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Como Silvio Berlusconi se tornou o Super-Homem da Itália

21/03/2009

Silvio Berlusconi
 

Alexander Smoltczyk

Silvio Berlusconi conquistou a Itália, a perdeu e a seduziu para voltar ao topo. Atualmente, ele enfrenta pouca resistência e não seria exagero dizer que poderia permanecer no cargo até morrer. Restando pouco o que debater, o que mais interessa a respeito do primeiro-ministro é seu relacionamento com as mulheres.

Silvio Berlusconi sempre será suspeito para os alemães. Em 24 de fevereiro, por exemplo, o primeiro-ministro italiano estava ao lado do presidente da França, Nicolas Sarkozy, e diante da imprensa mundial. Sarkozy falava sobre o reconhecimento bilateral dos diplomas universitários. Berlusconi repentinamente se inclinou para frente e, com um sorriso malandro em seu rosto, sussurrou algo para Sarkozy. O presidente francês sorriu desconfortavelmente e disse: "Bem, hã, eu não sei se devo repetir isso..."

Posteriormente, uma emissora de TV francesa fez alguém ler os lábios de Berlusconi. Ele aparentemente disse: "Eu lhe dei sua esposa..."

A sentença não tinha nada a ver com os diplomas universitários ou a situação presente, e muito menos com a realidade. Mas forneceu um indício do que aquele homem estava pensando enquanto estava ao lado do marido da italiana Carla Bruni.

Silvio Berlusconi é obcecado pelo poder, o que significa que também é obcecado por sexo, e não liga que todos saibam. Na verdade, Berlusconi se sente tão à vontade em falar em público sobre suas plásticas e implantes de cabelo quanto em discutir a saúde de seu amiguinho.

Em outubro passado, Berlusconi foi visto em frente a um clube noturno de Milão na madrugada. Ele tinha acabado de voltar de uma reunião em Paris para tratar da crise financeira e estava ávido para estar entre pessoas. "Se eu dormir por três horas", ele disse para um grupo de pessoas ao seu lado, "eu tenho energia suficiente para fazer sexo por outras três horas". Era o chefe do governo italiano falando, o líder de um dos países fundadores da União Europeia. Ele atualmente tem 72 anos.

De vez em quando, a virilha de Berlusconi parece falar mais alto que seu cérebro. Em janeiro, após uma série de casos de estupro, ele prometeu aumentar a segurança. Mas então disse: "Nós deveríamos ter tantos soldados nas ruas quanto garotas bonitas na Itália. Mas eu não acredito que algum dia conseguiremos isso".

O corpo de Berlusconi se tornou seu meio, e ele o usa com tão pouca hesitação quanto usa as emissoras de televisão que possui. Para Berlusconi, aparência conta e o superficial é sua mensagem. Na verdade, a obsessão com o corpo de Il Cavaliere, como Berlusconi é chamado em casa, se transformou em um ramo próprio da sociologia.

O livro "O Superlíder", do especialista em comunicação de Milão, Federico Boni, foi publicado em novembro passado. Na semana passada, ele ganhou a companhia do estudo de Marco Belpoliti, intitulado "O Corpo do Capo". Estudos foram realizados sobre o sorriso de Berlusconi e seu uso do simbolismo religioso. Sociólogos decodificam o corpo deste homem poderoso e tentam lê-lo e interpretá-lo, como se, de alguma forma, escondesse o segredo de seu sucesso. Talvez esconda. Ele é o antipolítico no poder, o showman como estadista, o buffo como duce. Ele é tudo e o oposto de tudo.

Mussolini é conhecido por ter assumido vários papéis, posando como agricultor, cavalariço, operário, empresário, soldado ou pai. "Mas", diz Federico Boni, "o quadro faz sentido no caso de Mussolini. Ele era Il Duce servindo seu país. Berlusconi, por outro lado, é um super-herói sem as características. Como um personagem de história em quadrinhos, ele pode assumir qualquer forma: treinador de futebol, messias, monstro louco por sexo e homem de família, líder nacional e pianista de clube noturno, católico devoto e libertino, industrial ou operário de fábrica".

