PARIS (AFP) — Ettore Sottsass, morto no dia 31 de dezembro último, em Milão, aos 90 anos, considerado o "papa" do design italiano, influenciou decoradores e designers do mundo inteiro com seu gênio criativo, acompanhado de um espírito anarquista e de sua rejeição a qualquer tipo de conformismo. Ele se auto-intitulava "arquiteto-designer", mas este artista pouco convencional, de comportamento descontraído até o final de seus dias, não gostava nem da indústria, nem da simetria, nem de rótulos. Este amante das cores fortes e do exotismo, conheceu o mundo inteiro, mas nenhuma ideologia o satisfazia, apesar de um breve flerte com a extrema-esquerda. Para ele, apenas a não-violência e "a liberdade para a humanidade" valiam a pena. Sottsass foi o inventor da "Valentina", popular máquina de escrever portátil de plástico vermelho, emblema dos anos de 1970, que foi, pouco a pouco, substituída nos escritórios por máquinas chinesas mais baratas. Já naquela época, trabalhou na criação do primeiro computador, o Elea 9003. "Freelancer" após obter seu diploma de arquiteto em Turim, trabalhou de 1958 a 1981 para Olivetti. Sua segunda obra mundialmente conhecida foi a estante "Carlton", enquanto ele dirigia, junto com Michele De Lucchi, o grupo de Memphis, que queria "conjugar mecanização e prazer", e inspirou arquitetos das décadas de 80 e 90 nos Estados Unidos e na Europa, sobretudo, para a construção de subúrbios mais humanizados. Ettore Sottsass nasceu em 14 de setembro de 1917, em Innsbruck, na Áustria. De sua infância, ele guardaria o amor pela montanha, que se transformou em gosto pelas torres, legado de sua mãe austríaca. Seu pai, italiano, também chamado Ettore, era um "mestre" da arquitetura, área na qual iniciou o filho. Aos 22 anos, já era arquiteto. Também era o período da guerra, e este jovem rapaz se integrou ao Exército fascista. A ideologia de Mussolini não lhe agradava, e sua resistência era projetar casas, justamente, para escapar da guerra. Milanês, ele funda em 1947 uma agência com sua futura mulher, Fernanda Pivano. A vida amorosa deste homem apaixonado seria tumultuada, sobretudo, com Barbara Radice e Eulalia Grau. Nos EUA, trabalha na agência de George Nelson. Para Sottsass, a arquitetura, sem o design interior, é uma escultura. Ele pouco construiu, mas participou, porém, de inúmeras realizações, como o aeroporto de Milan Malpensa. Apaixonado pela França, doou ao Centro Pompidou seus arquivos da Olivetti: 1.500 fotos e 600 desenhos. De seu país, ganhou quatro vezes o Prêmio Compasso de Ouro.
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Design que desafia o DesignÍCONES Ettore Sottsass, aos 90 anos, um dos expoentes do desenho italiano do pós-guerra, prioriza em seu trabalho a emoção, a sensualidade e o humor Maria Ignez Barbosa
Filósofo ou anarquista do design. Isso é o que no mínimo se pode dizer do arquiteto Ettore Sottsass, hoje com bem conservados 90 anos e que ao longo da vida nunca deixou de compulsivamente pensar. Pensa quando está ao telefone, no banheiro, sentado à mesa de jantar, no sofá. Exceto em seu estúdio, a Sottsass Associati, onde, segundo ele, pensar não é possível, pois ali há gente demais circulando.
Foi em Innsbruck, na Áustria, de pai italiano e mãe austríaca, que nasceu, em 1917, esse que é hoje o decano dos designers italianos e que, depois de formado pela Universidade Politécnica de Turim, dedicou a carreira a rever o que chamava de “pensamento estático em relação ao design fundamentado no funcional”, e a sacudir o que dizia serem as estruturas burocráticas da indústria. Ettore é sem dúvida identificado como um dos maiores expoentes do design surgidos na Itália do pós-guerra, e suas idéias sobre o passado e o futuro são até hoje levadas em conta por jovens designers de sucesso, como os contemporâneos Ronan e Erwan Bouroullec.
Radical, dizia acreditar que o futuro só vai começar quando o passado tiver sido esquecido, desmantelado, e que sua lógica tenha sido reduzida a pó e nostalgia. Filho de um arquiteto de renome, e tendo em casa só ouvido falar de funcionalismo na arquitetura e no design, Ettore, desde o início da carreira, batalhou para que o design fosse menos racional e mais excitante, sensual e divertido. Tinha interesse em criar objetos que desafiassem o então design italiano que ele via como girando em torno de status e dinheiro. Segundo ele, o design tem de servir como meio para se discutir a vida, a sociedade, a política, o erotismo, a comida e o próprio design. Nessa linha, sua produção sempre beirou o limite do antidesign, constantemente questionando e repensando idéias e processos.
