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O compositor Umberto Giordano
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"Andrea Chénier", que não era montada havia 38 anos em SP, estréia
com Maria Russo, Kaludi Kaludow e Lício Bruno
Jamil Maluf, regente titular do Teatro Municipal, diz que obra sobre
poeta morto na Revolução Francesa é das mais difíceis que já conduziu
Caio Guatelli/Folha Imagem
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Elenco participa de ensaio de
"Andrea Chenier", que foi montada pela última vez como ópera em São
Paulo em 1968 |
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Teatro Municipal de São Paulo estréia hoje "Andrea Chénier", de
Umberto Giordano (1867-1948), a quarta ópera da atual temporada. Ela não
era montada havia 38 anos. Narra a história -política e sentimental- de
um poeta que realmente existiu e que acabou guilhotinado pela Revolução
Francesa. O elenco é encabeçado pelo tenor búlgaro Kaludi Kaludow, no
papel-título, a soprano americana Maria Russo, como Maddalena, e o
barítono brasileiro Lício Bruno, como o revolucionário Carlo Gérard. A
direção cênica é de André Heller-Lopes, a direção de arte, de Renato
Theobaldo, e os figurinos, de Fábio Namatame. A Orquestra Experimental
de Repertório é regida pelo titular e diretor do teatro, Jamil Maluf. O
maestro qualifica a ópera de "pura emoção". Eis trechos de sua
entrevista.
FOLHA - Por que a escolha de "Andrea Chénier"? JAMIL MALUF
- A escolha foi ditada pela qualidade da obra e pela disponibilidade de
grande elenco para cantá-la. Há o fato de a ópera não ser encenada em
São Paulo desde 1968. Na década de 80, o Municipal a apresentou, mas em
forma de concerto.
FOLHA - As últimas montagens do teatro trouxeram apenas
cantores brasileiros. Desta vez, o tenor é búlgaro, e a soprano,
americana. MALUF - Na "Gioconda", que faremos também neste ano,
haverá cantores estrangeiros.
FOLHA - Como está sendo a criação de um corpo permanente de
cantores no teatro? MALUF - A cada montagem há um número
crescente de cantores do Coral Lírico e do Coral Paulistano, dos nossos
corpos estáveis. Neste ano, foi o caso de oito das 14 vozes de "As Bodas
de Fígaro", de sete das 15 de "A Flauta Mágica", de 11 das 14 de "Orfeu"
e, agora, de nove das 15 no elenco de "Andrea Chénier". A idéia é fazer
como nas casas de ópera alemãs, em que o repertório é basicamente
cantado por vozes fixas.
FOLHA - E a decisão de preservar o enredo no final do século
18? MALUF - Decidi, com o André Heller, que estréia como diretor
cênico no Municipal, mantê-la no período. A idéia foi explorar a ação
durante a Revolução Francesa. No primeiro ato, na recepção da condessa
de Coigny, a aristocracia está por um fio, como um bibelô que vai
quebrar. Ela é vestida com roupas em parte transparentes para demonstrar
sua fragilidade.
FOLHA - A ópera é a favor ou é contra a Revolução Francesa?
MALUF - Chénier faz a ponte entre posições divergentes. Ele era um
simpatizante da causa revolucionária, mas se opunha aos excessos do
período do Terror, do qual se torna vítima.
FOLHA - No que a ópera é difícil? MALUF - É uma das
mais complicadas que já regi. O libreto é "uma história de amor em
tempos de fúria", como disse Heller. A orquestra é gigantesca, com mais
de 70 músicos. Eles e as vozes trabalham no limite. A música é pura
emoção.
ANDREA CHÉNIER
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 3222-8698)
Quando: hoje e dias 5, 7 e 9, às 20h30, e dia 11, às 17h
Quanto: de R$ 20 a R$ 40
(©
Folha de S. Paulo)
Soprano tem voz e técnica invejáveis
DA REPORTAGEM LOCAL
A soprano Maria Russo, americana de Nova York, que interpretará em
"Andrea Chénier" o papel de Maddalena, já faz parte da história da ópera
no Brasil.
