieni sul mar do cd Incanto
G.DAnzi Voglio vivere cosi do cd
Incanto
G. Gimenez La boda de Luis Afonso intermédio F.A. Barbieri Cancion de Paloma El barberillo
de Lavapiès
E. Di Capua O sole mio de Viaggio Italiano
A. Lara Granada do cd Incanto
L. Denza Funiculì funiculà do cd Incanto
Bis Oh mio rimorso (La
Traviata) Amore, Io no resisto de Roberto
Carlos Con te partiro
No se dorma de Puccini
Andrea
Bocelli chega pouco menos de
meia hora atrasado no salão Ipanema. É
um belo fim de manhã ensolarado no 26º
andar do Sheraton Rio Hotel & Towers -
Leblon. Ele se senta no lugar do meio
numa mesa posta de frente para os
jornalistas e câmeras de TV. No lado
esquerdo, estava Eugene Kohn, maestro.
No lado direito, a intérprete. Tanto
Bocelli quanto os jornalistas parecem
ansiosos, cada um por seus motivos.
O que os juntou foi a coletiva para
divulgar o show que o tenor dará neste
sábado, dia 18/04, no Arena HSBC. O
espetáculo, provindo de seu novo CD,
Incanto, terá regência de Kohn e
contará com o acompanhamento da
Orquestra Sinfônica do Paraná e do Coral
Nova Philarmônica.
Num roteiro sem muitas surpresas, a
coletiva pendeu para as impressões do
astro do Brasil e sua relação com a
música. Algumas perguntas, no entanto,
comentavam o fato de que o ingresso para
a apresentação carioca custará entre R$
100 e R$ 1.200, enquanto em São Paulo a
entrada será gratuita. "O problema não é
fazer um show gratuito ou não, mas dar a
possibilidade das pessoas ouvirem a
minha música é um prazer".
O tenor afirmou que sua inspiração para
cantar surge devido à obra de grandes
compositores, como Puccini. Outro
elemento que o auxilia em sua arte seria
a vida, os fatos de todo dia e da
natureza; o sol e o mar. Seu dom nasceu
com ele, mas, para aperfeiçoá-lo, treina
todos os dias. "Em alguns momentos,
treino de maneira enlouquecida." Para se
preparar para show, trabalha com seu
maestro na casa desse todos os dias.
Logo após, o maestro Kohn declarou sua
satisfação em voltar ao Brasil ao lado
de Andrea Bocelli, um cantor que ele
acredita que pode "fazer uma carreira
número um na história."
Bocelli, quando questionado sobre a nova
aceitação para seu gênero musical a
partir de seu trabalho, relatou que a
música clássica nasceu junto com a
popular, mas poucas pessoas puderam ter
acesso à primeira. "Os teatros são
pequenos e o ingresso é muito caro."
Bocelli fez elogios ao Rio de Janeiro
("um dos lugares mais bonitos do
mundo"), São Paulo e ao público
brasileiro, lembrado por ele como
"caloroso". Além de sua voz não falhar,
sua expectativa quanto ao show de amanhã
é a recepção da platéia. "Eu me lembro
de outro show que fiz aqui no Brasil e
reconheço que o brasileiro tem um
coração bravo." O cantor contou também
escutar Tom Jobim e Toquinho em casa.
Quando perguntado se já teve algum
arrependimento em sua carreira, revelou
que seria a não realização da ópera
Faust devido a uma greve da
orquestra. Sobre se teria algo que ainda
não fez como músico, mas gostaria, disse
que "Um artista deve ter vontade e
disposição para aprender novas canções."
A última pergunta foi sobre a inserção
da música no currículo obrigatório do
ensino básico brasileiro. "Na Itália, é
obrigatório desde que estudava. Não é um
estudo aprofundado, mas é uma ajuda."
Aos 50 anos, Bocelli é um fenômeno de
vendas, com mais de 65 milhões de discos
vendidos. Se para alguns ele é
responsável pela renovação de interesse
em música erudita, outros reprovam sua
transição entre estilos, como pop.