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Na Itália, a política no banco dos réus |
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O prefeito
de Roma,
Walter
Veltroni
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Segundo o chefe do patronato, o custo da
representação política é igual ao da França, Alemanha, Reino Unido e Espanha
juntos
Jean-Jacques Bozonnet
Correspondente em Roma
A classe política italiana está profundamente deprimida. Ela é acusada de ser
antiquada, ineficaz, onerosa e, principalmente, corrupta. Ela é apenas o reflexo
de um sistema que "anda enfiando os pés pelas mãos", segundo afirma o prefeito
de Roma, Walter Veltroni, uma das esperanças da esquerda italiana. A taxa de
participação reduzida registrada nas eleições locais parciais dos dias 27 e 28
de maio foi interpretada como uma manifestação de desconfiança dos cidadãos em
relação à política. Logo no dia que se seguiu ao pleito, o presidente da
República, Giorgio Napolitano, conclamou a classe dirigente para que mantenha
uma exigência "de moralidade e de rigor, de modo que se consiga renovar a
política".
Ninguém sequer cogita minimizar a gravidade do mal-estar. Para o segundo homem
mais importante do governo, Massimo D'Alema, "trata-se de uma crise de
credibilidade da política comparável com aquela que, durante os anos 1990,
marcou o fim da 1ª República". O desastre de 1992, o ano que viu o afundamento
do sistema político italiano depois dos excessos do "craxismo" (termo derivado
do nome do deputado socialista Bettino Craxi, 1934-2000, presidente do Conselho
de 1983 a 1987, condenado por corrupção) e o início das operações judiciárias
"Mãos limpas", foi comentado por Oscar Luigi Scalfaro, que na época era o chefe
do Estado: "Foram questões de ordem ética, e não problemas políticos, que
provocaram a queda da Democracia Cristã e do Partido Socialista Italiano",
lembrou ele numa entrevista ao diário "La Repubblica", próximo do
centro-esquerda.
Ora, as estranhas práticas do sistema político italiano, muito pouco eficiente
considerando-se os seus custos para a coletividade, estão novamente no cerne das
críticas que vêm abalando o país há várias semanas. O "desencantamento
democrático" que foi diagnosticado por "La Repubblica" não se deve apenas às
dificuldades que Romano Prodi, o atual presidente do Conselho, vem enfrentando
para concretizar as reformas que dele se espera desde a sua eleição, um ano
atrás.
Ninguém foi poupado nem saiu incólume do requisitório pronunciado em 25 de maio
pelo presidente da Confindustria, o sindicato patronal italiano, por ocasião da
assembléia anual desta poderosa entidade: "Nós temos assistido no terreno a uma
concórdia absoluta dos dois bordos quando se tratou de fazer um uso privado dos
recursos públicos", acusou Luca Cordero di Montezemolo perante as mais altas
autoridades italianas, estupefatas. "A política é a principal empresa do país,
com cerca de 180.000 eleitos", explicou. "O custo da representação política no
seu conjunto é igual aos da França, da Alemanha, do Reino Unido e da Espanha
reunidos; por si só, o sistema dos partidos custa ao contribuinte 200 milhões de
euros por ano, contra 73 milhões na França".
No Parlamento italiano, 17 grupos parlamentares e 23 partidos políticos são
representados, sendo que desses últimos, 17 obtiveram menos de 3% dos votos. Em
2006, o funcionamento das duas Câmaras teria custado 1,6 bilhão de euros (R$ 4,2
bilhões). E o que dizer do paquidérmico governo, que sustenta o peso dos seus
105 ministros e subsecretários de Estado? Um livro que foi publicado
recentemente, intitulado "A Casta", apresenta um levantamento da lista espantosa
das vantagens, dos desperdícios e dos escorregões de dirigentes descritos como
sendo "intocáveis". Este enquête, que foi realizado por dois jornalistas, é um
sucesso de vendas nas livrarias. Nele, descobre-se entre outros que por si só a
presidência da República emprega 2.158 pessoas, das quais 1.072 funcionários
públicos. Dotado de um orçamento de funcionamento de 224 milhões de euros (R$
638 milhões), o palácio do Quirinal custaria quatro vezes mais do que o palácio
de Buckingham na Inglaterra, segundo os autores do estudo.