Há até mesmo algo feminino nele. "O rosto suave, o ódio por costeletas e barbas, a higiene quase compulsiva, o narcisismo, a aparência perfeita e consistentemente arrumada sugere um homem feminizado", disse o berlusconólogo Stephen Gundle. Como a maioria de suas eleitoras, Berlusconi se preocupa com sua dieta, depila pelos indesejados e faz uso de cirurgiões plásticos para remover rugas e o excesso de gordura.

Berlusconi é tanto um sedutor quanto um produto. Ele transformou a si mesmo em uma marca, um produto de consumo que transmite apenas uma mensagem: leve-me! Quanto mais poderoso Berlusconi se torna, mais o público parece interessado em seu corpo ou, para ser mais preciso, em sua virilha.

Os minutos de conversa telefônica grampeada entre duas mulheres que fazem parte do governo vieram à tona em Nápoles no ano passado. As mulheres estavam supostamente discutindo técnicas para convencer o primeiro-ministro a fazer concessões durante as negociações do orçamento, e uma delas mencionou a palavra "pompetta", ou "bombinha". Isto provocou rumores sobre a possibilidade de Berlusconi ter uma prótese no pênis. A atriz e humorista Sabina Cuzzanti declarou publicamente: "Não se pode nomear alguém como ministro das Oportunidades Iguais apenas por ela ter feito sexo oral nele".

A ministra em questão, Mara Carfagna, ameaçou processar a atriz. O pai de Guzzanti, um ex-senador do campo de Berlusconi, ficou do lado de sua filha e deixou o Forza Italia, o partido liderado pelo primeiro-ministro.

Seria um assunto insignificante se o caso não tivesse atraído a atenção para uma abordagem à política que não faz distinção entre público e privado, e que é ainda pior na Itália do que na França de Sarkozy.

Berlusconi transformou entretenimento em política e política em um reality show. Seu advogado foi nomeado ministro da Justiça e seu médico pessoal em um membro do Parlamento - ao lado de vários outros ex-funcionários e companheiras. Uma ex-showgirl e garota de pôster representa os interesses das mulheres no ministério de Berlusconi.

Antes de Mara Carfagna se tornar membro do governo, ela trabalhava para a emissora de TV de Berlusconi. Há não muito tempo, ela contava aos seus telespectadores suas medidas e sua época como concorrente a Miss Itália. Um vídeo no YouTube mostra Cafagna, em seus dias pré-ministério, levantando sua saia, revelando não estar usando nada por baixo. Uma das primeiras iniciativas de Carfagna foi apresentar uma nova lei tornando crime a prostituição de rua.

Berlusconi libertou a televisão italiana do controle dos bispos e a conduziu à terra prometida do consumismo. Este é o seu feito histórico. Em 1983, seu canal de televisão Italia 1 inventou o fenótipo da "Velina", uma criatura com seios grandes e pernas longas. Desde então, todo programa de TV conta com uma Velina, geralmente em pé ao lado de homens de pernas curtas e que não param de falar. Atualmente há até mesmo um concurso de Velinas. Um grande percentual das garotas italianas aspira se tornar uma Velina, na esperança de que isto leve a um casamento com um jogador de futebol ou astro pop - ou as transforme em ministra.

Um incidente inesquecível no passado de Berlusconi foi um telefonema grampeado entre Berlusconi e seu conselheiro especial, Marcello Dell'Utri, no Ano Novo de 1986. Na conversa, Berlusconi se queixava de que ele e o então primeiro-ministro Bettino Craxi tinham levado um chapéu de duas garotas do programa "Drive In". "Isso significa que não faremos sexo nesta noite. E se o ano começar desta forma, nunca mais faremos sexo de novo."

Mas a previsão de Berlusconi não se concretizou.

Em abril de 2007, um paparazzo tirou fotos da casa de verão de Berlusconi na Sardenha, onde o velho foi visto se divertindo com cinco Velinas.