Ela participou, entre 2002 e 2005, em Manaus, do Festival Amazonas de
Ópera, no papel de Brünnhilde. Foi a primeira produção brasileira de "O
Anel do Nibelungo", de Richard Wagner, regida por Luiz Fernando
Malheiro.
Maria Russo é uma soprano dramática prodigiosa, de timbre e técnica
vocal invejáveis, além de uma grande presença cênica.
Ela traz em seu currículo papéis complexos e exigentes, como o de Marie,
em "Wozzeck", de Alban Berg; Abigaille, em "Nabucco", de Verdi; e ainda
Elektra, de Richard Strauss, Turandot e Tosca, de Puccini, nas óperas de
mesmo título.
É, porém, uma grande wagneriana, tendo feito Isolda, Brünnhilde e Senta.
Maria Russo integra um grupo numeroso de cantores veteranos que são
absolutamente excepcionais, mas que não tiveram o espaço correspondente
no mercado discográfico. (JBN)
(©
Folha de S. Paulo)
Ópera "Andrea
Chénier" estréia no Municipal de SP
Célebre
por um de seus trechos principais, a ária La Mamma Morta,
trilha sonora de um dos momentos mais tocantes do filme Filadélfia
João Luiz
Sampaio
SÃO PAULO - A
única ópera do compositor Umberto Giordano a sobreviver ao tempo,
Andrea Chénier goza dupla fama. Para o público em geral, ficou
célebre por causa de um de seus trechos principais, a ária La Mamma
Morta, trilha sonora de um dos momentos mais tocantes do filme
Filadélfia, de Jonathan Demme. A ária é o momento-chave de
Filadélfia, a expressão dilacerada do sofrimento humano diante da
finitude, interpretada por Tom Hanks, o homem que perde o emprego por
assumir ser portador da síndrome de imunodeficiência adquirida e é
defendido por um advogado, interpretado por Denzel Washington. A cena,
overacted, foi decisiva para que ele ganhasse o Oscar.
Para o fã da música lírica, é
daqueles "operões", em que todas as características do gênero - drama,
grandes vozes, etc. - são elevadas à máxima potência. E é para esses
dois públicos que estréia neste sábado a nova montagem de Andrea
Chénier, assinada pelo maestro Jamil Maluf e o diretor André
Heller, no Municipal de São Paulo.
"Esta é uma ópera de cantores",
explica Jamil Maluf. "Tem grandes momentos para o tenor, a soprano e o
barítono, colocando à prova toda a técnica e experiência deles. É
daquelas ópera que, se você não tem bons artistas disponíveis, não
vale a pena montar", completa. "É uma história de amor em tempos de
cólera", brinca o diretor André Heller. "Estamos no meio da Revolução
Francesa. Uma jovem mimada descobre o mundo por meio de um poeta que,
por sua vez, é perseguido por suas posições políticas."
Ópera é do período conhecido como
Verismo
De um lado, a música; de outro, o
texto. Mas uma das coisas que fazem de Andrea Chénier uma ópera
tão importante é o modo como esses dois elementos se encaixam. A obra
faz parte de um período que, na ópera do fim do século 19, ficou
conhecido como verismo. A partir dali, enquanto na literatura Émile
Zola descrevia a greve de mineiros no norte da França no ano 1860, os
palcos de ópera foram invadidos por personagens tidos como marginais,
muitas vezes das classes sociais mais baixas. Falando assim, parece
pouco. Mas, em música a mudança foi bastante significativa.
O novo formato passou a exigir um
tipo diferente de canto, menos ornamental, rebuscado. Também a
estrutura das óperas e seus trechos - árias, duetos, trios, quartetos,
etc. - sofreu alterações. E Andrea Chénier"é exemplo
interessante desse período. "Música e drama trabalham aqui de maneira
indissociável. Talvez em parte pela qualidade do libreto que Giordano
tinha em mãos. E as situações extremas de violência e revolta narradas
pelo texto fizeram com que o compositor construísse a partitura de um
modo totalmente original", diz Maluf.
