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Prosperidade de região dominada pela extrema-direita surpreende a Itália

Mulher passa ao lado de cartazes antiimigração da Liga Norte em Milão
 

O opulento Vêneto pede a Roma uma grande reforma fiscal

Miguel Mora
Em Treviso


"Em Treviso você pode comer no chão. Há ordem, está limpa, tudo funciona e os imigrantes estão bem integrados porque têm trabalho." Quem fala é Mario Moretti Polegato, multimilionário, fundador e presidente da Geox, empresa que fabrica os "sapatos que respiram", segunda marca mundial em calçados urbanos. Sua sede fica em Montebelluna, distrito de Treviso, região do Vêneto. Há apenas 30 anos este nordeste plano e fértil da Itália era um dos lugares mais agrícolas do país. Hoje é um de seus motores econômicos, um exemplo de dinamismo empresarial e um feudo da vociferante e bem-sucedida Liga Norte: 31% dos votos nas últimas eleições.

A província de Treviso é um microcosmo da Liga: há pleno emprego, seus 830 mil habitantes dividem 84 mil empresas, a maioria com menos de 20 empregados, muitas delas líderes em seu nicho: a província exporta sapatos, móveis, roupas, vinho, metais e outros bens no valor de 9,9 bilhões de euros anuais, e a renda per capita é de 25.241 euros (dados de 2006).

O segredo do sucesso da Liga na região surpreendeu inclusive a Itália, mas se inspira em razões simples: seus prefeitos são gente eficaz, autoritária e direta, homens apegados ao território, que têm o apoio de um tecido social baseado na empresa familiar, um reduto onde não existe luta de classes e os sindicatos não aparecem.

Muitos desses empresários vivem em antigas casas patrícias e trabalham em fábricas contíguas, com meia dúzia de parentes e três ou quatro imigrantes. A norma é suar, produzir, inovar, reinvestir e vender. "Aqui os patrões não usam terno e gravata, usam macacão e trabalham lado a lado com seus empregados; por isso os dois votam no mesmo partido", explica Giuseppe Bortolussi, secretário-geral da Associação de Artesãos e Pequenas Empresas (CGIA) de Mestre.

"Antes os vênetos éramos alvo de todas as piadas", conta sorrindo Ulderico Bernardi, historiador da Universidade de Treviso. Região de expatriados até os anos 1960, a transformação foi rápida e brusca, pela mão de uma nova classe de vênetos que Bernardi chama de os "mediermetálicos" (mistura de meeiros com operários), e que começou a abrir seus próprios negócios. A esquerda maculou essas empresas familiares chamando-as de "fábricas à sombra do campanário". Roma não fazia muito por elas, exceto deixá-las fazer: "O modelo foi criado pela Democracia Cristã", explica Bernardi, "que dava terrenos por baixo preço, e isso criou uma nova relação social: o patrão era tão operário quanto seus empregados. Isso, unido ao velho espírito veneziano de abertura, ao gosto pelo acúmulo de riqueza e o desejo de controlar o próprio destino, transformaram o Vêneto em uma sociedade moderna e avançada". Hoje na pequena "Catalunha italiana", muitos de seus 5 milhões de habitantes compartilham três reivindicações: fisco federal, imigração ordenada, melhores infra-estruturas. As três se resumem em um cartaz da Liga: "Roma ladrona".

Chove a cântaros no caminho de Treviso para Montebelluna, uma estrada nacional de pista única, uma piscina cheia de caminhões. Bortolussi, o secretário da CGIA, homem afável e pouco radical, defende a morte dos impostos federais e clama contra a casta política. "O Estado nada fez para melhorar a infra-estrutura", explica. "Aqui exportamos muito para a Alemanha. Pagam bem e são pontuais, mas exigem qualidade e pontualidade. Se você acaba o pedido e têm de enviar por uma estrada engarrafada e não chega, de quem é a culpa? Por isso é urgente o federalismo fiscal."

Bortolussi continua com uma metáfora: "Imagine dois grandes edifícios. Em um deles o porteiro é amável, as escadas estão limpas, a calefação funciona e os moradores pagam um condomínio razoável. No outro o porteiro não aparece, tudo está sujo, a calefação não funciona e o condomínio é mais alto. Então você, que vive no segundo edifício, protesta ao administrador: 'Por que pagamos mais se temos um serviço pior?' E ele: 'É que o morador do quinto andar não paga'." Segundo a parábola, o primeiro edifício representa a Alemanha ou a Espanha, "países virtuosos e federais", e o segundo a Itália. "Nós, italianos, pagamos mais impostos que ninguém; em troca, recebemos um serviço péssimo."

