Há
décadas, descendentes de italianos, ao redor do mundo, vêm tentando
enfrentar uma implacável “norma” discriminatória capaz de dividir
suas famílias em cidadãos italianos e estrangeiros.
Como você receberia a informação consular de que ao seu irmão
mais novo seria reconhecido o direito à cidadania de sua mãe,
enquanto a você, não?
Apesar de ser uma situação difícil de se acreditar, é exatamente
isto o que vem acontecendo, há anos, quando das visitas aos
Consulados Italianos, espalhados pelo mundo. À parte de uma mesma
família é oferecido o reconhecimento como cidadão italiano, enquanto
à outra, não.
A dois irmãos, de mesmos pai e mãe (quando apenas a mãe é
italiana), em virtude da diferença nos anos em que nasceram, são
oferecidos tratamentos diferentes. Se um irmão nasceu depois de
1948, tem direito à cidadania para si e seus descendentes. Se nasceu
antes, não tem.
Isso não acontece quando a descendência italiana ocorre pela
linha exclusivamente paterna. A ironia está em que o princípio
basilar que informa a transmissão da cidadania na Itália é o do Jus
Sanguinis, ou seja, pelo vínculo sangüíneo, sendo que é exatamente a
mãe quem é a responsável pela gestação da criança e por dá-la à luz.
Como pode, então, subsistir este tratamento se são filhos de
mesmo pai e mãe, portanto, dotados do mesmo sangue de família?
O que esta mãe pode fazer para reparar tamanha injustiça?
O problema tem raízes históricas e a maioria das pessoas acredita
que a Lei assim o determina. Mas não é o que ocorre, pois mesmo
entre juristas existem opiniões bastante divergentes.
A regra geral, presente nos consulados italianos ao redor do
mundo, estabeleceu que os filhos do casamento de mulher italiana,
com cidadão estrangeiro, nascidos antes de 1948 não teriam direito à
cidadania italiana, enquanto os nascidos depois, sim. Em outras
palavras, um irmão podia ser reconhecido como italiano, enquanto
outro não, mesmo sendo filhos de mesmo pai e mãe.
Essa regra, basicamente, traduz duas decisões das mais altas
cortes de justiça do Estado Italiano, que resumidamente
estabeleceram que a igualdade entre homens e mulheres, quanto à
transmissão da cidadania italiana a seus descendentes, somente
ocorreria a partir da entrada da Constituição Italiana em vigor, em
janeiro de 1948.
Claro que para todos, essa interpretação cria uma situação
inusitada, incômoda, que tem motivado esforços no sentido de
solucioná-la, motivo pelo qual vários Tribunais Italianos mudaram
sua interpretação quanto à legislação pertinente, passando a acolher
os pedidos de reconhecimento de cidadania, recusados
administrativamente em consulados de várias partes do mundo.
É assim que surgiram diversas e conhecidas decisões: 1996
(argentino, Corte di Cassazione, Sentença nº 6297/96), 1996 (Corte
di Cassazione, suíço), 1999 (argentino, Trib. de Torino), 1996
(Corte di Cassazione, canadense), dentre outras. Há informações de
que existem muitos outros casos já julgados e aceitos, porém, é
preciso lembrar que cada caso tem uma sentença específica, a qual
não se pode generalizar. Algumas questionam o momento do nascimento
como o momento de transmissão da cidadania, passando a considerar a
filiação. Outras levam em conta as leis dos países estrangeiros com
cujos maridos as mulheres italianas casaram-se, para saber se houve
perda automática ou não de cidadania. E assim por diante.
O fato é que muitas pessoas passaram a obter sua cidadania,
recorrendo ao Poder Judiciário, porém, é importante lembrar,
trata-se de uma porta estreitamente aberta, somente acessível
àqueles que possuem recursos financeiros suficientes para ingressar
em juízo num país europeu.
Se o problema em questão é essencialmente jurídico, não deixa
também de possuir uma vertente política. Existe um temor infundado
de que a Itália venha a ter um enorme contingente de novos cidadãos
italianos, se a legislação viessem a contemplar casos como esse em
discussão. Mais ainda. Há, atualmente, por parte dos descendentes de
italianos no Brasil, a preocupação permanente de que novos critérios
para a cidadania venham a ser estabelecidos pelo governo italiano,
com o intuito de diminuir consideravelmente os casos possíveis de
transmissão desse direito, o que teria levado a uma certa “corrida”
para a obtenção da cidadania italiana e um certo sentimento de
“salve-se quem puder”.
