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Ópera de Giordano volta ao Municipal

03/06/2006

O compositor Umberto Giordano

"Andrea Chénier", que não era montada havia 38 anos em SP, estréia com Maria Russo, Kaludi Kaludow e Lício Bruno

Jamil Maluf, regente titular do Teatro Municipal, diz que obra sobre poeta morto na Revolução Francesa é das mais difíceis que já conduziu

Caio Guatelli/Folha Imagem
Elenco participa de ensaio de "Andrea Chenier", que foi montada pela última vez como ópera em São Paulo em 1968



JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Teatro Municipal de São Paulo estréia hoje "Andrea Chénier", de Umberto Giordano (1867-1948), a quarta ópera da atual temporada. Ela não era montada havia 38 anos. Narra a história -política e sentimental- de um poeta que realmente existiu e que acabou guilhotinado pela Revolução Francesa. O elenco é encabeçado pelo tenor búlgaro Kaludi Kaludow, no papel-título, a soprano americana Maria Russo, como Maddalena, e o barítono brasileiro Lício Bruno, como o revolucionário Carlo Gérard. A direção cênica é de André Heller-Lopes, a direção de arte, de Renato Theobaldo, e os figurinos, de Fábio Namatame. A Orquestra Experimental de Repertório é regida pelo titular e diretor do teatro, Jamil Maluf. O maestro qualifica a ópera de "pura emoção". Eis trechos de sua entrevista.

 


FOLHA - Por que a escolha de "Andrea Chénier"? JAMIL MALUF - A escolha foi ditada pela qualidade da obra e pela disponibilidade de grande elenco para cantá-la. Há o fato de a ópera não ser encenada em São Paulo desde 1968. Na década de 80, o Municipal a apresentou, mas em forma de concerto.

FOLHA - As últimas montagens do teatro trouxeram apenas cantores brasileiros. Desta vez, o tenor é búlgaro, e a soprano, americana. MALUF - Na "Gioconda", que faremos também neste ano, haverá cantores estrangeiros.

FOLHA - Como está sendo a criação de um corpo permanente de cantores no teatro? MALUF - A cada montagem há um número crescente de cantores do Coral Lírico e do Coral Paulistano, dos nossos corpos estáveis. Neste ano, foi o caso de oito das 14 vozes de "As Bodas de Fígaro", de sete das 15 de "A Flauta Mágica", de 11 das 14 de "Orfeu" e, agora, de nove das 15 no elenco de "Andrea Chénier". A idéia é fazer como nas casas de ópera alemãs, em que o repertório é basicamente cantado por vozes fixas.

FOLHA - E a decisão de preservar o enredo no final do século 18? MALUF - Decidi, com o André Heller, que estréia como diretor cênico no Municipal, mantê-la no período. A idéia foi explorar a ação durante a Revolução Francesa. No primeiro ato, na recepção da condessa de Coigny, a aristocracia está por um fio, como um bibelô que vai quebrar. Ela é vestida com roupas em parte transparentes para demonstrar sua fragilidade.

FOLHA - A ópera é a favor ou é contra a Revolução Francesa? MALUF - Chénier faz a ponte entre posições divergentes. Ele era um simpatizante da causa revolucionária, mas se opunha aos excessos do período do Terror, do qual se torna vítima.

FOLHA - No que a ópera é difícil? MALUF - É uma das mais complicadas que já regi. O libreto é "uma história de amor em tempos de fúria", como disse Heller. A orquestra é gigantesca, com mais de 70 músicos. Eles e as vozes trabalham no limite. A música é pura emoção.

ANDREA CHÉNIER
Onde:
Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 3222-8698)
Quando: hoje e dias 5, 7 e 9, às 20h30, e dia 11, às 17h
Quanto: de R$ 20 a R$ 40

(© Folha de S. Paulo)


Soprano tem voz e técnica invejáveis

DA REPORTAGEM LOCAL

A soprano Maria Russo, americana de Nova York, que interpretará em "Andrea Chénier" o papel de Maddalena, já faz parte da história da ópera no Brasil.

