Jean-Jacques Bozonnet
Enviado especial a San Giovanni Rotondo, Itália
À direita de quem entra no santuário, um Padre Pio de bronze está à espera dos peregrinos. Todos eles interrompem a sua progressão e ficam parados diante da estátua de dimensões reais. Sem se mexerem, eles resmungam algumas orações e então, tocam de leve, com a ponta dos dedos, a mão estendida do santo, cujo metal acabou perdendo as suas cores de tantas carícias devotas. Eles dão mais alguns passos, descem os degraus de uma escada, e lá está a cripta onde o monge capuchinho foi enterrado após a sua morte, em 23 de setembro de 1968. Contudo, daqui para frente, não é mais diante do seu túmulo que eles irão se recolher para orar, mas sim diante do "verdadeiro" Padre Pio, e isso, por um período de vários meses.
Esta foi a decisão tomada pelos irmãos capuchinhos que administram o santuário de San Giovanni Rotondo, no norte de Puglia: os restos mortais do santo, que foram exumados durante a noite de 2 a 3 de março, "serão expostos à veneração pública", ao menos até novembro. O evento tem uma importância considerável. A "reaparição" do mais amado dos santos da Itália deverá aumentar ainda mais os fluxos dos fiéis que convergem para esta pequena cidade de 27.000 habitantes, um local de peregrinações que revela ser mais freqüentado do que Lourdes, com 7 a 8 milhões de visitantes por ano.
Mais de 750.000 reservas já foram efetuadas junto ao centro de atendimento. São fiéis oriundos, sobretudo, da Sicília, do Mezzogiorno (região sul da Itália), mas muitos deles também são do exterior, em particular da América do Norte. "O nosso centro está lotado até o mês de junho", já informaram os responsáveis do convento dos frades capuchinhos. Os que não reservaram os seus ingressos poderão, ainda assim, se recolher diante do corpo de Padre Pio, todos os dias das 8h às 20h, mas eles terão de se submeter a entrarem em filas de espera intermináveis.
A previsão era de que mais de 15.000 pessoas iriam comparecer, na quinta-feira, 24 de abril, para a abertura oficial da peregrinação. Depois de uma missa, a ser celebrada no adro da igreja que foi projetada pelo arquiteto Renzo Piano e construída em 2000, sendo inteiramente financiada pelas doações dos peregrinos, a romaria deveria começar na parte da tarde, em frente à relíquia.
"Se o ritmo das visitações se mantiver em 600 pessoas por hora, a igreja deverá sem dúvida permanecer aberta durante a noite inteira", calculava Giuseppe Mumolo, o comandante da polícia municipal, quando faltavam algumas horas para o evento começar. Trata-se de uma derradeira operação de grande envergadura antes da aposentadoria para este veterano que encarou todos os "surtos" de paixonite que tomaram conta de San Giovanni Rotondo desde os anos 1960: os funerais do padre capuchinho, a visita de João Paulo 2º em 1987, as cerimônias depois da beatificação em 1999, aquelas que se seguiram à canonização em 2002, etc. As metamorfoses pelas quais a sua cidade passou ainda o deixam espantado: "Agora, com os letreiros luminosos dos hotéis e dos restaurantes que ficam acesos durante a noite, a gente tem a impressão de estar em Monte Carlo", diz.
Outros se atrevem a fazer comparações com Las Vegas. O desenvolvimento e a prosperidade da cidade despontam como o milagre mais concreto de Padre Pio. San Giovanni Rotondo não passava de um vilarejo miserável, situado no meio de um deserto de cascalhos, quando o jovem padre, nativo de Pietrelcina, na região napolitana, se instalou no convento. Dois anos mais tarde, em 20 de setembro de 1918, "um personagem cujos pés e as mãos estavam ensangüentados" aparece diante dele, no momento em que ele está em êxtase diante de um crucifixo. As mãos e os pés, além do flanco do jovem padre, começam então a sangrar, nos mesmos pontos que o corpo do Cristo. A partir da primavera de 1919, os primeiros peregrinos afluem para ver "o frade dos estigmas".
A sua afluência nunca será interrompida. Em contrapartida, depois de terem sangrado do modo permanente ao longo da sua vida, as chagas do estigmatizado acabaram se estancando, até desaparecerem com o seu último sopro de vida. Nenhum sinal dessas feridas tampouco foi visto por ocasião da abertura do caixão, no início de março: "As suas mãos são tão lisas que elas parecem ter sido tratadas há pouco tempo pela manicure", comentou encantado Dom Domenico D'Ambrosio, o arcebispo local. De fato, "o estado de conservação dos despojos não está perfeito, em particular a cabeça", precisa Stefano Campanella, o porta-voz dos frades capuchinhos.
