Após queda do premiê Romano Prodi, país tenta encontrar solução para décadas de instabilidade de governos Marcelo Godoy e Gabriella Dorlhiac A crise política que derrubou o governo do primeiro-ministro Romani Prodi na Itália está longe do fim. A opção por um governo institucional - defendida pelo Partido Democrático (PD), o maior da coalizão de centro-esquerda que sustentava Prodi, pela União dos Democratas Cristãos (UDC), de centro-direita, e por alguns partidos da esquerda italiana - é a única saída para os que desejam evitar eleições antecipadas.
Se as negociações para um governo institucional falharem, os italianos terão de ir às urnas regidos por uma lei eleitoral conhecida como La Porcata (a porcaria) - nome dado pelo seu próprio autor, o ex-ministro Roberto Calderoli, do partido de direita Liga Norte. Ao prever um sistema de voto proporcional, a lei provocou a fragmentação partidária - há 33 partidos representados no Parlamento - e, ao impor que esses partidos se agreguem em duas grandes alianças, ela tornou o governo refém de micropartidos sem os quais não há maioria possível.
Essa é análise do senador José Luiz Del Roio, da Refundação Comunista. Nascido em São Paulo, Del Roio exilou-se na Itália durante o regime militar, onde fez carreira política.
A opinião é a mesma de Edoardo Pollastri, o outro brasileiro que ocupa uma cadeira no Palazzo Madama, sede do Senado italiano. Eleito na lista da coalizão de centro-esquerda União, Pollastri disse ao Estado que “a lei eleitoral italiana complica muito a situação política, especialmente no Senado, onde as maiorias não tendem a ser maiores do que dois, três, ou quatro votos”.
A grande mudança na lei, para Pollastri, seria estabelecer um mínimo de 5% dos votos para que um partido tenha representação no Parlamento. “Com isso, mais da metade das pequenas legendas já seriam eliminadas, permitindo a formação de coalizões mais homogêneas.”
A falta de homogeneidade foi justamente o grande problema de Prodi, que contava com apenas dois votos a mais do que a oposição no Senado. A instabilidade política, porém, não é uma novidade na Itália. Desde a queda do fascismo, o país viu o desfile de incontáveis governos constituídos e desfeitos com a rapidez das estações do ano. A instabilidade e um certo jeito de fazer política podem ser resumidos na máxima italiana que diz “primeiro se vota, depois se decide com quem governar” e pela célebre afirmação de Giulio Andreotti, sete vezes primeiro-ministro: “O poder desgasta quem não o tem”.
‘MISÉRIA HUMANA’
A atual crise que levou à queda de Prodi (PD) veio da ala moderada de sua coalizão, embora desde a sua posse, há 20 meses, fosse esperado que o governo caísse por uma ação da esquerda. “O governo caiu pelo que chamo de miséria humana”, disse Del Roio. Essa “miséria” seria representada pelos interesses pessoais dos líderes de dois micropartidos moderados que tinham seis votos no Senado: Lamberto Dini, dos Liberais-democratas e Clemente Mastella, do Udeur - ministro da Justiça que renunciou no dia 10, após ser acusado de corrupção e de empreguismo. Apesar de ter dito que continuaria apoiando o governo, Mastella retirou cinco dias depois seu partido da coalizão de centro-esquerda.
“Mastella e Dini odiavam o governo, à medida que ele se distanciou do alinhamento automático à política externa americana no Iraque e Afeganistão”, disse Del Roio. Além disso, Prodi caiu ainda por causa do grande rearranjo partidário que começou a se desenhar na política italiana. Trata-se de um movimento que busca adiantar-se à reforma eleitoral, diminuindo a fragmentação partidária.
Na centro-esquerda, a união entre os moderados e ex-comunistas levou à criação do Partido Democrático (PD), uma espécie de PMDB. À esquerda, cinco grupos devem se unir para as próximas eleições: Refundação Comunista (RC), Partido dos Comunistas Italianos (PDCI), Verdes, Esquerda Democrática e Esquerda Européia. A Cosa Rossa (“Coisa Vermelha”), como está sendo chamada, deve assumir o nome de Sinistra-Arcobaleno (“Esquerda Arco-Íris”). “Esse processo não interessa a Mastella e a outros pequenos partidos, que perderão o poder atual”, afirma Del Roio.
Na direita, o ex-primeiro-ministro e magnata da mídia Silvio Berlusconi lançou a idéia de um grande partido de centro-direita, sob sua liderança. A Cosa Bianca (“Coisa Branca”) poderá chamar-se Partido da Liberdade e agruparia os atuais Força Itália (de Berlusconi) e integrantes da Aliança Nacional (AN), Liga Norte e UDC. Berlusconi enfrenta, porém, resistências dos moderados da UDC e dos direitistas da AN.
LUTA ACIRRADA
Nesse contexto, novas eleições, com ou sem reforma eleitoral, flagrariam as duas grandes coalizões italianas num momento de luta acirrada, com as lideranças da centro-esquerda, tanto Prodi quanto o secretário-geral do PD, Walter Veltroni, ou da centro-direita (Berlusconi) sendo contestados em seus partidos, o que não garantiria muita estabilidade.
Mesmo um governo institucional para fazer a reformas eleitoral apoiado pela centro-esquerda e pela UDC - Berlusconi quer eleições imediatas - encontraria problemas. É que ele terá de aprovar o orçamento para as missões militares italianas no Afeganistão e em Kosovo.
“Em sete anos que estamos no Afeganistão, não houve reconstrução, o cultivo de ópio só aumentou e não houve pacificação. Por que gastamos uma montanha de dinheiro no país?”, questionou Del Roio. Se Prodi caiu diante da chantagem dos moderados, um novo governo de centro-esquerda começaria sob a ameaça da esquerda radical.
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Estadão) |