Talvez, por este receio, a comunidade italiana, com raras
exceções, vem se mantendo distante dessa discussão, quase que via de
regra, ignorando, ou, pelo menos, não dando a devida atenção ao que
ocorre nesse campo, deixando sem resposta os pedidos de união em
torno de um movimento de para cobrar dos parlamentares italianos,
principalmente daqueles representantes dos italianos no estrangeiro,
a solução definitiva do referido problema.
Porém, muito mais do que a simples busca por um passaporte, o que
se está discutindo é a desigualdade de tratamento entre irmãos, de
mesmo pai e mãe, na situação de apenas a mãe ter sido italiana, e
também o desconforto familiar causado por essa situação, que
desconsidera o amor pela cultura ou pelas tradições familiares
italianas, considerando-se apenas, para os efeitos legais, uma data,
a data a que se refere uma determinada lei e as interpretações em
torno disso.
Mas se é um problema político, é muito mais um problema jurídico.
A Constituição de 1948 e as demais leis que estabeleceram
tratamento igualitário entre homens e mulheres no tocante ao tema,
como se poderia supor, somente produzem efeito a partir de sua
vigência. Logo, todas as inconstitucionalidades da Lei nº 555/12
deixam de existir no período anterior à vigência da Constituição, em
1948, o que poderia conduzir a uma interpretação mais literal da Lei
nº 555/12, como ocorreu numa sentença emanada pela Suprema Corte, em
2004, a qual estabeleceu que a mulher italiana, perdendo a sua
cidadania no casamento com estrangeiro, não passaria sua cidadania
italiana a qualquer de seus filhos, não mais importando a data em
que teriam nascido, seja antes ou depois de 1948.
A tentativa de sistematizar a jurisprudência, por parte da Corte
di Cassazione é louvável, porém, com isso, desconsideraríamos o fato
notório de que qualquer sistema jurídico preserva valores sociais e,
mesmo quando se dizem imparciais ou científicos, estão a preservar
interesses da sociedade.
Por isso, já houve quem dissesse que aquele que escolhe a
neutralidade, já teria tomado o partido do mais forte. No caso em
questão, escolher a lei gramaticalmente quando ela traz situações de
crueldade e frieza, justificando-se na força que lhe é dada pelo
Estado, é defender que o homem existe para as leis, e não o
contrário. Mas a verdade é que o Ordenamento Jurídico existe para o
homem e para a sociedade. Os valores humanos, portanto, é que
informam o Ordenamento Jurídico, sem os quais este não tem sentido.
E a finalidade de toda a lei é a Justiça.
A solução definitiva para o problema seria a produção de uma nova
lei ou então da consolidação de uma jurisprudência, pela mais alta
corte do país, no sentido de reconhecer que, tendo sido praticamente
obrigada a migrar para outro país, no mais das vezes como menor de
idade, seguindo sua família, no desafio de cruzar o Atlântico, na
busca pela sobrevivência, esta mulher italiana jamais poderia ter
perdido a sua nacionalidade ao casar-se com estrangeiro, porque a
ela não teria sido dada outra maneira de sobreviver numa terra
estranha, muito longínqua da sua. Nesse sentido, o próprio
Ordenamento Jurídico perde o seu valor, posto que, para cumpri-lo,
esta mulher estaria arriscando sua vida e de sua família (ao ter de
mantê-la eternamente). E nenhuma lei pode exigir ao cidadão aquilo
que não pode ser feito.
No mais, é preciso lembrar que estas senhoras saíram de suas
terras, praticamente sem saber ler ou escrever, criadas com a
finalidade precípua de serem “donas de casa”, casar e ter filhos, e,
estando no estrangeiro, não fizeram outra coisa, senão cumprir
fielmente seu papel social. Não se pode julgar, portanto, essa
emigrante italiana, com a mesma lei, ou com o mesmo espírito de lei,
com que se julgaria uma mulher italiana, residente na Itália, porque
são casos totalmente diferentes. A mulher italiana, residente na
Itália, tinha muito mais chances de se casar com um italiano, como
nos parece óbvio, e, por causa disso, julgar com a mesma medida
(lei), dois casos tão desiguais, penalizando-as com a mesma perda de
cidadania, seria penalizar a própria emigração feminina. Mas o que
ocorre quando essa emigrante não tinha outra escolha senão partir,
seja por acompanhar, como menor, a mudança da “casa” de seus
familiares, seja na luta pela sobrevivência?
