Descartes na ótica de Rossellini: a arte de saber
enxergar
02/04/2009
Telefilme é o melhor entre os retratos de
filósofos feitos pelo grande cineasta
Na série de lançamentos que a Versátil dedica a
Roberto Rossellini, na sua coleção do grande
diretor italiano, chega a vez de Descartes. O
filme foi feito para TV, em 1974, na sequência
de outros retratos de filósofos - Sócrates,
Blaise Pascal. Rossellini cansara-se do cinema -
que ajudara a revolucionar, com a
desdramatização do roteiro de Viagem na Itália,
inicialmente lançado, no Brasil, como Romance na
Itália -, vendo na televisão a possibilidade de
um novo começo. Sua ideia não era transmitir
mensagens, mas oferecer ao espectador uma série
de informações que deixassem o público livre
para pensar.
Com certeza, ele teria ficado alarmado se visse
hoje a TV como território de emburrecimento, por
meio de reality shows. Mas essa fase televisiva,
consolidada com A Tomada do Poder por Luís XIV,
em 1966, não se faz sem problemas. O retrato de
Sócrates é bem medíocre, o de Pascal é
cansativo. Descartes é bem mais interessante. No
original, chama-se Cartesius. Cartesianismo é
como se chama o sistema de pensamento do
filósofo, físico e geômetra francês René
Descartes (1596-1650).
O personagem é interpretado por Ugo Cardea e o
enfoque não é tão didático como em outros filmes
de Rossellini para TV. O próprio Descartes
ajuda. Ele dedicou sua vida à busca da verdade,
mas ele dizia que a verdade precisa ser
apreendida com humildade, e não necessariamente
nos livros. Tão ou mais importante do que ler,
segundo Descartes, é aprender a ver - era o que
Rossellini tentava fazer na TV, com a proposição
para o espectador de que o acompanhasse na
busca.
Ver torna-se essencial. Olhar as coisas, mas
todas as coisas são de Deus - Rossellini
realizara, 24 anos antes, Francisco, Arauto de
Deus, em 1950, dizendo exatamente isso.
Estudiosos da obra do autor reconhecem
Cartesius, ou Descartes, como a síntese da
teologia, segundo o cineasta, e aquele
neorrealismo que o teórico francês André Bazin
formulou com base na obra de Rossellini, em
filmes como Roma, Cidade Aberta e Paisà.