Conjunto também chama a atenção de crítico espanhol por unir
desenho contemporâneo a moinho de 1930 restaurado
Em Ilópolis, cidade de 4.000 habitantes no vale do Taquari,
museu é dedicado ao pão
MARIO GIOIA
ENVIADO ESPECIAL A ILÓPOLIS (RS)
Uma arquitetura projetada para a experiência dos sentidos. Assim o
espanhol Josep Maria Montaner, um dos principais críticos de
arquitetura do mundo, sintetiza as qualidades do Museu do Pão.
Localizado em Ilópolis, cidade pouco conhecida do interior
gaúcho, o prédio de pequenas proporções, em concreto e vidro, é
ligado a um moinho de madeira inaugurado em 1930 e que estava em
situação de abandono, mas que foi recuperado -o conjunto foi
entregue no ano passado. As linhas contemporâneas do novo edifício,
junto com a antiga construção, renovada, deram um novo perfil à área
central da cidade de 4.000 habitantes, com fortes traços de
colonização italiana e situada no vale do Taquari, a 189 km de Porto
Alegre.
Não só Montaner, no jornal espanhol "La Vanguardia", faz elogios
ao projeto do escritório paulistano Brasil Arquitetura.
Em âmbito nacional, o museu começa a ganhar reconhecimento,
exemplificado em dois prêmios importantes dados no final do ano
passado: o Prêmio Rino Levi, conferido pela seção São Paulo do IAB
(Instituto de Arquitetos do Brasil), e o Prêmio Rodrigo Melo Franco
de Andrade, promovido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional), na categoria preservação de bens móveis e
imóveis.
"As premiações por aqui e os textos publicados no exterior nos
surpreenderam. Desenvolvemos bem o projeto, que é simples, mas o
reconhecimento veio mais rapidamente do que era pensado", conta o
arquiteto Marcelo Ferraz, que assina o projeto junto de Francisco
Fanucci e Anselmo Turazzi.
Ferraz conheceu a região em 2003 e se impressionou com os moinhos
espalhados por Ilópolis e pelas cidades vizinhas de Arvorezinha,
Anta Gorda e Putinga. "Quando foram feitos, eram construções que
representavam a técnica mais avançada. E, mesmo em situação de
abandono, a população tinha grande ligação com eles. Por isso,
escolhemos um projeto contemporâneo para marcar essa recuperação",
afirma ele.
Em 2005, um dos moinhos, o Colognese, começou a ser recuperado.
"Estava completamente degradado e à venda. Foi salvo da destruição
por pouco", diz o arquiteto, que conseguiu que a Fundação Nestlé
bancasse a reforma de R$ 600 mil.
Estudantes da cidade receberam capacitação para atuar na obra, em
uma parceria da Associação dos Amigos dos Moinhos do Alto Vale do
Taquari com o Instituto Ítalo Latino-Americano, vinculado ao
Ministério da Cultura italiano.
Museu vivo
Ferraz acredita que o êxito do projeto está no envolvimento da
população local com o museu. "Imaginamos um museu vivo, não pode se
ater somente à exposição. Então, criamos uma oficina de panificação,
que é o coração do museu." O conjunto reúne um módulo de concreto e
vidro, que é "descolado" do chão, integrando um espaço com objetos e
instrumentos usados nos moinhos, painéis sobre a história dos
prédios e um pequeno auditório. "A italianada estranhou no começo.
Era uma estrutura muito nova para a cidade. Mas agora já virou ponto
turístico", conta Ismael Rosset, funcionário da instituição. A
oficina se localiza em uma nova estrutura retangular, ligada ao
antigo moinho, onde deve ser inaugurado em março um café e uma loja.
Os equipamentos de moagem funcionam normalmente e são ativados a
pedido dos visitantes.
(©
Folha de S. Paulo)
Na
serra gaúcha, moinhos dos anos 1920 voltam a funcionar e
inspiram um novo circuito cultural
Por Julio Bezerra
Ele
está entre nós há 12 mil anos. É sinônimo de vida e trabalho, comida
para o corpo e para a alma, parte importante da religião de muitos
povos. Dizem que é o alimento mais antigo e popular da humanidade.
Afinal, quem não gosta de um pãozinho?
Foram os italianos
que expandiram a panificação no Brasil, no início do século XX. No
Vale do Taquari, Rio Grande do Sul, construíram moinhos engenhosos
para a produção do trigo, ingrediente básico não só do pão, como da
sagrada massa diária.
“A história dos
moinhos no Brasil é longa, doida e plena de mistérios”, avisa Manuel
Touguinha. Ele coordena o projeto juntamente com a Associação dos
Amigos dos Moinhos do Alto do Vale do Taquari, que é a principal
responsável pela valorização desse patrimônio na região. Tudo
começou em 1998, quando recebeu a visita de uma amiga, a professora
e ambientalista Judith Cortezão. Andando pela pequena Ilópolis, na
serra gaúcha, ela se deparou com moinhos abandonados e ficou
fascinada. Nascia ali a idéia de criar uma entidade para recuperar
aquela história. (Veja roteiro organizado para visitação em
www.amturvales.com.br)
Depois de muito
trabalho, a Associação começa a tirar resultados do forno. No ano
passado foi inaugurado um conjunto arquitetônico formado pelo antigo
Moinho Colonial Colognese, devidamente restaurado, junto ao qual
foram construídos um Museu do Pão e uma escola de panificação.
Projetado pelos arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucchi, o
conjunto impressiona por unir preservação histórica e ousadia nos
traços e nos materiais utilizados. O Museu abriga exposições sobre o
alimento, contando, por meio de painéis, sua história milenar. Tem
sala de projeção (a única da cidade) e uma videoteca de 200 títulos
do mundo inteiro – todos, de alguma maneira, relacionados com o pão.
A expectativa agora
é que mais moinhos sejam revitalizados, criando um circuito de
visitação no vale: o Caminho dos Moinhos. Quatro deles já estão
funcionando. Dois ainda precisam de restauro, mas produzem farinha.
E a Associação anuncia a finalização de um projeto para o Castaman,
moinho onde querem instalar um braço do Museu do Pão, construir uma
pousada e uma bodega e restaurar a casa dos proprietários – outra
jóia arquitetônica. “Se tudo correr bem, passaremos o ano de 2009 em
obras. Com mais esse moinho, o Caminho se estabelece forte e
irreversivelmente”, espera Marcelo Ferraz.
Eles já têm motivos
para comemorar. Depois de décadas de abandono, os moinhos voltam a
fazer parte do dia-a-dia das comunidades. Conquista que rendeu até
reconhecimento nacional: o Conjunto Arquitetônico Museu do Pão levou
o Prêmio Rodrigo Mello Franco, do Iphan, em 2008, na categoria
“Preservação de Bens Móveis e Imóveis”.
Artigo publicado na
Revista de Historia da Biblioteca Nacional, Edição n.40 – Janeiro de
2009
Veja mais sobre os
encantos do Caminho dos Moinhos no site
www.caminhodosmoinhos.com.br
(©
Ilópolis-RS) |