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A morte de Dino Risi, um dos reis da comédia italiana |
10/06/2008
Ele tinha 91 anos e fez clássicos como Aquele Que Sabe Viver, Os Monstros e o primeiro Perfume de Mulher, com Gassman Luiz Carlos Merten Há uma cena digna de Michelangelo Antonioni em Férias à Italiana, que Dino Risi realizou em 1966. Enrico Maria Salerno parte com a mulher para o mar, eles estão na areia, conversando, entre milhares de pessoas que também abandonaram Roma. A mulher pega a areia, que escorre pelos seus dedos, como numa ampulheta, e fala sobre o vazio da vida e a angústia do tempo. Não é exatamente uma cena que o espectador espere encontrar numa comédia, mas as comédias italianas são diferentes. As melhores, como as de Risi, são sempre tragicomédias.
Dino Risi morreu no sábado, em Roma. Estava muito idoso - 91 anos - e talvez tenha morrido de velhice. Não houve nenhum comunicado sobre a causa da morte. Seus últimos filmes para cinema datam de meados dos anos 90, mas ele ainda seguiu ativo na televisão - e veio ao Brasil para gravar, em Paraty, cenas de uma minissérie. Curiosamente, à medida que a estrela de Dino se eclipsava no cinema, subia a de seu filho Marco, diretor de alguns (bons) policiais à italiana. A família gostava de praticar o cinema de gêneros.
Nascido em 1917 e filho de médico, Dino Risi destinava-se à psiquiatria, mas mudou o rumo e decidiu psicanalizar o público no escurinho dos cinemas. Sua ferramenta - o humor. Se é verdade que de perto ninguém é normal, Dino foi além e fez uma comédia emblemática (entre muitas outras) - Os Monstros, de 1963, com Ugo Tognazzi e Vittorio Gassman, para refletir sobre o absurdo e o horror nas relações interpessoais e sociais. Ao contrário de outros grandes da comédia italiana - Mario Monicelli, autor de Parente É Serpente -, o humor de Dino Risi não privilegia a família como origem de infortúnios. A família é só uma base para a sociedade e Dino se interessava mais pela abrangência da segunda.
Assistente de Mario Soldati em Piccolo Mondo Antico e de Alberto Lattuada em Giacomo l''Idealista, em 1940 e 42, Dino Risi atravessou os anos do neo-realismo fazendo curtas. Um de seus primeiros filmes, o episódio de Amore in Città, ainda tem o pé no neo-realismo, mas com O Signo de Vênus e Pão, Amor e..., em 1955, ele se direcionou para a comédia. Em seu Dicionário de Cinema, Jean Tulard define Dino Risi como um epicurista sensível às belas mulheres e aos prazeres da vida. Sophia Loren, em princípio de carreira, estrelava os dois filmes citados e em Pobres Mas Belas e, depois, Pobres, Porém Famosas, entra em cena Marisa Allasio, outro monumento (hoje esquecido) da sexualidade italiana nos anos 50.
Risi chega ao ápice no começo dos anos 60, a partir de Uma Vida Difícil, com Alberto Sordi. Sua primeira obra-prima é de 1962 - Aquele Que Sabe Viver (Il Sorpasso), tão divertido quanto amargo na descrição de um comportamento social que só pode ser definido como alienado. O jovem Jean-Louis Trintignant embarca, com resultados trágicos, na viagem inconseqüente que lhe propõe o mais velho (e infantil) Vittorio Gassman. Nos anos seguintes, qual um Antonioni do humor, refletindo sobre a solidão e a incomunicabilidade pelo riso, Dino prossegue sua escalada de grandes filmes interpretados pelos maiores nomes das comédias italianas - além de Gassman, Tognazzi e Sordi, também Nino Manfredi e Marcello Mastroianni. O antifascismo dá o tom de La Marcia su Roma, de 1962, como de Os Telefones Brancos, de 1976. Um de seus maiores sucessos foi Perfume de Mulher, com Gassman, que teve refilmagem norte-americana, com direito a Oscar para Al Pacino. Em 1977, foi um dos diretores de Os Novos Monstros. O filme, testamento da comédia italiana, termina no enterro do comediante, quando o choro cede lugar às piadas e ao riso. Você pode começar chorando a morte de Dino Risi, mas vai terminar rindo ao se lembrar dos grandes momentos cômicos que ele criou.
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Estadão) Risi foi mestre da comédia social Cineasta italiano, diretor de "Perfume de Mulher" (1974), morreu no último sábado, aos 91 anos JOSÉ GERALDO COUTO COLUNISTA DA FOLHA
O cineasta italiano Dino Risi, morto anteontem em Roma aos 91 anos, foi um dos grandes nomes da comédia italiana de costumes, ao lado de Mario Monicelli e Pietro Germi. Trabalhando com Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi, Alberto Sordi, Sophia Loren, Monica Vitti e outros atores cômicos de primeira linha, deu ao mundo o humor crítico e amargo de filmes como "Pão, Amor e..." (1955), "Aquele que Sabe Viver" (1962), "Os Monstros" (1963), "Esse Crime Chamado Justiça" (1973) e "Perfume de Mulher" (1974). Médico psiquiatra que não seguiu a profissão, Risi se refugiou na Suíça durante a Segunda Guerra, onde estudou cinema com o diretor e ator franco-belga Jacques Feyder. Mas sua verdadeira escola, como a de todos os grandes diretores italianos do pós-guerra, foi o neo-realismo. Antes mesmo de realizar seus primeiros curtas, Risi trabalhou como assistente de direção de Alberto Lattuada em "Giacomo l'Idealista" (1942). Estreou na direção de longas em 1952 com "Vacanze col Gangster" (férias com o gângster) e logo nos anos seguintes encadeou dois sucessos estrelados pela dupla Sophia Loren-Vittorio De Sica: "O Signo de Vênus" e "Pão, Amor e...". O êxito de "Pobres, mas Belas" (1956) foi tão grande que gerou duas continuações com os mesmos personagens: "Pobres, porém Formosas" (1957) e "Pobres Milionários" (1959). Mas é em "Aquele que Sabe Viver" ("Il Sorpasso"), provavelmente sua obra-prima, que se encontra a quintessência do cinema de Risi: crítica social, humor corrosivo, compreensão profunda das fraquezas humanas e consciência melancólica da passagem do tempo.
Acidez Nesse personalíssimo "road movie", Roberto Mariani (Jean-Louis Trintignant), um comportado estudante de direito, viaja de carro pelo interior da Itália com o bon-vivant quarentão Bruno Cortona (Vittorio Gassman). Roberto fica fascinado com a experiência de vida e o jogo de cintura de Bruno, mas ao longo da viagem detecta nele também um profundo desencanto e um vazio assustador. Em certos momentos o cinema de Risi se politizou, enfatizando a dimensão da crítica social, como no ácido "Este Crime Chamado Justiça", que opõe os dois atores com quem ele se deu melhor, Gassman e Tognazzi, nos papéis respectivos de um empresário corruptor e um juiz incorruptível. Em "Perfume de Mulher", talvez o último grande sucesso internacional do cineasta, Gassman faz o papel do cínico militar cego que seria vivido por Al Pacino no "remake" americano do filme. Depois disso, a obra de Risi perdeu a força, participando do declínio geral do cinema italiano dos anos 80 e 90. Não por acaso, seus últimos trabalhos foram para a televisão.
(©
Folha de S. Paulo) | | | |
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