Em Montebelluna triunfa há muitos anos a oferta e a procura. A origem da riqueza foi o sucesso das botas de esqui nos anos 70. O líder do Distrito Sportsystem é a Geox. Fundada há 14 anos, sua história resume a da região: Mario Polegato era viticultor; um dia, passeando por Reno (EUA) enquanto vendia seu vinho, decidiu fazer dois buracos na sola de seus sapatos com uma faca para aliviar o calor. Ao voltar à Itália patenteou e desenvolveu essa idéia genial: hoje vende 21 milhões de pares de sapatos esburacados com alta tecnologia em 60 países.

A Geox elabora 80% de sua produção fora da Itália, sobretudo na Romênia e na Eslováquia. "Desde que o muro caiu o nordeste começou a deslocalizar. Inclusive as empresas médias. Foi a única maneira de evitar o fechamento", explica Bortolussi. "É nossa expansão natural, somos a porta central da Europa para o Leste", acrescenta Andrea Tomat, presidente provincial da patronal Confindustria.

As cidades romenas de Timisoara e Arad são as novas fronteiras do Vêneto. E a Romênia é o país que, paradoxalmente, sofre os maiores receios xenófobos na Itália. Segundo Polegato, se se cumprir a promessa da Liga e de Berlusconi e a Itália expulsar os imigrantes irregulares, o sistema viria abaixo: "A metade das empresas fecharia, porque muitas têm entre 30% e 40% de imigrantes". Na província de Treviso vivem 78 mil estrangeiros regulares. Muitos outros são ilegais e trabalham do mesmo modo.

Em todo caso, a realidade revela que a grita xenófoba da Liga é em boa medida parte de sua campanha de propaganda anti-Roma. "A Cáritas verificou que o lugar onde os imigrantes são mais integrados é aqui. O resto é puro teatro, temos uma veia dramática e gostamos de atuar", diz o professor Bernardi. "Nas cidades onde a Liga tem mais força existem os índices mais altos de participação e solidariedade."

Samira, uma senegalesa de 33 anos, cuida de uma idosa em um povoado próximo de Treviso. Vive aqui há oito anos e está contente, mas ainda é clandestina. "Faço mais de 25 horas semanais, mas a senhora não me contrata para não pagar os impostos, e sem isso não me dão a licença." Parece um problema menor nesta região opulenta e satisfeita consigo mesma, que em apenas 30 anos conseguiu transformar as hortas feudais em um campo de fábricas onde os reis são a ordem, a mais-valia, o tiramisú e a tecnologia de ponta. E a Liga, é claro.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

(© UOL Mídia Global/El País)


"Eu aplico o fascismo e o catolicismo", afirma "xerife" de Treviso

Miguel Mora
Em Treviso


Cordial, gritão e robusto, Giancarlo Gentilini enche seu escritório, que deve medir cerca de 50 metros quadrados. O prefeito mais fascista da Itália inicia aos 78 anos o quarto mandato como xerife de Treviso, uma cidade de 100 mil habitantes que lembra a Holanda: há bicicletas, canais, parques muito bem cuidados, ruas limpíssimas e se vêem muitos imigrantes. Tudo é tão organizado que dá medo atirar uma ponta de cigarro no chão. Em oito anos como prefeito e quatro de vice-prefeito, a política de tolerância de duplo zero de Gentilini se transformou em um modelo que inspira as idéias da Liga Norte e do Partido do Povo de Silvio Berlusconi sobre a imigração. "Eu fiz tudo aplicando os ensinamentos do fascismo e do catolicismo", ele diz.

El País - O senhor foi novamente eleito. Qual é seu segredo?
Giancarlo Gentilini -
Os cidadãos me querem. Sabem que a centro-esquerda fracassou e nessas condições a apatia é impossível. A mim interessa que a maioria silenciosa vote, já que não fala, mas julga.

EP - Foi a vitória da Liga ou de Berlusconi?
Gentilini -
Vencemos unidos, mas eu me apresentei com uma chapa pessoal. A soma da Liga e a lista de Gentilini conseguiu 35% dos votos. (Dá um tapa na mesa.) É a quarta vez que ganho! A primeira foi em 1994.

