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Filhinhos da mamma: trintões italianos têm dificuldade de deixar a casa dos pais

 

Marion Van Renterghem/Le Monde
Enviada especial a Nápoles, Itália


A Via Manzoni, em Nápoles, tem o dom de provocar piscadelas zombeteiras dos moradores. O lugar ganhou até mesmo um apelido: "Il parco dell'amore" (o parque do amor). Dia e noite, nesta ampla estrada cavada no paredão rochoso que paira acima da orla, incontáveis carros estacionam entre os pinheiros, dos dois lados da calçada. Os vidros estão encobertos com papel jornal. Vendedores ambulantes oferecem por algumas dezenas de centavos jornais velhos àqueles que teriam se esquecido de trazer estes instrumentos indispensáveis para a preservação da sua intimidade. Isso porque, na Via Manzoni só estacionam os casais apaixonados que não dispõem de nenhum "ninho" aconchegante para ocultarem a sua intimidade. E principalmente aqueles menos endinheirados dentre os "bamboccioni", esses bebês atrasados que, aos 30, 40 anos ou mais, ainda moram na casa dos seus pais. A palavra vem de "bamboccione", que significa "nenezão", "molecão", "bobalhão".

Na França, eles são conhecidos sob o nome de "Tanguy", desde o filme de Etienne Chatiliez (2001) cujo herói é um homem jovem chamado Tanguy, dono de uma cultura literária sofisticada. Ele é o filho único de pais abastados de gostos tradicionais e conservadores e que revelam ser pessoas extremamente irritantes. Ainda assim, Tanguy prefere o conforto do domicílio dos pais aos inconvenientes práticos da vida adulta. Tanto na Itália como na Espanha, onde o apego tradicional à família acaba sendo reforçado por uma conjuntura econômica difícil, essas crianças "atrasadas" passaram a ser representativas de um fenômeno de sociedade. "Vocês estão querendo dizer: um flagelo", acrescenta com ar brincalhão a demógrafa Rossella Palomba, do Instituto Italiano de Pesquisas sobre a População (IRPPS).

O sentimento de exasperação em relação a esses bamboccioni, que vêm ocupando cada vez mais espaço, se tornou uma questão de Estado. Em outubro de 2007, o ministro da economia, Tommaso Padoa-Schioppa, atreveu-se a se referir a eles com um desdenho oficial. Ele se referia a um projeto de redução de encargos fiscais em favor dos jovens inquilinos de um apartamento: uma medida destinada a ajudar esses trintões que "permanecem com os seus pais, não se casam e nunca se tornam autônomos. "Vamos expulsar os bamboccioni da casa dos seus pais!", declarou o ministro perante o Parlamento.

Mamma mia! O comentário desencadeou uma tempestade. Há muito tempo, os italianos haviam se acostumado a tratar na brincadeira os seus "mammoni" (filhinhos da mamãe), puros produtos de uma sociedade dominada pela autoridade da mamma. Para encarná-los, eles tinham até mesmo um ator cômico fetiche, Alberto Sordi, cuja célebre réplica em "Os Boas Vidas ("I Vitelloni"), de Federico Fellini, "A'ma, não chore, eu nunca a abandonarei".

Até o dia em que um ministro, de repente, começou a falar de maneira arrogante desses bamboccioni, um diminutivo pejorativo. Nas telas de televisão, na primeira página dos jornais, um sem número de pessoas arriscou-se a dar a sua opinião. Para acusar esses adultos imaturos ou, pelo contrário, para desculpá-los. As vaias eram dirigidas contra os pais ou contra um Estado em crise, onde as crianças não mais dispõem dos meios econômicos para se emancipar! Fabrizio Sinopoli, 33 anos, que segue morando na casa dos seus pais por necessidade, se manifestou com indignação em seu blog disparando para todos os lados. Diante dos fatos, alguns publicitários farejaram uma nova tendência da sociedade: hoje, os muros de Roma estão cobertos por cartazes gigantes com um foto na qual posa um trintão, deitado displicentemente num sofá Confalone.