Outro telefonema grampeado, desta vez do início do verão de 2007, foi colocado no YouTube. Na conversa, Berlusconi pediu um favor ao então diretor da emissora de TV pública Rai Fiction, Agostino Saccà. Saccà disse para Berlusconi: "Você é o único que nunca me pediu nada...", "...exceto mulheres, de vez em quando, para melhorar o humor do chefe", completou Berlusconi, antes de chegar ao ponto. "Eu estou tentando conseguir a maioria no Senado", Berlusconi disse para Saccà, lhe pedindo para arrumar um emprego para uma atriz que era namorada de um senador da esquerda, com o qual Berlusconi por acaso estava negociando.

Poucos meses depois, o governo do então primeiro-ministro Romano Prodi caiu após perder a maioria no Senado. Antonio Di Pietro, um membro da oposição, disse que Berlusconi, como um cafetão, passava mais tempo arrumando emprego para suas garotas do que prestando atenção nos problemas do país. "Esta aqui é boa, aquela é bonita, e aquela tem peitos grandes", disse Di Pietro, imitando Berlusconi.

Quando a conversa telefônica entre Berlusconi e Saccà foi postada no site da revista semanal de esquerda "L'Espresso", a resposta de Berlusconi foi apenas dizer que para ter sucesso na Rai, "é preciso se prostituir ou ser membro da esquerda". O tablóide de direita "Libero" reagiu: "Mussolini também tinha suas mulheres. Nós precisamos de um primeiro-ministro, não de um monge trapista".

Os modos indecentes de Il Cavaliere não parecem prejudicá-lo nas urnas e as eleitoras também não estão exatamente correndo na direção oposta. Berlusconi já descreveu como, durante uma campanha eleitoral, as mulheres o tratavam como uma relíquia viva: "As pessoas puxam minha jaqueta, mulheres grávidas me pedem para colocar a mão na barriga delas. Outras me pedem para colocar a mão sobre seus olhos, porque elas não enxergam bem".

O popular apresentador de talk-show italiano, Roberto D'Agostino, vê a comoção em torno do machismo de Berlusconi como hipocrisia. "Todo mundo quer o que Berlusconi tem. Vocês alemães não entendem. Nós somos latinos, não calvinistas. Moralização não tem lugar na política. Por exemplo, todo mundo sabia a respeito das orgias de Gianni Agnelli (o ex-presidente da Fiat), até mesmo sua esposa. Mas os dois permaneceram juntos, assim como Silvio e Veronica Berlusconi permaneceram juntos. Este é o tipo de coisa que admiramos."

A segunda esposa de Berlusconi, Veronica Lario, descobriu como levar sua própria vida há muito tempo, e ela é perita em defender a si mesma quando se trata do bem-estar dos filhos que ela tem com Berlusconi. Em janeiro de 2007, o jornal de esquerda "La Repubblica" publicou uma carta aberta de Veronica para seu Silvio, na qual, pela primeira vez, ela se queixou dos "momentos dolorosos" de sua vida matrimonial e exigiu "respeito pela dignidade da mulher".

A carta foi causada por um comentário que Berlusconi fez a respeito de Mara Carfagna, que posteriormente se tornou ministra das Oportunidades Iguais: "Se eu já não fosse casado, eu me casaria com ela imediatamente".

'Tecnicamente, quase imortal'

Como seu poder, este estadista também quer imortalizar seu corpo. Ele toma elixires contra o envelhecimento, não fuma e evita carne. Recentemente, Berlusconi até mesmo cancelou um encontro com Günther Oettinger, o governador do Estado alemão de Baden-Württemberg, porque era esperado em um spa na Úmbria para um tratamento para o corpo baseado nos métodos do dr. Mességué, um famoso fitoterapeuta francês. Ele retrata a si mesmo como um viciado em trabalho que lida com tudo. "Eu estou constantemente trabalhando e não durmo mais do que duas horas por noite", alega.