 
EXTREMA-DIREITA NO PODER
Detalhe de cartaz antiimigração da Liga Norte onde se lê: "Eles aceitaram a imigração e agora vivem em reservas"
EP - Creio que o senhor foi soldado...
Gentilini -
Sim, artilheiro. Passei todas as desgraças da guerra e o fascismo me ensinou ordem e disciplina, que é o que apliquei em meu mandato. Vivi a ocupação nazista, a libertação, fui vendedor de frutas e de peixe, soldado e depois advogado. Em 1994, já aposentado, me perguntaram se queria ser prefeito de Treviso; comecei a rir, mas venci os colossos de aço, bronze e ferro.

EP - Como era Treviso então?
Gentilini -
Estava morta, desconhecida, suja, escura, sem cultura. Agora é conhecida em todo o mundo.

EP - Graças ao xerife.
Gentilini -
Apliquei o Evangelho segundo Gentilini: tolerância duplo zero e respeito às leis. Em três meses desapareceram os lavadores de carros e os mendigos, e em um ano expulsamos os falsos vendedores ambulantes. Aqui não temos esses personagens que proliferam em Veneza, Pádua ou Vicenza.

EP - Quantos imigrantes vivem aqui?
Gentilini -
Cerca de 4 mil. Nós os integramos bem. A imigração é uma riqueza, mas é preciso exigir os mesmos requisitos que pediam a nós: identidade, trabalho, porque não é possível estar no parque com o celular às 11 da manhã sem fazer nada, carteira de saúde e um atestado de antecedentes limpo. Por exigir isso me chamaram de racista, disseram que era igual a Hitler e Mussolini. Por que então me elegeram pela quarta vez? São infâmias dos jornais e das televisões.

EP - Tratar os imigrantes assim não é xenofobia?
Gentilini -
Eu não sou xenófobo, mas odeio os traficantes, as prostitutas, o comércio de armas. E não posso tolerar os ciganos, de fato destruí dois acampamentos nômades porque eram um refúgio de gente que roubava noite e dia. Não posso consentir que meninos ciganos de 6 ou 7 anos roubem nossos idosos. Treviso é um oásis e todos querem viver aqui. Estou orgulhoso disso. Minhas mensagens são aplicadas agora por outros prefeitos, inclusive de esquerda. Mas esses são apenas xerifinhos. O xerife da Itália sou eu.

EP - Fez inclusive uma "limpeza étnica de homossexuais".
Gentilini -
Foi um fato localizado. Diante do hospital há um grande estacionamento e alguns moradores vieram me dizer que ali havia homens e mulheres que se prostituíam de madrugada. As pessoas estavam aterrorizadas. Pedi à comandante da polícia municipal para investigar, me disse que na verdade ali havia homossexuais, lésbicas e outras espécies dessa categoria. Eu disse que em três dias queria esse lugar liberado, os prendemos, identificamos e fizemos a limpeza. Disseram que sou homófobo, mas não é verdade. Cada um é árbitro de seu próprio corpo, sou inclusive a favor da prostituição livre, mas as efusões amorosas não podem se realizar nos espaços municipais. Em clubes e casas, que façam o que quiserem, mas sem penalizar os cidadãos. Me compararam às leis raciais de Hitler. Mais um ardil para vender jornais.

EP - Mas o senhor continua sendo fascista.
Gentilini -
Fui educado na mística fascista e apliquei esses ensinamentos. O amor à bandeira, às leis e ao próximo. Depois consolidei essas teorias com nove anos no colégio San Pio XI. E também apliquei as leis do catolicismo.

EP - Em que sentido?
Gentilini -
Aplicando a religião de Estado. Por exemplo, eliminando as tentativas de construir mesquitas, porque são lugares de encontro e refúgio de gente que não se sabe sua identidade nem de onde vem. É inútil que me digam que uma mesquita é como uma igreja, porque sabemos que o islã persegue a eliminação do infiel, enquanto o cristianismo se inspira no perdão e na conversão.

EP - Em resumo, o senhor não gosta de integração.
Gentilini -
A integração deve vir de baixo, e não de cima. Nos EUA também não é perfeita e estão tentando há anos. O problema é que as populações famintas do mundo não controlam a procriação, e têm massas que nascem e depois bebem e comem. Haverá uma revolução. Essas massas virão, nossos filhos e netos verão. Mas hoje o momento histórico é muito favorável. Treviso e Vicenza são as províncias que puxam a economia nacional, temos obras até o infinito, correm rios de dinheiro, já há 60 ou 70 bancos e trabalho para todos. Um banco espanhol acaba de abrir uma sucursal aqui. "Arriba España!" (Risos)

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

(© UOL Mídia Global/El País)

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