Em seu apartamento moderno com terraço e uma vista espetacular da baía de Nápoles, os Demarco comentam o fenômeno com um ar interessado. Estão ali Marco, o pai, Ornella, a mãe. E Daniele, o filho, 29 anos. É uma família da classe média alta. Marco dirige o jornal diário regional "Corriere del Mezzogiorno"; Ornella trabalha no centro administrativo da universidade. Eles ganham mais de 10.000 euros mensais (cerca de R$ 27.000) com os seus dois salários. E nada de Daniele deixar o lar familiar. Ele prefere "assumir estar morando na casa dos seus pais a fazer com que eles lhe paguem um flat, o que seria uma atitude imatura". Beneficiário de uma bolsa de estudos em filosofia (800 euros - em torno de R$ 2.150 - por mês), ele está concluindo o seu doutorado e preparando um mestrado de jornalismo. Ou seja, ele vem acumulando os diplomas com a esperança de descolar um bom emprego... Só que este nunca aparece. "Quase todos os meus amigos moram na casa dos seus pais", constata Daniele, muito calmamente. "Enquanto você não encontra um verdadeiro emprego, não há como fazer de outra forma".

Marco e Ornella estão preocupados com a situação. Esses ex-estudantes da geração de Maio de 68, uma categoria na qual se inclui uma boa parte dos pais de bamboccioni, acabaram culpabilizando a si mesmos. "Nós havíamos sido vítimas do autoritarismo 'à antiga' dos nossos pais", analisa Ornella. "Agora, nós passamos a ser vítimas do autoritarismo dos nossos filhos, que esperam tudo de nós". "Durante os anos 1970", prossegue Marco, "o fato de ser um bamboccione teria sido percebido como uma condição de pequeno-burguês; em caso algum esta pessoa seria vista como um aventureiro, um revolucionário ou alguém revoltado. Os bamboccioni de hoje não são nem de esquerda nem de direita: a rebelião contra a família deixou de existir. Por que eles iriam querer ir embora, enquanto eles têm tudo aquilo de que precisam na casa dos seus pais, as compras de supermercado, alguém para limpar a casa para eles, lavar e passar a sua roupa, uma namorada, além de uma mesada para o lazer?"

Educadamente, Daniele manifesta sinais de impaciência enquanto aguarda a sua vez para falar. "Eu tento explicar para o meu pai que aos 18 anos, ele já estava integrado numa estrutura de trabalho. No meu caso, para trabalhar, eu preciso ter 30 anos, além de diplomas".

Marco: "É fato também que você mantém até hoje a exigência de manter o nível de vida elevado que lhe foi dado pelo meio no qual você vive. Nunca passou pela sua mente a idéia de viver de modo não tão confortável. Quanto mais você estuda, quanto menos você aceita pequenos trabalhos provisórios. No mundo moderno, globalizado, a força protetora da tradição familiar torna-se um obstáculo a ser superado". Daniele suspira de maneira afetuosa.

Marisa e Angelo não enfrentam os mesmos problemas. Ela tem 42 anos, e ele, "mais de 35", conforme diz, aparentando um constrangimento repentino. Ela é professora de curso primário, ele dirige filmes que vende com dificuldades. Eles formam um casal já faz seis anos, mas vivem separadamente por falta de condições para constituírem o seu lar, cada um vivendo na casa dos seus pais aposentados. O pai de Angelo era um operário numa fábrica de tecidos, enquanto o de Marisa era agente hospitalar, ao passo que as mães não trabalhavam.

Marisa e Angelo conhecem bem a Via Manzoni e a situação dos vidros do carro cobertos com jornal. Lá onde eles moram, na periferia de Pompéia, há uma rua equivalente. "É muito difícil chegar até lá, de tanto que a área fica engarrafada", comenta Marisa com tristeza. Ela sonha em casar-se com Angelo e deixar a casa da família. Mas Angelo não tem como se sustentar sozinho financeiramente, enquanto ela, com os 1.100 euros (cerca de R$ 3.000) que ganha por mês, passa o seu tempo fazendo contas. Angelo a apresentou aos seus pais, e ela aos dela. "Para os meus pais, está fora de cogitação que ele durma na minha casa, ou eu na dele". De vez em quando, eles dão uma escapulida no fim de semana.