Um inquérito que foi conduzido por uma associação de contribuintes,
Contribuente.it, revela que a Itália pulveriza todos os recordes em matéria de
carros oficiais de função. Do chefe do Estado até o mais anônimo conselheiro da
menor repartição pública local, haveria mais de 574.215 deles em circulação a
serviço da máquina pública, contra 65.000 na França. A imprensa divertiu-se
calculando que, caso todos eles fossem enfileirados, esses "auto blu" formariam
um gigantesco engarrafamento de 2.756 quilômetros. Além disso, o seu custo
estimado é de cerca de 18 bilhões de euros (R$ 47 bilhões) por ano.
Ao longo dos últimos anos, a Itália assistiu a um aumento irresistível do número
dos conselheiros nas regiões, a uma multiplicação das contratações nas
coletividades locais, e a um recurso sistemático da administração a consultores
e a especialistas exteriores. As sociedades locais de serviços de participação
pública disseminaram-se por todo o país: "Quantas creches nós poderíamos
construir com o salário que vem sendo pago aos 18.000 conselheiros
administrativos dessas entidades públicas?", indagou o patrão dos patrões, sem
esconder a sua exasperação. Diante desta situação, ele exige sem mais nem menos
"um plano de reestruturação empresarial destinado a abolir as províncias", com o
objetivo de aliviar a administração do país.
Luca di Montezemolo defendeu-se de estar praticando todo e qualquer "cinismo
antipolítico", mas, insistiu ele, "uma coisa é respeitar a política e os seus
custos, outra coisa bem diferente é fingir que nada de errado está acontecendo
diante da duplicação das estruturas, dos encargos, das prebendas que oneram a
coletividade, e ainda diante de toda uma série de privilégios que muitos
políticos atribuíram a si próprios".
Um colóquio sobre a administração pública, que foi organizado dias atrás,
evidenciou um quadro ainda mais dramático: "Nós desenvolvemos o federalismo sem
obrigar, no mesmo tempo, o Estado central a emagrecer, o que duplicou a
burocracia, criando novos terrenos propícios para a corrupção", comentou Bruno
Ferrante, um antigo prefeito que foi nomeado recentemente alto-comissário contra
a corrupção.
Esta última estaria "em processo de progressão exponencial", segundo o general
Giuseppe Vicanolo, da Guardia di finanza (força policial fiscal a serviço do
ministério da Economia e das Finanças). Em 2006, 147 pessoas foram presas e
1.072 foram alvos de processos judiciários. Trata-se de um recorde no período
dos últimos dez anos, mas que poderia ser batido em 2007. Para os quatro
primeiros meses do ano, o responsável da polícia financeira deu conta de 93
prisões e de 130 milhões de euros (R$ 340 milhões) em comissões ocultas já
confiscados. A corrupção envolveria mais da metade das administrações centrais e
cerca da metade das coletividades locais.
Em regime de emergência, o Parlamento se debruça sobre um plano de redução das
suas despesas e dos privilégios dos parlamentares. Esta "empreitada de
moralização" foi apresentada pelo presidente da Câmara dos deputados, o
comunista Fausto Bertinotti, como "um sinal de estão sendo ouvidas" as críticas
que emanam da opinião.
"Trabalhar mais e custar menos" deverá se tornar o novo lema da política
italiana. O governo prepara para meados de junho um projeto de lei
constitucional que irá modificar as relações entre o Estado, as regiões e as
sociedades locais públicas. O plano prevê uma redução de um terço dos
conselheiros regionais, provinciais e comunais, e um enxugamento da
administração pública.
O ministério da economia já quis dar o exemplo, anunciando o fechamento de 80
antenas locais do Tesouro e da Contabilidade nacional. Serão essas medidas
suficientes, num país onde as decisões são dificilmente seguidas por algum
resultado, para rechaçar "o risco de regressão democrática" que vem sendo
denunciado por alguns editorialistas?
Tradução: Jean-Yves de Neufville
(©
UOL Mídia Global)
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