Seu médico pessoal, Umberto Scapagnini, já declarou que Berlusconi é "tecnicamente, quase imortal". Segundo Scapagnini, "seu físico e mente já demonstraram força sobre-humana. Ele é geneticamente extraordinário".

Em outras palavras, não há motivo para Berlusconi não poder servir como presidente pelo restante de sua vida, após o término do atual mandato legislativo em 2013. Até lá, ele terá deixado sua marca na Itália por duas décadas. O país é refletido em Berlusconi, mesmo quando não estava no poder. Berlusconi estabeleceu a agenda e definiu a língua e o estilo da política. Sem ele, não haveria um sistema de dois campos, nenhum bloco votante da classe média e, supostamente, não existiria uma esquerda reformista.

Ele já viu sete líderes de oposição virem e partirem. Após a renúncia em fevereiro de Walter Veltroni, que era considerado um concorrente promissor até recentemente, restaram poucas forças na oposição.

Berlusconi, um bilionário completamente não-religioso (e divorciado), obteve até mesmo apoio do Vaticano. Bastaram apenas algumas poucas declarações oportunas contra a tecnologia de reprodução e o suicídio assistido.

"Os italianos são afligidos por um desejo estranho de servidão", disse recentemente o ex-presidente Carlo Azeglio Ciampi. Por falta de uma alternativa, disse Campi, eles toleram qualquer coisa, preferindo discutir as atrizes do primeiro-ministro do que seu déficit orçamentário. Para o cientista político britânico Colin Crouch, a Itália de Berlusconi é um grande exemplo de uma "sociedade pós-democrática".

Talvez seja verdade. Ultimamente, democracia não tem nada a ver com capacidade, mas com consenso. E dificilmente qualquer outro político europeu seja uma máquina de consenso mais eficiente do que este homem ultrajantemente popular, completo com plásticas e um sorriso permanente.

Na Alemanha, as políticas de Berlusconi costumam ser vistas como uma tolice completa. Afinal, este é um homem que, em um encontro de cúpula em Trieste, se escondeu atrás de uma coluna e assustou a chanceler alemã, Angela Merkel, quando gritou "buu"!

Seus críticos esquecem que Berlusconi, como um bom populista, instruiu seus ministros a cuidarem precisamente das pragas que frequentemente são citadas como exemplos da típica incompetência italiana, um país que a "Süddeutsche Zeitung Magazin" da Alemanha chamou de "bota fedida" - cheia de greves indisciplinadas, lixo não coletado em Nápoles, prostituição de rua, um frenesi bizantino de regulamentação, centralismo, funcionários públicos que não fazem nada e uma Justiça morosa. Sua abordagem é popular, especialmente quando todos sabem quão difícil é reformar um país no qual regulamentações costumam ser tratadas como um insulto à inteligência.

Apesar de seu vasto poder na mídia, Berlusconi já perdeu o cargo duas vezes. Em ambas as vezes a esquerda teve a oportunidade de melhorar as coisas, e em ambas as vezes fracassou. Berlusconi não foi reeleito no ano passado porque os eleitores assistem televisão demais, mas por estarem desiludidos. Berlusconi era o único candidato que tinha chance de compor uma maioria capaz de formar um governo. Em outras palavras, ele não foi eleito por afeto, mas por pragmatismo e sobriedade. Conveniência política também fez parte da mistura.

Berlusconi conquistou este país, o perdeu e o conquistou de novo. Ele já o traiu muitas vezes, mas voltou a seduzi-lo. Provavelmente só há uma mulher que ele realmente amou. Havia uma única mulher pela qual ele interrompia negociações de alto nível, e apenas uma mulher cujas pérolas de sabedoria ele achava dignas de repetir para Putin, Bush, Blair e até mesmo ao papa: "La Mamma Rossa", sua mãe Rosella, que ele adorava mais que qualquer outra pessoa, e que morreu no ano passado e deixou de luto metade do país.

Tradução: George El Khouri Andolfato

(© UOL Mídia Global/Der Spiegel)

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