Ela participou, entre 2002 e 2005, em Manaus, do Festival Amazonas de Ópera, no papel de Brünnhilde. Foi a primeira produção brasileira de "O Anel do Nibelungo", de Richard Wagner, regida por Luiz Fernando Malheiro.
Maria Russo é uma soprano dramática prodigiosa, de timbre e técnica vocal invejáveis, além de uma grande presença cênica.

Ela traz em seu currículo papéis complexos e exigentes, como o de Marie, em "Wozzeck", de Alban Berg; Abigaille, em "Nabucco", de Verdi; e ainda Elektra, de Richard Strauss, Turandot e Tosca, de Puccini, nas óperas de mesmo título.

É, porém, uma grande wagneriana, tendo feito Isolda, Brünnhilde e Senta.
Maria Russo integra um grupo numeroso de cantores veteranos que são absolutamente excepcionais, mas que não tiveram o espaço correspondente no mercado discográfico. (JBN)

(© Folha de S. Paulo)


Ópera "Andrea Chénier" estréia no Municipal de SP

Célebre por um de seus trechos principais, a ária La Mamma Morta, trilha sonora de um dos momentos mais tocantes do filme Filadélfia

João Luiz Sampaio

SÃO PAULO - A única ópera do compositor Umberto Giordano a sobreviver ao tempo, Andrea Chénier goza dupla fama. Para o público em geral, ficou célebre por causa de um de seus trechos principais, a ária La Mamma Morta, trilha sonora de um dos momentos mais tocantes do filme Filadélfia, de Jonathan Demme. A ária é o momento-chave de Filadélfia, a expressão dilacerada do sofrimento humano diante da finitude, interpretada por Tom Hanks, o homem que perde o emprego por assumir ser portador da síndrome de imunodeficiência adquirida e é defendido por um advogado, interpretado por Denzel Washington. A cena, overacted, foi decisiva para que ele ganhasse o Oscar.

Para o fã da música lírica, é daqueles "operões", em que todas as características do gênero - drama, grandes vozes, etc. - são elevadas à máxima potência. E é para esses dois públicos que estréia neste sábado a nova montagem de Andrea Chénier, assinada pelo maestro Jamil Maluf e o diretor André Heller, no Municipal de São Paulo.

"Esta é uma ópera de cantores", explica Jamil Maluf. "Tem grandes momentos para o tenor, a soprano e o barítono, colocando à prova toda a técnica e experiência deles. É daquelas ópera que, se você não tem bons artistas disponíveis, não vale a pena montar", completa. "É uma história de amor em tempos de cólera", brinca o diretor André Heller. "Estamos no meio da Revolução Francesa. Uma jovem mimada descobre o mundo por meio de um poeta que, por sua vez, é perseguido por suas posições políticas."

Ópera é do período conhecido como Verismo

De um lado, a música; de outro, o texto. Mas uma das coisas que fazem de Andrea Chénier uma ópera tão importante é o modo como esses dois elementos se encaixam. A obra faz parte de um período que, na ópera do fim do século 19, ficou conhecido como verismo. A partir dali, enquanto na literatura Émile Zola descrevia a greve de mineiros no norte da França no ano 1860, os palcos de ópera foram invadidos por personagens tidos como marginais, muitas vezes das classes sociais mais baixas. Falando assim, parece pouco. Mas, em música a mudança foi bastante significativa.

O novo formato passou a exigir um tipo diferente de canto, menos ornamental, rebuscado. Também a estrutura das óperas e seus trechos - árias, duetos, trios, quartetos, etc. - sofreu alterações. E Andrea Chénier"é exemplo interessante desse período. "Música e drama trabalham aqui de maneira indissociável. Talvez em parte pela qualidade do libreto que Giordano tinha em mãos. E as situações extremas de violência e revolta narradas pelo texto fizeram com que o compositor construísse a partitura de um modo totalmente original", diz Maluf.