Os bamboccioni estão por todo lugar e em todos os meios, nas cidades e nas aldeias. Tanto no Mezzogiorno (região sul) empobrecido quanto nas ricas províncias do norte. Inicialmente, a demógrafa Rossella Palomba havia se mostrado espantada diante da seguinte constatação estatística: em 1987, 46,8% dos italianos entre 20 e 34 anos viviam na casa dos seus pais. Em 1995, a proporção era de 52,3%. Atualmente, ela é de 69,7%. "Trata-se de um crescimento fenomenal", comenta. Em 1999, ao concluir um ano de pesquisa junto a 1.000 pais e 4.500 filhos de 24 a 34 anos, ela redigiu um relatório.

A explicação mais evidente para esta tendência é econômica. Segundo o Instituto Italiano de Estatísticas (Istat), dois terços das pessoas ativas de menos de 30 anos que vivem na casa dos seus pais ganham menos de 1.000 euros (cerca de R$ 2.700) por mês. Em primeiro lugar, os bamboccioni são as vítimas do "declínio" italiano, da precariedade do emprego e do custo dos aluguéis. Mais do que nunca, a família constitui um amortecedor social.

Contudo, a novidade do fenômeno está no fato de ele estar se produzindo nos meios abastados. Segundo Rossella Palomba, o surgimento de um número cada vez maior de "bebezões", curiosamente pouco tem a ver com a crise econômica. Dos 4.500 filhos que foram recenseados na sua pesquisa, 80% têm um emprego de duração determinada e são corretamente remunerados. Mas eles consideram ainda assim que os seus ganhos são insuficientes: "As suas exigências estão vinculadas ao nível de vida dos seus pais", comenta a pesquisadora. "Eles não suportam o fato de terem de rever para baixo o seu modo de vida". A isso, deve ser acrescentada uma tradição bem italiana: "O único motivo verdadeiro e legítimo para deixar o domicílio dos pais é o fato de casar-se. Ora, a idade média do casamento foi postergada de maneira considerável na Itália: de 28 anos no final dos anos 1990, ela passou para 30 anos atualmente. Trata-se de um círculo vicioso: quanto mais eles ficam na casa da mamma, mais tarde eles se casam. E por mais tempo eles ficam".

É assim que Renata Giordano está definhando, num desses apartamentos da grande burguesia napolitana de esplendor decaído, onde as paredes decoradas com quadros de mestres estão amarelando. Aos 36 anos, ela mora na casa da sua mãe idosa, que anda de cadeira de rodas. Quando o seu pai ainda era vivo, ela já era uma bambocciona em tempo integral, uma estudante a perpetuidade, sustentada com casa, comida e roupa lavada pela sua rica família.

O sistema universitário italiano não ajuda os bamboccioni a se emanciparem. Os diplomas não podem ser obtidos com um número limitado de anos de estudos, mas sim, apenas passando cerca de trinta exames, cujos créditos podem ser acumulados sem limite de tempo nem de idade. Só faltam dois a Renata para que ela consiga obter o seu mestrado de biologia molecular.

De repente, quatro anos atrás, Renata acordou para a sua situação. Ela estava sofrendo de uma overdose de convivência com os seus pais no domicílio. Ela começou a trabalhar duro, a acumular os exames. Mas era tarde demais. A sua mãe, deficiente física, vem lançando mão de todas as artimanhas afetivas para não mais deixá-la ir embora. Ela não consegue imaginar o que fazer para conseguir ganhar 3.000 euros (mais de R$ 8.000) para viver "mais ou menos do que jeito que estou acostumada" e conseguir bancar o aluguel de um apartamento de 50 m2 (800 euros - R$ 2.150). "Eu sou prisioneira", diz Renata, com uma voz falsamente alegre. "A prisão é criada por esta maldita mentalidade italiana. Principalmente aqui, em Nápoles, no Mezzogiorno. Os pais sempre dão um jeito para manter você por perto, na sua casa. Você nem sabe ao certo como isso veio a acontecer, e acaba se encontrando ali, na casa deles, aos 36 anos".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

(© UOL Mídia Global)

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