Até o derradeiro momento, uma equipe de especialistas tomou as providências necessárias para "garantir a melhor conservação possível das relíquias". Durante a operação eles debateram longamente sobre a possibilidade de cobrir o rosto com uma máscara de cera, de modo que a sua aparência não choque as almas sensíveis. Todos os fiéis têm na memória o rosto redondo e barbudo de Padre Pio, cuja foto está dependurada nas paredes da maior parte das lojas, dos restaurantes e dos lares italianos. Por que perverter esta representação, protestam alguns? O escritor Claudio Magris condenou de maneira contundente, em artigo publicado no diário "Il Corriere della Sera", "o fetichismo supersticioso de uma exposição macabra".
Nem todos os católicos estão encantados com a operação, longe disso. Uma associação - chamada Pro Padre Pio - O homem do sofrimento - considera que se trata de "atos sacrílegos". Ela deu queixa na justiça contra o arcebispo de San Giovanni Rotondo, por "violação de sepultura". Um Comitê em prol da Manutenção de Padre Pio em seu Túmulo diz estar com medo do "mau olhado": "Alguma coisa muito feia está prestes a acontecer", profetizam os seus integrantes num comunicado. Os que se opõem à exposição das relíquias temem também que a operação seja apenas a primeira etapa de um plano que visaria a deslocar os despojos do santo frade, do santuário de origem para a igreja ultramoderna de Renzo Piano. Os monges desmentiram todo projeto de transferência. Stefano Campanella lembra que "a origem do culto das relíquias remonta aos primeiros séculos da Igreja". Todos os procedimentos foram efetuados "dentro das normas canônicas", explica, e também com a autorização do Vaticano.
A presença, na quinta-feira, em San Giovanni Rotondo, do cardeal José Saraiva Martins, o prefeito da Congregação para as causas dos santos, prova que já vai longe o tempo em que o Santo Ofício enviava seus inspetores, espécies de barnabés espiões do Vaticano, para acompanharem de perto as atividades de Padre Pio. Estes que tinham por missão proceder a inquéritos a seu respeito e vigiá-lo, chegaram a ponto de colocar microfones ocultos dentro do seu confessionário. Antes de estar em odor de santidade, este monge barbudo cheirava a enxofre. Era considerado como popular demais, ostentoso demais. A sua aura ofuscava e deixava os brios de muitos na sombra. Durante os anos 1930, ele foi proibido de celebrar a missa, de confessar e até mesmo de pôr os pés no coro de uma igreja. Ainda no início dos anos 1960, um investigador concluiu seu relatório, conclamando as autoridades a "salvarem a Igreja de uma espécie de fanatismo". Com isso, as atividades do futuro santo acabaram esbarrando novamente em obstáculos.
Foi preciso esperar até a morte de Padre Pio para que a Congregação para a doutrina da fé, que sucedera ao Santo Ofício, reconhecesse o caráter sobrenatural dos estigmas do frade, os quais eram considerados até então como um "caso de auto-sugestão". O historiador Sergio Luzzatto ressuscitou as suspeitas, em setembro de 2007, revelando num livro que Padre Pio utilizava substâncias químicas para tornar os estigmas mais aparentes. Mais de 3.000 livros, em sua maioria, essencialmente hagiográficos, teriam sido escritos a respeito do padre capuchinho. É verdade que ele mostrava um grande empenho no exercício das suas funções e nunca fazia as coisas pela metade, colocando paralíticos para andarem ou devolvendo a visão a cegos. Os testemunhos da sua ubiqüidade são inúmeros. Alguns chegaram a ouvi-lo expressar-se perfeitamente em línguas ou dialetos que lhe eram desconhecidos. Em determinados momentos, ele chegava a levitar. Nessas ocasiões, os seus pés podiam ficar suspensos a 30 centímetros acima do chão. Ele era capaz de ler pensamentos, de adivinhar o futuro, etc.
Entre outros, o santo homem havia previsto, e aceito, a enorme afluência dos mercadores de objetos de piedade que atualmente disputam espaços em volta do seu santuário. "Eles também são filhos de Deus e precisam viver", dizia ele aos frades que se queixavam deste estado de sítio mercantil.