Sobre a guerra de 1945, onde lhe foi dado servir num campo de concentração na Iugoslávia, comentou: “Não vi nada de corajoso ou de gratificante nessa ridícula guerra da qual participei. Não aprendi nada. Foi total perda de tempo”. Em seguida, antes de se mudar para Milão, em 1946, quando a carreira de fato iria deslanchar, chegou a trabalhar com o pai em projetos habitacionais.
Ao aceitar ser curador de mostras na Trienal de Milão, de escrever para a Domus, famosa revista de arte e arquitetura, e desenhar cenários de teatro, foi ganhando prática e renome. Em 1956, com a primeira mulher, Fernanda Pivano, em sua primeira viagem a Nova York, passou um mês trabalhando no estúdio do designer americano George Nelson. Impressionado com a cidade, onde disse ter se sentido como no filme Metrópolis, de Fritz Lang, chegou a comentar que ali sua cabeça mudou da água para o vinho. Instado a desenhar uma linha de objetos em cerâmica, teve a oportunidade e o estímulo para pensar mais sob a ótica do desenho industrial do que o da arquitetura.
Movimento Memphis
De volta à Itália, tornou-se consultor da firma Poltronova, para a qual desenhou móveis que até hoje são reeditados e também os superbox closets, em plástico listrado e laminado. Foi, no entanto, a sua passagem pela Olivetti o que lhe trouxe reconhecimento internacional. Ali, com a ajuda de engenheiros, criou produtos não só inovadores mas também esteticamente atraentes, influenciados pelas culturas pop e beat, e assim permitiu que o nome da empresa ficasse associado para sempre ao design industrial de ponta. A Elea 9003, a primeira calculadora italiana, ganhou para a Olivetti o prêmio Compasso de Ouro (1959); em 1963, Sottsass criou a máquina de escrever Práxis; em 1964, a Tekne, e, em 1969, a de maior sucesso de todas, a Valentine, de plástico vermelho-vivo. Chegou a desenhar computadores e, em 1970, fez a Synthesis 45, cadeira de escritório em cores vivas de modo a que cor e alegria entrassem no ambiente de trabalho. Mais tarde ele falaria da Valentine, até hoje considerada um ícone pop, em termos um tanto depreciativos: “Era por demais óbvia, um pouco como a menina usando saias muito curtas e muita maquilagem”.
Sempre avançando os sinais, em 1972, para uma exposição no MoMA, chamada A Nova Paisagem Doméstica, Sottsass apresentou um grupo de contêineres de plástico sobre rodinhas que podiam mover e ser rearrumados de modo a criar diferentes áreas ou ambientes numa casa. Sua teoria era de que essas unidades eram “formalmente exoneradas do estado étnico de serem possuídas”. Em miúdos, ele dizia não estar minimamente interessado em objetos graciosos e elegantes e menos ainda em desenhar coisas silenciosas que deixassem o espectador seguro e tranqüilo em seu status quo psíquico e cultural.
Foi no auge dessas idéias subversivas, que visavam a provocação do olhar e dos sentidos, e depois de passar pelo radical Studio Alchimia, onde também trabalhavam Alessandro Mendini e Andréa Branzi, que Sottsass resolveu formar com Branzi o grupo Memphis, movimento antidesign que veio a caracterizar o estilo pós-moderno e que passou a reunir designers não só italianos mas também estrangeiros preocupados em produzir objetos e móveis que servissem ao debate sobre o design contemporâneo. Com motivos da arquitetura clássica ou do kitsch dos anos 50, material barato como o laminado plástico e cores ousadas e contrastantes, davam mais ênfase à aparência e ao significado do objeto do que propriamente à sua praticidade. A primeira exposição, na Feira do Móvel de Milão, em 1981, foi um sucesso enorme, apesar das críticas a um suposto “mau gosto”. O movimento Memphis, nome tirado da música de Bob Dylan, chegou a ser visto como o futuro do design, a chegada da luz depois do racionalismo e rodou o mundo até que Sottsass, em 1985, cansou-se e resolveu abandoná-lo.
Edições limitadas
A partir daí concentrou-se no estúdio Sottsass Associati, onde tem a colaboração de ex-membros do Memphis e onde voltou a se dedicar à arquitetura, aceitando projetos para cadeias de lojas, prédios públicos e casas. Nunca deixou, no entanto, de seguir com seus projetos artesanais em cerâmica e vidro - em setembro passado, expôs com enorme sucesso de vendas móveis em edições limitadas e objetos para surpreender e, por que não, encantar, na galeria Friedman Benda, em Nova York. Seu trabalho continua priorizando a emoção, provocando a nossa sensibilidade e sobretudo divertindo. Se diz um egocêntrico, de poucos amigos e um eterno viciado em design. (nese@estadao.com.br)
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Estadão, 29.12.2007) |