Obras obstruem o
aqueduto romano que alimenta a célebre fonte em Roma
María-Paz López
Em Roma
A famosa fonte romana onde Anita Ekberg tomou um banho noturno diante dos olhos
assombrados de Marcello Mastroianni parece próxima de uma crise aqüífera. A
Fontana di Trevi - cenário, em 1960, da famosa seqüência de "La Dolce Vita", de
Federico Fellini - apresenta ultimamente o aspecto de sempre aos turistas que
nela atiram moedas na esperança de voltar à Cidade Eterna, só que a água é
sempre a mesma: é reciclada num circuito fechado que, no máximo, pode suportar
mais alguns dias. O motivo: um incidente rocambolesco, que deixa desorientados
os técnicos da Acea, a companhia municipal de águas, interrompeu o abastecimento
de água pura, cristalina, límpida que alimenta a fonte há mais de dois séculos.
Para avaliar a seca absurda em
que poderá se precipitar a Fontana di Trevi, é preciso dar uma olhada nas
profundezas da história. Na Roma imperial havia 11 aquedutos que abasteciam a
urbe, dos quais só um era subterrâneo, o chamado Acqua Vergine (água virgem),
pela pureza de seu líquido elemento.
Ser subterrâneo o salvou da triste sorte de seus dez companheiros, rigorosamente
destruídos pelos bárbaros, e dos quais surgem destroços aqui e ali, fotografados
com paixão pelos visitantes. O aqueduto da Acqua Vergine - cujo manancial foi
encontrado em 19 a.C. - levava água ao Campo de Marte, e na metade do século 15,
em plena Roma dos papas, começou a abastecer o bairro Trivio, hoje Trevi. Ali
foi inaugurada em 1762 a Fontana di Trevi, alimentada pelas águas virgens desse
aqueduto subterrâneo. Nesses séculos, os papas sofriam uma autêntica carência
pelas fontes - a de Trevi foi construída por obra e graça de Urbano VII, projeto
que herdou de Clemente XII - assim como pelos obeliscos egípcios, outra mania
pontifícia.
Quando, em 3 de junho passado, técnicos da Acea perceberam que a água não
chegava à Fontana di Trevi, nem às próximas e centrais fontes do Panteão e da
Piazza Colonna, justamente em frente à presidência do governo, pensaram em uma
avaria ou um desabamento no antigo aqueduto, que tem 22 quilômetros de extensão.
Uma vez localizado o ponto onde a água perdia pressão, numa rua do exclusivo
bairro de Parioli, em 7 de junho enviaram uma câmera robótica sob a terra para
explorar e descobriram uma bonita parede de concreto de alguns metros de altura
e cinco de largura. Alguém havia obturado o aqueduto com um tampão.
A origem da infelicidade se encontrava na superfície, em Villa Faranda, uma
chácara de propriedade de dois empresários de supermercados que faziam obras
para construir um estacionamento subterrâneo com a devida autorização da
Superintendência de Bens Arqueológicos. Os irmãos Antonio e Massimiliano Faranda
- hoje na mira da prefeitura romana, indignada pelo dano causado ao patrimônio
artístico, sem contar o possível prejuízo turístico - tinham permissão para
escavar quatro metros, e seus operários perfuraram até cerca de 20 metros de
profundidade. No caminho, encontraram o aqueduto, que acabou concretado.
Consertar a situação não será tarefa fácil, por mais que os compungidos irmãos
Faranda tenham interrompido as obras e prometam uma rápida colaboração. A água
que jorra e volta a jorrar na Fontana di Trevi deverá ser trocada em breve, e os
técnicos da Acea calculam que poderão levar cerca de 45 dias para encontrar uma
solução para desimpedir o aqueduto. Talvez acabem recorrendo a água potável
canalizada, mas isso atentaria contra a história e a tradição da cidade, que em
matéria de fontes sempre utilizou a água mais pura.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
UOL Mídia Global)
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