Autores usam fontes diversas para
recriar história de amor e traição de Andrea Chénier
Em Andrea Chénier, o estilo
verista está misturado a uma fantasia histórica. Esse poeta adepto da
revolução, que pregava com seus textos e acabou guilhotinado, de fato
existiu. Mas pouco se sabe de sua vida. O próprio libretista Luigi
Illica diz não ter se inspirado em fatos, mas, sim, em sugestões dadas
pelo editor dos textos do verdadeiro Chénier, ao incluí-lo nesta trama
de amores frustrados musicada por Umberto Giordano, que estréia neste
sábado no Teatro Municipal de São Paulo.
A história é a seguinte: Maddalena é
uma jovem aristocrata, que leva uma vida frívola até conhecer o poeta
revolucionário Chénier. Cinco anos se passam desde que eles se
conhecem em uma festa e, com a revolução levada adiante, surge um
problema. Gerard - que, naquela festa, trabalhava como mordomo, e
agora é um dos agentes de Robespierre - ama Maddalena
Para ficar com ela, livra-se do
rival, acusando-o de ser um contra-revolucionário, levando-o à prisão,
onde vai aguardar pela guilhotina. E por aí vai. O importante é dizer
que Illica constrói, enfim, uma história na qual são dependentes o
drama pessoal dos personagens e o contexto histórico em que vivem. O
que, para um libreto de ópera - muitas vezes entregue a histórias
fantasiosas e pouco verossímeis -, é um belo feito.
História de amor em momento político conturbado
"Cada vez mais tenho certeza de que
a ópera lida com emoção, sentimentos. Para mim, Chénier é uma história
de amor que se dá em meio a um momento político conturbado. Poderia
tê-la ambientado em meio à guerra no Iraque ou coisa assim. Sabe não
preciso ser careta. Mas, se eu atualizo uma história como essa, de
alguma maneira estou subestimando a capacidade do público de fazer
suas próprias relações", diz o diretor André Heller, que acaba de
voltar de Londres, onde trabalhou por dois anos em Covent Garden, a
casa de ópera de Sua Majestade. A poesia está no centro do enredo da
ópera - e no da montagem de Heller.
"Madalena é uma menina mimada,
inexperiente. Ela passa a conhecer a realidade por meio da poesia de
Chénier", explica o diretor. A soprano norte-americana Maria Russo,
que foi a Brunhilde do Anel do Nibelungo, de Wagner, no Festival
Amazonas de Ópera, concorda. "Maddalena é uma personagem em constante
transformação. Não sabe o que fazer com aquilo que sente, com a sua
própria sensibilidade poética até encontrar Chénier."
Ao lado de Maria Russo, participam
do elenco o tenor búlgaro Kaludi Kaludov (Chénier) e o barítono
brasileiro Lício Bruno (Gerard), além de vários cantores pertencentes
aos corpos estáveis do Municipal. "Em um momento em que a gente pensa
em criar uma companhia própria de ópera, é fundamental dar espaço a
cantores que trabalham dentro do teatro, no coro", diz Jamil Maluf.
Assim, na récita de segunda, Maria
Russo e Kaludov dão lugar ao tenor Marcelo Vanucci e à soprano Mônica
Martins, ambos membros do Coral Lírico Municipal. Ainda no elenco,
estão nomes como Edinéia de Oliveira, Homero Velho, Silvia Tessuto,
Sebastião Teixeira, Paulo Queiroz e Miguel Geraldi, entre outros
Andrea Chénier. 3h (três
intervalos de 15 min. cada). Teatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo,
s/nº, Centro, 3222-8698. Sábado, 2.ª, 4.ª e 6.ª (dia 9), 20h30; dom.
(dia 11), 17 h. R$ 10 a R$ 40. Até 11/6
(©
O Estado de S. Paulo) |