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Morricone diz que não é engajado e rejeita rótulos para suas trilhas

Compositor italiano Ennio Morricone
 

Maestro italiano afirma que concerto na capital incluirá temas de filmes políticos de Montaldo e Pontecorvo

Antonio Gonçalves Filho,
de O Estado de S. Paulo
 

SÃO PAULO - Mais conhecido como o compositor que ajudou a formatar o gênero western spaghetti nos anos 1960, escrevendo trilhas um tanto híbridas para o diretor Sergio Leone, o maestro italiano Ennio Morricone, que rege a Orquestra Roma Sinfonietta na segunda-feira, 24, no Teatro Alfa, em São Paulo, é muito mais sofisticado do que estão acostumados os ouvintes de temas populares como o de Cinema Paradiso. Autor de mais de 400 trilhas para o cinema e ganhador de um Oscar honorário (2007) pelo conjunto da obra, Morricone compôs para diretores exigentes como Pasolini e Bertolucci, habituados a usar Bach, Verdi e outros compositores do passado em seus filmes.  

Ele não inclui em seu concerto de segunda-feira nenhum desses temas mais complexos, explicando o motivo dessa exclusão na entrevista que concedeu ao Estado, reproduzida a seguir, em que fala de outros diretores politizados com quem trabalhou, entre eles Gillo Pontecorvo (1919-2006), Giuliano Montaldo e Elio Petri (1929-1982). Do primeiro ele selecionou para o concerto brasileiro os temas principais de dois filmes (A Batalha de Argel e Queimada), homenageando o septuagenário Montaldo com Sacco e Vanzetti e Elio Petri com A Classe Operária Vai ao Paraíso e Investigação de Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita

Esses temas integram a segunda parte do concerto, apropriadamente chamada O Cinema do Compromisso. Na primeira, com a mesma duração (45 minutos), Morricone rege a orquestra de 100 músicos e um coro de 80 vozes em temas mais populares como os dos filmes de Leone (Era Uma Vez no Oeste, Três Homens em Conflito), Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore e Os Intocáveis (1987), de Brian de Palma.  

Seus concertos costumam incluir apenas os temas de filmes mais populares escritos pelo senhor em meio século de carreira, entre eles os dos faroestes de seu amigo Sergio Leone ou dos filmes de Giuseppe Tornatore, como Cinema Paradiso. Por que nunca inclui os temas escritos para os filmes de Bertolucci e Pasolini ou suas peças eruditas? O senhor julga essas obras muito complexas para o público médio? 

O concerto não pode durar três horas. Escrevi para mais de 400 filmes. Eu escolho os filmes que as pessoas mais conhecem e, portanto, tenho que excluir alguns outros. É esse o único motivo da exclusão, para que o concerto não seja muito longo. Não creio que as obras excluídas sejam complexas para o público médio, não tem a ver com isso. Excluo por uma questão de tempo do concerto mesmo.

A respeito de Pasolini, quando o senhor começou a escrever trilhas para seus filmes, sua relação com ele parecia tensa. Em Teorema, ele chegou a sugerir que fossem citados trechos do Réquiem de Mozart, sugestão que o senhor rejeitou, respondendo a ele que usasse o próprio Mozart. Como depois essa relação se transformou a ponto de o senhor compor a trilha para Pasolini, Um Delito Italiano, de Marco Giordana? 

Não tínhamos propriamente uma amizade, porque era impossível ser amigo de Pasolini. Ele era muito gentil, muito correto, educado, mas amizade era algo difícil de manter com ele. Pasolini era uma pessoa extremamente rigorosa. Nós nos víamos apenas durante as filmagens. Não nos víamos fora do trabalho, em nenhuma ocasião. 

Pasolini estava certo quando alertava para o perigo de um novo fascismo na Itália?  

Pasolini errou. 

Algumas de suas trilhas mais ambiciosas, entre as mais de 400 que escreveu, como, por exemplo, a de Novecento, para Bertolucci, só agora começam a ser lançadas em CD. Muitas trilhas clássicas, como a de Metello ou La Luna, nunca chegaram a ser ouvidas por seus fãs. O que o senhor tem feito para preservar essa preciosa história musical? Há algum projeto de editar em CD as antigas trilhas escritas para filmes de Florestano Vancini, Valerio Zurlini ou Elio Petri? 

O lançamento de um disco não depende de mim. Depende da vontade da gravadora. Eu não posso fazer nada. Eles lançam as trilhas que quiserem.  

