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O cinema das entrelinhas

Foto: Mimmo Cattarinich

Foto comemorativa pelo 70º aniversário de Fellini na revista Sette
 

O italiano Mimmo Cattarinich, um dos maiores fotógrafos de set da história, ganha retrospectiva inédita no Brasil e conversa com o Estado sobre sua carreira

Flávia Guerra

“O problema de fazer fotos eróticas é não fazer só fotos de mulheres nuas, mas sedutoras acima de tudo. Mas hoje a maioria dos leitores se contenta em ter só uma mulher nua diante de si. A obviedade impera”, afirmou o fotógrafo italiano Mimmo Cattarinich, certa vez, quando questionado porque não faz mais as fotos eróticas que o tornaram um dos mais célebres fotógrafos europeus, capaz de captar com precisão a sensualidade de mulheres belíssimas para publicações que vão desde a Playboy até os mais importantes jornais e revistas da Itália e do mundo. Mas Mimmo não registrou apenas belas divas. Clicou desde presidentes até anônimos, de paisagens amazônicas aos confins africanos. “Não só na área das fotos de belas mulheres, mas em todas as artes, anda faltando paixão”, disse em conversa por telefone com o Estado, na sexta, em Roma, minutos antes de embarcar em direção a São Paulo, onde abre na quarta, para convidados, a exposição O Mago da Luz - Mimmo Cattarinich.

Mas o que elevou o fotógrafo ao status de ‘mago da luz’ foram suas imagens dos bastidores do cinema. Filho de um dono de restaurante que havia dentro dos estúdios de Dino De Laurentiis, em Roma, Mimmo teve acesso privilegiado a sets de filmagem de diretores como Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Vittorio de Sica.

E soube aproveitar a sorte. Muito por paixão e um pouco para ganhar alguns trocados, começou a fazer serviços como assistente no laboratório de Aurelio De Laurentiis (pai de Dino). Finalmente fez sua estréia como fotógrafo de cena em 1961, em Os Invasores, de Mario Bava. Não parou mais e se tornou um dos nomes mais requisitados quando o assunto era não só documentar, mas contar por meio de imagens a história por trás de um filme. Já com a carreira consolidada, clicou o histórico set de Ata-me, de Pedro Almodóvar. Imperdíveis, as cenas dos bastidores do filme do diretor espanhol estão entre as melhores já clicadas do gênero still (fotos de sets de filmagens).

Em anos e anos como fotógrafo de cena, ou de still, Mimmo fez de tudo. Menos ser óbvio. “Como é difícil encontrar vida em algumas imagens. Sobre uma mesa luminosa desfilam indolentes focos de filmes e atores. (...)Closes de fotos sem profundidade, os longos campos sem objetivo e significado. (...) Nenhum filme vivo, nenhum diretor trabalhando, nenhuma vida no set de filmagem, nada...”, escreveu Piera Detassis, editora da revista Ciak, a mais importante publicação especializada em cinema da Itália, no catálogo sobre Cattarinich. E completa: “Mas nas fotos de Cattarinich, as histórias de set e de cinema são múltiplas e impressionantes, implorando para se destacar e sair da moldura. (...) Como poucos, ele sabe recolher o momento em que o ator se abandona ao diretor numa devoção que faz deste relacionamento um ato de doação sagrada.”

São esses momentos divinos, que captam as entrelinhas do trabalho desde astros como Sofia Loren até anônimos técnicos de som, que chegam nesta semana ao País. Em uma mostra inédita, o Sesc Pinheiros exibe O Mago da Luz. Em suas fotos de set que poderiam ser meros registros das cenas dos filmes, Mimmo prova que tudo depende do modo como se faz isso. “Não fui eu quem inventou o ofício. Nem quem subverteu o modo de fazê-lo. Antes de mim, outros já haviam sido muito bons. No início da era do cinema, os filmes de Hollywood não eram vistos antes de serem vendidos aos exibidores pelo mundo. Eram as fotos de cena que ‘vendiam’ esses longas aos compradores. E por isso eram muito mais narrativas do que artísticas.”

Mimmo deve ficar na cidade até o fim do mês. Na quarta, abre a exposição e ministra palestra para uma platéia privilegiada que o escutará falar do trabalho e da sua amizade com os grandes de uma das eras mais prolíficas do cinema. “No set do Federico (Fellini), por exemplo, éramos de fato uma família. Enquanto o trabalho não acabava, ninguém ia embora. Mas quando a tarefa estava completa, íamos todos jantar juntos. Hoje, um assistente meu, se passa um pouco do seu horário, é capaz de deixar um set e ir jantar sozinho. E eu pergunto: Que prazer há nisso? Não é melhor terminar em equipe um trabalho do que jantar sozinho?”, brada ele.

É este olhar arguto e raro que ele traz em sua terceira viagem ao Brasil. “Já estive no Rio e duas vezes na Amazônia. Viajei aos confins da floresta. Foi incrível. Totalmente diferente de tudo o que já tinha visto. São Paulo eu sei que é imensa e diferente. Estou curioso. Os brasileiros sempre foram muito gentis comigo”, adianta. Mimmo faz questão de esclarecer que a escolha que fez das imagens que chegam aqui dizem respeito só a seu trabalho nos sets. “Não são minhas reportagens geográficas nem mesmo as mais sensuais. São as que contam as histórias dos filmes”, explica. “Tentei escolher fotos que comovam também o brasileiro. Que tenham a ver com a história do cinema e dos filmes que o público do Brasil também assistiu”, conta ele, cuja exposição tem curadoria de Patrícia Oliveira, musicoterapeuta e amiga do fotógrafo.

E quando diz que selecionou fotos que ajudam a contar a história do cinema, não exagera. Foi ele que, com Fellini, ajudou a cunhar um dos termos mais famosos da mídia atual, o paparazzo. Personagem de La Dolce Vita, Paparazzo ganhou vida real quando Mimmo deixou que o amigo Tazio Secchiarolli também clicasse as cenas dos sets de Fellini. Sem contar que Mimmo por vezes abria inesperadamente a janela de seu estúdio para que os paparazzi fizessem fotos inesperadas dos atores. Na quinta, a vasta exposição será aberta ao público. E permanece em cartaz até 30 de março. No dia 13 de fevereiro, será exibido A Estrada, de Fellini, e dia 20, é a vez de O Leopardo, de Luchino Visconti.

No fim do mês, o fotógrafo ministra workshop para outros mais privilegiados ainda, que aprenderão com ele “que fazer fotos de cena é estar, antes de tudo, disposto a travar uma cumplicidade com os atores e diretor, o que precisa de tempo, paciência e respeito”. “Muitos comentam as belas imagens que fiz de Sofia Loren, de Marcello Mastroianni e de tantos outros. Mas elas não surgiram por acaso. Quando se trabalha em um set, aprende-se que tão importante quanto observar é respeitar o tempo de cada um. Todos têm seus melhores ângulos e momentos. E quando percebiam que eu sabia respeitar isso e fazia belas fotos de cena, acabavam confiando em mim e se entregando à câmera. Ou até mesmo esquecendo que eu estava ali durante a filmagem”, conta ele, que até hoje mantém seu badalado estúdio fotográfico no largo Federico Fellini, na Via Veneto, uma das mais célebres do mundo.

Serviço
O Mago da Luz - Mimmo Cattarinich.
Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, 3095-9400. 3.ª a 6.ª, 13 h às 22 h; sáb. e dom., 10 h às 19 h. Até 30/3. Abertura quarta, 19 h, para convidados

(© Estadão)

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