Inédita no país, comédia "Um Dia (Quase) Igual aos Outros" é
coescrita por Franca Rame
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
A publicitária Júlia entrega de cara a razão do suicídio: perdeu o
eixo, não se adapta ao "bando de oportunistas, hipócritas,
aproveitadores... camelôs que vendem dignidade, bundas e peitos de
silicone".
Sua tentativa (frustrada) de gravar um DVD de despedida para o
ex-marido será o mote da peça "Um Dia (Quase) Igual aos Outros", do
Nobel Dario Fo com sua mulher, Franca Rame. O texto de 1986, até
aqui inédito no Brasil, ganha montagem (com as devidas atualizações
tecnológicas) assinada por Neyde Veneziano e protagonizada por
Débora Duboc.
Enquanto ensaia os termos e tons do testemunho derradeiro, Júlia
atende a telefonemas de mulheres que a tomam por analista e derramam
seu desalento. Na TV de plasma, o folhetim parece narrar a história
da espectadora. Mais tarde, o detetive do filme, enfadado da ficção,
põe-se a tagarelar com ela. Pelas frestas da fortaleza tecnológica
em que a publicitária encastelou a solidão, chega o recado: ninguém
está tão sozinho assim. "Os autores usam a figura da morte para
falar do contrário dela, da pulsação da vida. Eles se apropriam
dessa situação-limite, desse não suportar mais o mundo para fazer um
ritual de passagem e libertação dessa mulher", diz Duboc, 43.
Mas que não se sugira que a sucessão de episódios inusitados é
uma formulação do inconsciente de Júlia, uma defesa contra a morte.
"Não é uma construção da mente dela. É absurdo, é hiperbólico, mas
não entra no surrealismo. É um jogo de equívocos, algo concreto",
afirma Veneziano, 58. Ao que Rame, 80, faz coro: "A vida é absurda.
Guerras, violência, Bush, Berlusconi são todos improváveis se vistos
pelas lentes da razão. Dario e eu só aumentamos o grotesco e a
loucura, pois assim é nosso teatro". Para completar a jornada
vertiginosa de Júlia, dois assaltantes que parecem saídos do circo
Zanni (ou dos filmes "Esqueceram de Mim") invadem seu apartamento e
se deixam embevecer pelo arsenal high-tech. "É um rasgo na
dramaturgia para se homenagear o cômico de picadeiro", diz Duboc.
UM DIA (QUASE) IGUAL AOS OUTROS
Quando: qui., sex. e sáb., às 19h30; dom., às 18h; até 5/4
Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, Centro, tel. 3113-3651)
Quanto: R$ 15
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
(©
Folha de S. Paulo)
Por Ferdinando
Martins
Dizem os cozinheiros que se você
juntar vários ingredientes de excelente qualidade, dificilmente o
resultado será ruim. Seguindo essa lógica, é de se esperar que a
peça Um dia (quase) igual aos outros, que estréia nesta sexta-feira,
dia 13 de fevereiro, em São Paulo, seja um sucesso.
Para começar, o texto é de Dario Fo, dramaturgo italiano que ganhou
o Nobel em 1997. Em seguida, acrescente uma ótima atriz, Débora
Duboc (de Cabra Cega) e uma diretora de primeira, Neyde Veneziano.
Complete com um teatro aconchegante (o do Centro Cultural Banco do
Brasil) e cubra com participações para lá de especiais (Cláudia
Mello, Eliana Rocha, Marcelo Médici, Marco Luque, Grace Gialoukas,
Marcos Caruso, Leonardo Medeiros e Vivianne Pasmanter). Para
acompanhar, os atores Thiago Adorno (de Deus sabia de tudo) e
Fernando Fecchio.
Um dia (quase) igual aos outros, pela primeira vez montado no
Brasil, conta a história de uma empresária bem sucedida, mas
sozinha. "É uma peça sobre estar no mundo, sobre aquelas sensações
de se sentir inadequado que acredito os gays passam muito", disse
Débora para o G Online.
"Há anos Neyde me procurou e conversamos sobre essa peça. A obra
reúne tudo o que há de melhor em Dario Fo. O humor cortante, a
pulsação e a comunicação do homem contemporâneo, a emoção revelada
através da humanidade", afirma a atriz. "Dario é o autor mais
montado no mundo, depois de Shakespeare, o que mostra seu poder de
comunicar, sua popularidade", completa.
No palco, Débora contracena com personagens virtuais (vozes em off
ou imagens em telas), interpretados por consagrados atores da
comédia brasileira. Thiago Adorno e Fernando Fecchio encenam a dupla
de assaltantes, uma homenagem aos palhaços de picadeiro.
O cenário é um apartamento "inteligente", com sistema multi-mídia e
"wireless", controlados por computadores "quase humanos", onde vive
Júlia (Débora Duboc), a personagem central da trama. Júlia,
estressada pelo fracasso afetivo, decide se suicidar. Em vez de
deixar uma carta, inicia a produção de um DVD-testamento, com o
intuito de culpar o ex-marido. O objetivo? Fazer com que ele fique
brocha para o resto da vida!
Local:
Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112
Horários: Quinta a sábado, às
19h30. Domingo, às 18h
Informações pelo tel.: (11) 3113-3651
Ingressos: R$15
(© G
Online)
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