Antes de começar a compor trilhas regularmente, o senhor era presença constante nos festivais populares dos anos 1960, como o de San Remo, onde acompanhou vários cantores. O que significava escrever canções populares? 

Acompanhei alguns cantores no Festival de San Remo, mas apenas como arranjador. Fiz arranjos para alguns cantores importantes e minha presença em San Remo se deve exclusivamente ao fato de eu assiná-los. Eu não compunha as canções, a música não era minha. 

O senhor escreveu muitas trilhas para filmes políticos, entre ela as de Sacco e Vanzetti, dirigido por Giuliano Montaldo, e Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, de Elio Petri. Como o senhor se posicionava politicamente nos anos 1970 e hoje em relação à política italiana? 

Participei de filmes para os quais fui convidado a fazer a música. Não era uma questão de posicionamento político. Nem hoje existe essa questão política para mim. Quando me convidam para fazer um filme, decido se faço o filme ou não com base em outros critérios. Se tenho tempo, faço. Se não tenho tempo, não faço.  

O senhor acaba de reger o concerto de encerramento do Festival de Cinema de Roma, onde incluiu peças musicais menos populares que Cinema Paradiso. O senhor costuma montar o programa de seus concertos segundo as expectativas políticas de seus organizadores? Seu apoio ao Festival de Roma marcou uma posição política, uma vez que seu idealizador era o então prefeito Walter Veltroni, um político de centro-esquerda? 

Não tem nada a ver a expectativa política. O que teria a ver? Escolho o programa conforme a preferência do público. Nunca houve uma escolha política. Participei do festival porque fui convidado.  

Em 10 de novembro o senhor completa 80 anos e, pelo que se diz, vai compor a trilha de Leningrado para Giuseppe Tornatore e do filme Os Intocáveis: A Ascensão de Capone.  

A trilha não existe. Leningrado não foi filmado. Não tenho tempo para fazer a trilha da seqüência de Os Intocáveis. Expliquei para De Palma que não poderia fazer. Quanto às comemorações de 80 anos, não haverá nenhum evento especial, não farei nenhuma festa. 

A maioria de seus fãs o conhece pelos faroestes de Sergio Leone. Como lhe ocorreu a idéia de juntar instrumentos aparentemente inconciliáveis como sinos de igreja e guitarras elétricas em seus filmes? Por que sempre o uso das vozes femininas? Algo contra os barítonos? 

A voz feminina me servia porque acrescentava uma certa poesia às trilhas de Leone. Se tivesse usado um barítono - não tenho nada contra os barítonos -, ficaria sendo um pouco como ópera. Ali, a voz feminina é quase como um instrumento, com se fosse um violino, uma flauta, um canto sem palavras. E o uso dos instrumentos é uma coisa minha, uma vontade de resgatar alguns menos ou quase nunca usados. 

Todo compositor tem seu parceiro favorito no cinema. Hitchcock tinha Bernard Herrmann. Truffaut tinha Georges Delerue e Fellini tinha Nino Rota. Leone foi o seu? 

Pode-se dizer. Mas não trabalhei só com Leone. Trabalhei muito com Mauro Bolognini, por exemplo. Giuliano Montaldo também. Tantos outros diretores que fica difícil escolher. 

Várias vezes convidado para morar em Hollywood, o senhor recusou todas as propostas para se fixar nos EUA. Alguma razão especial, já que o senhor escreveu várias trilhas para diretores americanos, entre eles Mike Nichols e Brian de Palma? 

Porque gosto de Roma, gosto da minha casa, gosto de estar na Itália. Por isso não quero morar nos Estados Unidos. 

O senhor recebeu cinco indicações para o Oscar e até hoje seus fãs não se conformam por Cinzas no Paraíso ter perdido. O senhor acha que o Oscar honorário que recebeu no ano passado foi um prêmio para corrigir essas injustiças? 

Não. Não foram injustiças. A injustiça existe quando alguém faz algo contra uma pessoa. Na premiação do Oscar, as coisas acontecem como aconteceram. Recebi o Oscar pela minha carreira, não só por um filme, mas por todas as minhas obras. 

Sua relação com a música brasileira é antiga: Chico Buarque passou pela Itália e foi próximo do senhor. Seus concertos no Brasil vão incluir alguma peça brasileira? 

Não, porque escrevi apenas arranjos para Chico Buarque. Não compus a música. Não posso executar os arranjos sem o cantor. Não farei nenhuma peça de Chico Buarque. Vou reger apenas a minha música.

(© O Globo)

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