E é exatamente este o ponto em que fundamento a opinião, segundo
a qual, a sociedade que julgar igualmente a mulher italiana
emigrante, tal como julgaria a mulher italiana residente em seu
país, incorre no grave erro de discriminar a primeira; humilde, mas
corajosa, que aceitou o seu destino de lutar pela sobrevivência em
outras terras, sem que com isso tenha, jamais, perdido o amor por
sua pátria.
É preciso reconhecer que há um Direito muito maior do que aquele
escrito no Ordenamento Jurídico, o Direito a ser tratado com Justiça
e Igualdade, lembrando que a Igualdade é exatamente o caso de se
medir as situações desiguais e aplicar medidas desiguais, mas
compatíveis entre si proporcionalmente. Logo, a mulher emigrante
italiana jamais poderia ser julgada com o que preceitua a Lei nº
555/12, uma vez que a ela não teria sido dada outra possibilidade de
agir e que, neste sentido, esta lei perderia seu valor, sendo
aplicável ao caso os princípios da isonomia (a referida igualdade
acima descrita), razoabilidade, e proporcionalidade, enfim, os
princípios jurídicos, que valem mais do que as regras, pois a estas
condicionam, para, enfim, com eles, se produzir a verdadeira justiça
a que todos merecemos.
Somente no dia em que o Estado Italiano reconhecer isso, quer
pela pressão da comunidade italiana, quer pela compreensão das
Cortes de Justiça, a mulher emigrante italiana estará
definitivamente livre da incompreensível discriminação que vem
sofrendo, desde que saiu de sua humilde casa, no século passado,
acompanhada de seus familiares, para cumprir o papel que, antes
mesmo da existência do Estado Italiano, lhe foi passado, de geração
em geração, qual seja o de casar, ter filhos e amar a sua família e
pátria.
Amamos a nossa MAMA querida e os valores que ela nos transmitiu
traduzem o verdadeiro motivo pelo qual todos temos nos levantado
contra esta inaceitável discriminação.
Pelo fim da discriminação contra a Mulher emigrante
italiana
Ficar neutro é discriminar e continuar discriminando
Atualmente, parlamentares italianos discutem o projeto de lei nº
1607 (que, segundo o Prof. Horácio Guillén (1), teria unificado
diversos outros projetos numa proposta única), visando mudança na
legislação sobre cidadania italiana, na busca de um tratamento mais
igualitário para imigrantes da comunidade européia. Um ótimo momento
para incluir um artigo objetivando resolver o referido problema.
Porém o dito projeto ainda não incorporou as modificações
necessárias à solução do caso em questão, motivo pelo qual é
necessário enviar mensagem (em italiano) ao seu relator (e-mail do
Senador: BRESSA_G@camera.it
), bem como a outros parlamentares e autoridades governamentais,
pedindo a inclusão
de texto que ponha fim a essa discriminação.
Abaixo, apresentamos, a título de sugestão, texto elaborado por
nós, a ser apresentado a parlamentar italiano, relator do projeto nº
1607, lembrando o assunto e a necessidade de sua solução legal (a
tradução para o italiano encontra-se mais adiante).
Prezado Senhor Parlamentar,
Relator do Projeto de mudança na lei de cidadania italiana (Projeto
nº 1607),
Como é de seu conhecimento, a situação atual da mulher italiana
que se casou com estrangeiro (em geral, aquela humilde emigrante que
foi lutar pela sobrevivência em outro país), restringe a transmissão
de sua cidadania para os seus filhos nascidos após 1948, o que
divide os seus filhos entre cidadão italianos e estrangeiros, todos
filhos de mesmo pai e mãe, todos tendo recebido a mesma educação e
os mesmos valores familiares.
Como sabemos, somente uma alteração na lei de cidadania italiana
poderia pôr fim a este problema discriminatório, pelo que,
expressamos nosso apoio a projeto de lei capaz de solucioná-lo e
depositamos, na compreensão e no esforço dos Senhores, as nossas
mais nobres esperanças na realização de um projeto bem sucedido com
este intento.
Obrigado."
Gentile Signore Parlamentare,
relatore del Proggetto di nº 1607 che tratta dei cambiamenti della
legge di cittadinanza italiana.
