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O cineasta
Michelangelo Antonioni
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MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
"Os atores não têm importância nenhuma. São peças do cenário, elementos
da paisagem que o diretor deve movimentar", disse uma vez Michelangelo
Antonioni. Reação de Jack Nicholson: "Preciso trabalhar com esse cara de
qualquer jeito". Essa pequena anedota foi contada pelo próprio Nicholson
em Cannes, há poucos anos, demonstrando uma admiração ainda intocada
pelo mestre italiano. "Profissão: Repórter", a obra-prima que uniu os
dois e que também tinha "O Passageiro" antes do atual título, completou
30 anos e sai agora em DVD no Brasil. O filme começa no deserto (foi
filmado na Argélia). Nicholson é um repórter de TV que deve registrar a
situação política conflagrada de um país africano.Conhece um homem de
negócios em um hotel semi-deserto, num local perdido. Quando o conhecido
morre subitamente, ele resolve adotar uma nova identidade. Com o
passaporte e a agenda do estranho, passa a assumir compromissos em
diferentes cidades. E descobre que virou um traficante de armas, uma
peça do jogo político e terrorista que registrava como repórter. A trama
o leva à Alemanha e à Espanha. Tudo tem a ver com a exploração de
espaços. O filme torna-se um road-movie, um caderno de notas sobre
emoções e arquitetura, sobre a perda de identidade e a
incomunicabilidade. Tudo é transformado em estética.
Do kitsch provinciano alemão, em Munique (ironia de um italiano...),
à arquitetura ousada de Gaudí, em Barcelona, passando por Londres, o
longa é um rico painel do olhar ultra-sofisticado de Antonioni. As
construções de Gaudí, o arquiteto que desafiou a geometria e para quem
os espaços precisavam ser ditados pelo inconsciente, são cenário do
encontro de Nicholson com outra errante, interpretada por Maria
Schneider. O final do filme tem uma das passagens mais famosas da
história do cinema, um plano-seqüência de sete minutos com uma câmera
móvel que acompanha e depois abandona o personagem num ambiente de
perplexidade e desolação.
Tudo é mínimo, o tom emocional é de calculada indiferença. A frieza
de olhar leva até a cenas registrando a morte de um prisioneiro
africano, executado diante de um pelotão de fuzilamento. É uma
impressionante imagem verídica, que dura segundos intermináveis.
Antonioni considera este, com razão, seu filme mais político. Não à toa
Hitchcock soltava palavrões quando via a riqueza de temas e a economia
formal dos clássicos de Antonioni. Esta foi sua última grande obra antes
do acidente vascular que o deixaria mudo e parcialmente sem movimento. É
uma pena que "Além das Nuvens", o filme que deveria reinaugurar sua
carreira, em 1995, co-dirigido por seu discípulo direto, Wim Wenders,
não tenha feito justiça a nenhum dos dois.
PROFISSÃO: REPÓRTER
Distribuição: Sony
Quanto: R$ 34, em média
(©
Folha de S. Paulo)
Coleção Antonioni
Michelangelo
Antonioni nasceu em 29 de setembro de 1912, em Ferrara (Itália).
Começou a escrever sobre cinema enquanto cursava economia na
Universidade de Bolonha. Em 1940, mudou-se para Roma, onde estudou
direção no Centro Experimental.
Depois de
dois anos, colaborou nos roteiros de Un Pilota Ritorna, de
Roberto Rossellini, e I Due Foscari, de Enrico Fulchignoni,
antes de estrear na direção com o curta documentário Gente del Po
(1943). Realizou outros curtas antes de dirigir seu primeiro longa,
Crimes d'Alma (1950), estrelado por Lucia Bosé e Massimo Girotti.
E foi co-roteirista de Abismo de Um Sonho (1952), primeiro
longa integralmente dirigido por Federico Fellini.
O cinema
nunca mais seria o mesmo após o lançamento de sua trilogia da
incomunicabilidade e solidão (A Aventura, A Noite e o inédito
em vídeo O Eclipse), na qual ousou em sua experiência de
manipulação do tempo e narrativa. O último, O Eclipse, foi
realizado no mesmo ano que Alain Renais lançou O Ano Passado em
Marienbad (1961), outra obra fundamental para a subversão
definitiva da relação entre tempo, espaço e narrativa. A trilogia lhe
valeu reconhecimento internacional e prêmios nos festivais de Berlim e
Cannes.
Na
Inglaterra, em 1967, dirigiu Blow-Up, chamado no Brasil
Depois Daquele Beijo, que lhe valeu a Palma de Ouro no Festival de
Cannes. O filme marcou o início da carreira internacional de
Antonioni, que se retirou de cena por 10 anos após derrame que o
deixou parcialmente paralisado. O retorno aconteceu em 1995, com o
drama Além das Nuvens, co-dirigido pelo alemão Wim Wenders. Aos
92 anos, o cineasta finalizou recentemente um dos três episódios de
Eros, ao lado de Steven Soderbergh e Wong Kar-Wai.
Antonioni
pertence a uma velha guarda de cineastas intelectuais que, como
Pasolini, dedicou-se também a pintura e a escrita, seu livro de contos
That Bowling Alley on the Tiber serviu de inspiração para
Além das Nuvens.
(©
2001 Video)
Saiba+ sobre Antonioni
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