Prisão do herdeiro do trono italiano reabre
debate na Europa sobre o papel de monarcas num
mundo moderno e globalizado
Por Claudio Camargo
Definitivamente, não se fazem mais monarcas
como antigamente. Tome-se o caso de Vittorio
Emanuele de Savóia, 69 anos. Ele é filho do
último rei da Itália, Umberto II, e herdeiro do trono. Foi preso
na semana passada em Varenna sob a acusação de falsificar
documentos e explorar a prostituição. Triste fim para quem retornou
recentemente à sua terra natal depois de ter vivido mais de meio século
no exílio – e a sua volta só foi possível porque em 2002 o Parlamento
revogou o banimento dos descendentes masculinos da família Savóia,
imposto pela Constituição republicana de 1946. A severidade da medida se
justificava pelo fato de o penúltimo rei italiano, Vittorio Emanuele
III, avô de Vittorio, ter sido cúmplice do regime fascista de Benito
Mussolini (1922-1943). Com a prisão do herdeiro do trono, a casa de
Savóia, a mais antiga dinastia da Europa, que reinou por quase mil anos
no Piemonte e unificou a Itália em 1861, acaba agora na lama. Mas não
está sozinha. Outra dinastia com sete séculos de história, os Grimaldi
de Mônaco, também está às voltas com episódios constrangedores, pelo
menos para quem é da realeza. Pouco antes da prisão de Vittorio, o seu
colega soberano de Mônaco, o príncipe Albert II, 48 anos, anunciou que
assumiria a paternidade de uma adolescente americana, fruto de uma
relação casual que manteve com uma camareira. Ele é reincidente: no ano
passado, para evitar um escândalo às vésperas de ser entronizado, Albert
admitiu que era pai de um jovem de 22 anos, filho dele com uma
ex-assistente de bordo togolesa.
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Tradição: Elizabeth II e o
príncipe
Philip, 53 anos de reinado |
Virilidade, arrogância e belicosidade foram os traços que marcaram as
dinastias européias no passado – durante séculos elas ensangüentaram o
continente com suas guerras de conquista e seus jogos de poder. Há 100
anos, quando os monarcas eram os senhores do Velho Mundo, somente a
França, Suíça e San Marino não eram governados por reis e rainhas com
laços de parentesco entre si. A hecatombe provocada pelas duas guerras
mundiais varreu do mapa a maioria das dinastias e hoje apenas dez países
da Europa ainda mantêm seus soberanos, mas reduzidos, quase todos, a
figuras simbólicas: Espanha, Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Noruega,
Suécia, Luxemburgo, Mônaco, Liechtenstein e Bélgica. Algumas dinastias,
como a espanhola e a sueca, são adoradas por seus súditos; outras, como
a britânica, alternam momentos em que são ridicularizadas com períodos
em que caem nas graças do povo.
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Marco Juan Carlos (com Sofia),
o rei democrático |
Exposta à curiosidade pública como nenhuma outra, a família real
britânica se vê envolta em um drama folhetinesco com uma sucessão de
adultérios, separações, escândalos e tragédias cujo ápice foi a morte de
sua personagem mais popular, a princesa Diana – faleceu em um acidente
automobilístico em Paris, em 1997. Aos poucos, parece que a bonança vai
se impondo à tempestade: no ano passado o príncipe Charles finalmente se
casou com a sua eterna amante, Camilla Parker-Bowles, encerrando o maior
escândalo da dinastia de Windsor desde 1936, quando o rei Edward VIII
renunciou ao trono para se casar com a sua amada, a plebéia americana
Walis Simpson. Há dois meses, a rainha Elizabeth II completou 80 anos
recebendo o carinho de seus súditos e pesquisas recentes mostram que a
minoria simpatizante do regime republicano caiu para menos de 20%. Em
compensação, muitos crêem que o príncipe Charles deveria renunciar em
favor de seu jovem filho William.
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Desvios: Vittorio Emanuele (à
esq.) afundou os Savóia. Albert II (à dir.),
de Mônaco, assumiu paternidades |
Quem soube conjugar democracia com monarquia foi Juan Carlos I, da
Espanha, que completa 31 anos de reinado. Designado pelo ditador
Francisco Franco em 1969, ele surpreendeu até a esquerda ao se empenhar
com o retorno de seu país à democracia. Seu papel político se consolidou
em 1981 quando ele foi a público, em rede de tevê, e condenou uma
tentativa de golpe militar, exigindo respeito às instituições
democráticas. Ironicamente, um país instável e conservador conseguiu
recriar uma monarquia que virou fator de estabilidade, revelou-se
dinâmica e mostra uma invejável vitalidade. Tanto que, na Espanha, o
povo é amigo do rei.
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