Autores usam fontes diversas para recriar história de amor e traição de Andrea Chénier

Em Andrea Chénier, o estilo verista está misturado a uma fantasia histórica. Esse poeta adepto da revolução, que pregava com seus textos e acabou guilhotinado, de fato existiu. Mas pouco se sabe de sua vida. O próprio libretista Luigi Illica diz não ter se inspirado em fatos, mas, sim, em sugestões dadas pelo editor dos textos do verdadeiro Chénier, ao incluí-lo nesta trama de amores frustrados musicada por Umberto Giordano, que estréia neste sábado no Teatro Municipal de São Paulo.

A história é a seguinte: Maddalena é uma jovem aristocrata, que leva uma vida frívola até conhecer o poeta revolucionário Chénier. Cinco anos se passam desde que eles se conhecem em uma festa e, com a revolução levada adiante, surge um problema. Gerard - que, naquela festa, trabalhava como mordomo, e agora é um dos agentes de Robespierre - ama Maddalena

Para ficar com ela, livra-se do rival, acusando-o de ser um contra-revolucionário, levando-o à prisão, onde vai aguardar pela guilhotina. E por aí vai. O importante é dizer que Illica constrói, enfim, uma história na qual são dependentes o drama pessoal dos personagens e o contexto histórico em que vivem. O que, para um libreto de ópera - muitas vezes entregue a histórias fantasiosas e pouco verossímeis -, é um belo feito.

História de amor em momento político conturbado

"Cada vez mais tenho certeza de que a ópera lida com emoção, sentimentos. Para mim, Chénier é uma história de amor que se dá em meio a um momento político conturbado. Poderia tê-la ambientado em meio à guerra no Iraque ou coisa assim. Sabe não preciso ser careta. Mas, se eu atualizo uma história como essa, de alguma maneira estou subestimando a capacidade do público de fazer suas próprias relações", diz o diretor André Heller, que acaba de voltar de Londres, onde trabalhou por dois anos em Covent Garden, a casa de ópera de Sua Majestade. A poesia está no centro do enredo da ópera - e no da montagem de Heller.

"Madalena é uma menina mimada, inexperiente. Ela passa a conhecer a realidade por meio da poesia de Chénier", explica o diretor. A soprano norte-americana Maria Russo, que foi a Brunhilde do Anel do Nibelungo, de Wagner, no Festival Amazonas de Ópera, concorda. "Maddalena é uma personagem em constante transformação. Não sabe o que fazer com aquilo que sente, com a sua própria sensibilidade poética até encontrar Chénier."

Ao lado de Maria Russo, participam do elenco o tenor búlgaro Kaludi Kaludov (Chénier) e o barítono brasileiro Lício Bruno (Gerard), além de vários cantores pertencentes aos corpos estáveis do Municipal. "Em um momento em que a gente pensa em criar uma companhia própria de ópera, é fundamental dar espaço a cantores que trabalham dentro do teatro, no coro", diz Jamil Maluf.

Assim, na récita de segunda, Maria Russo e Kaludov dão lugar ao tenor Marcelo Vanucci e à soprano Mônica Martins, ambos membros do Coral Lírico Municipal. Ainda no elenco, estão nomes como Edinéia de Oliveira, Homero Velho, Silvia Tessuto, Sebastião Teixeira, Paulo Queiroz e Miguel Geraldi, entre outros

Andrea Chénier. 3h (três intervalos de 15 min. cada). Teatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s/nº, Centro, 3222-8698. Sábado, 2.ª, 4.ª e 6.ª (dia 9), 20h30; dom. (dia 11), 17 h. R$ 10 a R$ 40. Até 11/6

(© O Estado de S. Paulo)

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