Eles vendem cartões-postais, imagens santas, medalhões, chaveiros, estatuetas, pôsteres, conjuntos de louças para café, bonés e camisetas com a imagem do santo: Padre Pio é um business. E este alimenta a população de San Giovanni Rotondo. A comuna constitui um oásis de quase-pleno emprego numa região onde a taxa de desemprego costuma ter dois dígitos. Na frente do santuário, o hospital que foi fundado nos anos 1950 por Padre Pio, e que é administrado atualmente pelo Vaticano, é o principal empregador da cidade, com 2.500 assalariados. E ele é reputado pela qualidade dos seus tratamentos: "Alguns pacientes vêm do exterior, e até mesmo do Norte da Itália para se tratarem aqui", comemora orgulhosamente Loredana, no escritório das admissões.
Contudo, nem tudo está funcionando às mil maravilhas em "Padre Pio City", a cidade dos 140 hotéis. Os habitantes acreditaram no milagre em 2000; hoje, eles se arrependem disso amargamente. Diante da perspectiva do Jubileu, eles investiram cegamente nas estruturas de hospedagem, que surgiram por todos os lados como champignons. "A capacidade hoteleira passou de uma só vez de 2.200 leitos para mais de 8.000", explica Franco Fini, o responsável da associação dos hoteleiros. "Ela praticamente quadruplicou enquanto o número dos peregrinos não aumenta mais do que 10% por ano". Alguns foram forçados a fechar seu estabelecimento, enquanto a maioria enfrenta problemas para tocar o seu negócio.
Nicola Canistro, o proprietário do Hotel das Planícies, lamenta ter duplicado a capacidade do seu estabelecimento: "O Jubileu foi um grande fracasso de vendas, e nós estamos sentindo os efeitos disso até hoje", diz. "O excesso de capacidade exacerbou a concorrência e promoveu o surgimento de uma guerra dos preços". Geralmente, as pessoas que vão visitar a relíquia de Padre Pio costumam permanecer por apenas um dia na cidade. O seu percurso se limita a idas e voltas entre o grande estacionamento dos ônibus e o santuário. "Nós nada fizemos no sentido de rentabilizar melhor este turismo religioso", lamenta Paolo, o dono do Bar dos Olmos, no centro da cidade. Não há uma estrutura sequer para acolher os congressos. Tampouco foi previsto implantar uma oferta turística complementar, apesar de existirem tesouros arqueológicos, culturais e esportivos na região do Gargano. Então, só resta apelar para mais um milagre do Padre Pio, ainda e sempre. A repercussão pela mídia da exposição do seu corpo, por ocasião do 40º aniversário da sua morte, constitui "uma jogada publicitária bem-vinda", reconhece Franco Fini.
Os frades capuchinhos rejeitam as insinuações dos seus detratores que denunciam "uma operação de marketing". No entanto, em volta do santuário de Santa Maria das Graças, os eventos se sucedem de maneira ininterrupta. Ninguém quer perder uma comemoração sequer. Em 2007, foi celebrado o 20º aniversário da vinda de João Paulo 2º. Aqui, a presença de um papa na casa de Padre Pio é um evento e tanto. Alguns meses atrás, Bento 16 prometeu que ele também faria uma visita. Nos hotéis, todos aguardam ansiosamente uma confirmação disso.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
Corpo do padre Pio, um dos santos mais venerados - e polêmicos - na Itália será exposto por seis meses. Foto: Comune San Giovanni Rotondo
Um dos santos mais venerados na Itália, o padre Pio de Pietrelcina, está com o seu corpo exposto, desde a última quinta-feira (24), na igreja de Santa Maria das Graças, em San Giovani Rotondo. A exposição faz parte das comemorações dos 40 anos da morte do religioso que ficou conhecido como estigmatizado, em razão de chagas que possuía em seu corpo, a exemplo dos ferimentos causados em Jesus Cristo na crucificação. Mesmo desaparecendo após a sua morte, as feridas consolidaram a fé popular no santo.
O corpo, que tem suscitado polêmica em razão do seu estado de conservação – há informações contraditórias a esse respeito – ficará exposto em uma urna de cristal. Às 11h, horário local, foi rezada uma missa e, em seguida, iniciada a visitação ao corpo do padre que foi canonizado em 2002, pelo Papa João Paulo II.
O padre Pio morreu em 1968, aos 81 anos, e apesar do clamor popular, sua canonização demorou porque surgiram muitos questionamentos, principalmente a respeito das chagas que, segundo um historiador italiano, teriam sido feitas por ele próprio, para motivar os fiéis.
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