Entre os destaques da mostra, o conjunto do brasileiro
Iran do Espírito Santo e as favelas dos meninos do Morrinho
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
"Pense com os sentidos, sinta com a mente", a principal seção da 52ª. Bienal de
Veneza, com curadoria do norte-americano Robert Storr, é uma mostra que busca
agradar a todo tipo de público.
Sem tomar uma posição clara frente às diversas vertentes da produção atual, o
que até poderia ser uma positiva afirmação da diversidade, o curador acabou por
conceber uma exposição sem riscos e um tanto esquizofrênica na ocupação dos
espaços.
No Arsenale, um galpão agigantado e fora dos padrões do tradicional cubo branco,
estão os trabalhos mais experimentais e políticos, grande parte deles bastante
relacionados às obras da última Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", como as
cercas de arame farpado em formato circular do argelino Adel Abdessemed.
Nessa seção, Storr defende uma arte que não se omite das relações com o
contexto, mas que muitas vezes é ilustrativa demais em relação a ele, como
"Bouncing Skull", do italiano Paolo Canevari, vídeo de um garoto fazendo
embaixadas com uma caveira no quartel do Exército iugoslavo na bombardeada
Belgrado, em 1999.
Nem todas as obras são tão óbvias, caso da instalação
"Tijuanatangierchandelier", de Jason Roades, que, com neons e tapetes instalados
de forma caótica, cria um acolhedor ambiente numa referência a regiões pobres.
Brasileiro
Entretanto, a segunda parte da mostra, no Pavilhão Italiano do Giardini, parece
concebida por outro curador, pois aí o contexto não é mais questão fundamental,
como ocorre com muitas das pinturas expostas, casos das obras de Gerhard Richter
e Robert Ryman, entre outros. Nesse caso, um destaque merecido é o brasileiro
Iran do Espírito Santo, com um conjunto surpreendente.
Mas há quem fale do contexto também, como a francesa Sophie Calle, que aborda a
morte da mãe, ou a homossexualidade como tema das obras de Felix Gonzalez-Torres
e Leonilson. A montagem convencional e institucional, contudo, diminui muito o
poder das obras -é absurdo que os trabalhos de Leonilson estejam emoldurados,
pois o artista era contra esse procedimento.
Diretor do MoMA de Nova York por muitos anos, Storr carregou para a Bienal a
tendência de curadores de museus institucionalizarem por demais a arte. Dos
poucos riscos assumidos pelo curador, as favelas dos meninos do Morrinho, no
Rio, montadas fora do pavilhão, são um raro momento de surpresa da mostra.
52ª Bienal de Arte de Veneza
Quando: de ter. a sex., das 10h às 18h; até 21/11
Onde: Arsenale e Giardini
Avaliação: regular
(©
Folha de S. Paulo)
Mostra paralela é a que causa mais entusiasmo
DO ENVIADO A VENEZA
Nos últimos dias, os comentários mais entusiasmados sobre arte, em Veneza,
não recaíram sobre a Bienal ou um dos 36 eventos oficiais relacionados a ela,
mas sim para a pequena e surpreendente "Artempo -Quando o Tempo Se Torna Arte",
que segue até 7 de outubro, no Pallazzo Fortuny.
O palácio do século 14, em estilo bizantino, antiga sede de uma fábrica de
tecidos, reuniu um time de quatro curadores que incluiu Jean-Hubert Martin, o
responsável por "Magiciens de la Terra" (que quer dizer mágicos da terra), no
Centro Pompidou, em 1989, que se tornou lendária ao reunir lado a lado artistas
europeus, asiáticos, africanos e latinos, como Cildo Meireles.
O sucesso de "Artempo" -a fila para entrada chegava a quase uma hora no último
fim de semana- se baseia em dois princípios: realizar diálogos inesperados e
ativar o espaço do próprio palácio.
Ousadia
No primeiro caso, os curadores se mostraram ousados em suas relações, como ao
expor uma das emblemáticas telas cortadas de Lucio Fontana junto a uma cadeira
com tecido parecido, ou uma escultura do século 18, da cabeça de uma mulher com
véu, em mármore de carrara, junto com o vídeo da cabeça de uma mulher com o
cabelo se movendo lentamente, de Yael Davids, de 2001.
Já no segundo caso, o Fortuny mantém seu mobiliário e as paredes forradas de
tecidos reunidos ao longo dos séculos e, nesse ambiente, as obras contemporâneas
praticamente desaparecem no espaço, criando uma espécie de charada, que o
visitante precisa desvendar.
Por exemplo: é difícil perceber a diferença entre uma escultura de Louise
Bourgeois e uma esfera fálica do século 2 a.C., enquanto a marcação temporal em
textos budistas se torna tão contemporânea como uma obra de On Kawara.
Ao expor num ambiente tão inusitado nomes como Francis Bacon, Marina Abramovic,
Marcel Duchamp, Anish Kapoor, Yves Klein ou Thomas Ruff, Martin e seu grupo
reafirmam que curadores ainda têm muito a dizer.
(©
Folha de S. Paulo)
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