João Bosco Rabello e Felipe Recondo, BRASÍLIA
Julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) têm aumentado
a lista de argumentos que ministros da corte reúnem para autorizar a
extradição do italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua
por quatro assassinatos na Itália. Mesmo o julgamento italiano,
citado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, para justificar a
concessão do refúgio, servirá de recurso para extraditar o militante
de extrema esquerda.
Os veredictos para esses casos rebatem argumentos do governo, de que
a concessão de refúgio não pode ser avaliada pelo Judiciário, de que
a condenação à revelia de Battisti na Itália é um impeditivo para a
extradição e de que os crimes que teria praticado por motivação
política permitem que ele permaneça no Brasil. Todos esses
precedentes reforçam a tendência dos ministros do STF de autorizar a
extradição de Battisti - o julgamento está previsto para este mês.
A começar pelo caso de Luciano Pessina, italiano acusado de detonar
bombas em locais públicos, mas vazios, roubar armas e bancos nos
anos 70. O processo foi citado por Tarso para justificar o caso
Battisti. O governo da Itália pediu a extradição de Pessina com base
no argumento de que ele tentou "subverter violentamente a ordem
econômica e social do Estado italiano, de promover insurreição
armada e suscitar a guerra civil no território do Estado, de atentar
contra a vida e a incolumidade de pessoas para fins de terrorismo e
de eversão da ordem democrática".
Os ministros rejeitaram o pedido com a alegação de que a atuação de
Pessina na época tinha fins políticos. O caso seria idêntico ao de
Battisti, não fosse por um detalhe: Pessina, segundo os ministros,
não matou ou feriu ninguém; Battisti é acusado de assassinar quatro
pessoas.
TERRORISMO
Os ministros afastaram em outros julgamentos a possibilidade de
tratar como criminoso político quem é condenado por crimes de
natureza terrorista. Quando julgaram o pedido de extradição do
chileno Mauricio Hernández Norambuena, preso pelo sequestro do
publicitário Washington Olivetto e condenado no Chile à prisão
perpétua, acusado de terrorismo, firmaram entendimento de que a
proteção ao criminoso político não se estende a atos terroristas.
No pedido de extradição de Gustavo Adolfo Stroessner, filho do
ex-presidente paraguaio Alfredo Stroessner, concluíram, por
unanimidade, que o STF "não está vinculado ao juízo formulado pelo
Executivo para a concessão administrativa" do asilo político. O
caso, transportado para o refúgio, dá subsídio para os ministros
superarem um dos principais entraves à extradição de Battisti:
definir se são ou não competentes para analisar se a decisão foi
legal.
Também foi derrubada a tese de que condenação à revelia é motivo
para impedir extradição: em 2003, o STF autorizou a extradição do
italiano Alessandro Carbone, condenado a 18 anos por tráfico de
drogas.
Os ministros já revisam o principal caso citado em favor de
Battisti. O processo do colombiano Oliverio Medina, ligado às Forças
Revolucionárias Armadas da Colômbia (Farc), foi arquivado pois o
governo o havia reconhecido como refugiado. A diferença é que Medina
nunca foi julgado na Colômbia.
(©
Estadão)
Primeiro, STF precisa avaliar se a concessão do refúgio
interrompe andamento do pedido de extradição
Felipe Recondo, BRASÍLIA
O processo de extradição do italiano Cesare Battisti deverá
passar por três votações para que o Supremo Tribunal Federal
(STF) determine se ele deve ou não ser extraditado. As duas
primeiras não serão suficientes para confirmar se Battisti será
entregue ao governo italiano, mas serão as mais importantes para
definir o destino do italiano. Se essas questões processuais
forem superadas nessas duas primeiras etapas, Battisti
certamente será extraditado na terceira votação.
Logo no início do julgamento, o tribunal precisa avaliar se a
concessão do refúgio a Battisti interrompe o andamento do pedido
de extradição no STF, como determina a Lei 9.474, de 1997. Foi
com base na lei que os ministros, em 2007, interromperam o
processo contra o colombiano Oliverio Medina.
Os ministros que defendem a tese de que Battisti deve ser
extraditado dispõem de três argumentos distintos para
ultrapassar esse primeiro e mais difícil obstáculo. Podem
aventar a tese de que uma decisão do Executivo não pode impedir
que o Judiciário exerça sua competência constitucional, que é
julgar o pedido de extradição.
Podem também se valer de uma saída mais sutil: dizer que a
concessão do refúgio interrompe o pedido de extradição e não o
processo de extradição. A diferença parece semântica, mas
ministros explicam a questão. O pedido de extradição tramita no
Poder Executivo, entre os ministérios das Relações Exteriores e
da Justiça. Quando esse pedido chega ao STF, ele passa a ser um
processo. Como a lei estabelece que a concessão do refúgio
interrompe o pedido e não o processo de extradição, o Supremo
teria caminho aberto para continuar a debater o caso.
Além desses dois caminhos, os ministros podem afirmar que a
concessão do refúgio só interrompe o pedido de extradição se o
ato assinado pelo ministro da Justiça for legal. Se a concessão
do refúgio for ilegal, os ministros do Supremo não precisarão
nem sequer discutir as minúcias da Lei 9.474.
Passarão a discutir diretamente a extradição. Essa primeira
discussão é a mais polêmica e deve dividir a Corte Suprema.
Se for superada, os ministros passarão a analisar se os crimes
praticados por Battisti podem ser caracterizados como crimes
políticos ou de opinião - o que impediria a extradição; se foi
julgado corretamente; e se ele correria risco de sofrer
perseguição ao retornar à Itália.
Para a maior parte dos ministros, os crimes cometidos por
Battisti estão mais para atos terroristas do que para militância
política. Eles afirmam que, se a Constituição veda a extradição
por crime político ou de opinião, estabelece o repúdio ao
terrorismo.
INSULTO
Os integrantes do Supremo também têm classificado como um
"insulto" à Justiça italiana a alegação do ministro Tarso Genro
de que Battisti pode ter sido perseguido ou prejudicado durante
o julgamento na Itália. A soma desses dois argumentos levará os
ministros a julgarem impossível conceder refúgio a Battisti.
Depois dessas votações e se a tese do governo for derrotada em
ambas, os ministros passarão a julgar a extradição de Battisti
para a Itália.
Essa parte do julgamento deverá ser a mais simples e com placar
mais dilatado. Ministros que no primeiro debate avaliavam ser
impossível rever o ato de concessão do refúgio poderão votar
pela entrega de Battisti ao governo italiano. Bastará, ao final
da sessão, estabelecer como pré-requisito para a entrega do
ativista a conversão da pena de prisão perpétua em privativa de
liberdade no prazo máximo de 30 anos, como determina a
legislação brasileira.
Concluído o julgamento, caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da
Silva autorizar o governo italiano a retirar Battisti do
território brasileiro.
(©
Estadão) |