Conforme è di vostra conoscenza, la situazione attuale della
donna italiana sposata con un straniero (spesso umili emigrati che
sono partiti per salvarsi della fame in Italia e garantire la loro
soppravivenza in un´altro paese) non trasmette la cittadinanza ai
figli per conto di una semplice data arbitraria. Risulta che la
attuale legge fa restrizione del diritto di cittadinanza ai figli di
genitora italiana, nati dopo l´anno 1948, fato che divide i figli
della stessa copia tra cittadini italiani e stranieri, anche se sono
cresciuti ed educati con gli stessi valori famigliari.
Sappiamo che soltanto un´alterazione nella attuale legge su
la cittadinanza italiana potrebbe risolvere questo probblema
discriminatorio. Speriamo che questo proggetto riesca soluzionare
l´attuale probblematica che penaliza tanti discendenti italiani che
desiderano la cittadinanza.
Abbiamo fiducia che voi parlamentari farano un grande sforzo
per aiutarci.
Grazie.
Cordialmente,
Tradução da Professora Neiva Zanatta Hoffmann,
como colaboradora do presente artigo.
nzanatta@terra.com.br
Não custa lembrar da necessidade de identificar-se, no corpo de
sua mensagem, com nome completo, cidade onde mora, onde nasceu.
Seria interessante também esclarecer se é italiano (Sono Italiano)
ou descendente de italianos (Sono discendente d´ italiano).
E-mail de alguns parlamentares:
Senad. Franco Danieli (Vice-Ministro dos Italianos no Mundo)
danieli_f@posta.senato.it
Senad. Cláudio Micheloni (Eleito no estrangeiro)
micheloni_c@posta.senato.it
Senad. Luigi Pallaro (Eleito no estrangeiro)
pallaro_l@posta.senato.it
Senad. Edoardo Pollastri (Eleito no estrangeiro e reside no
Brasil)
(para este Senhor, a mensagem pode ser em português)
pollastri_e@posta.senato.it e
pollastri@pollastri.com
Senad. Nino Randazzo (Eleito no estrangeiro)
randazzo_a@posta.senato.it e
ninran@iprimus.com.au
Senad. Antonella Rebuzzi (Eleito no estrangeiro)
rebuzzi_a@posta.senato.it
e
antonella_rebuzzi@libero.it
Senad. Renato Guerino Turano (Eleito no estrangeiro)
turano_r@posta.senato.it
Dep. Giuseppe Angeli (Eleito no estrangeiro)
ANGELI_G@camera.it
Dep. Mariza Bafile (Eleita no estrangeiro)
BAFILE_M@camera.it
Parlamento Italiano (onde se pode obter outros e-mails)
www.parlamento.it
(1) Horácio Guillén (Professor de Direito e um dos principais atores
na luta argentina contra essa discriminação, por intermédio de sua
organização PROCIVITA –
www.procivita.org), foi elaborado projeto de lei, apresentado
no Senado Italiano, sob o número 1836:
http://www.camera.it/_dati/lavori/schedela/trovaschedacamera_wai.asp?PDL=1836.
Sobre o problema:
Durante anos, os consulados italianos, ao redor do mundo, tiveram
como regra fazer a seguinte distinção entre filhos de mulher
italiana, casada com estrangeiro:
1. os filhos nascidos antes de 1948, não têm direito;
2. aqueles nascidos depois, têm.
Ocorre que essa regra cria a situação inusitada, e insustentável,
de se ter irmãos, filhos de mesmo pai e mãe, com tratamentos
diferentes. Mesmo "sangue", porém, com tratamentos diferentes: um
tem e outro não tem direito à cidadania da mãe.
Legislação básica pertinente ao assunto:
A antiga Lei nº 555/12 estabelecia que a cidadania italiana era
passada de pai (homem somente) para filhos e estabelecia que a
mulher italiana, quando casava com estrangeiro, perdia a sua
cidadania, se a lei do país de seu marido atribuísse a ela
automaticamente a cidadania do país dele.
Em 1948, a Constituição da Itália deu igualdade de direitos entre
homens e mulheres, mas nada disse especificamente sobre o que
estabelecia a Lei nº 555/12.
Por sua vez, uma conhecida sentença da Corte Constitucional
declarou inconstitucional a parte do artigo 1º da Lei nº 555/12 que
não reconhecia como cidadão italiano, por nascimento, os filhos de
mulher italiana casada com estrangeiro, porém nada disse sobre o
momento do início dessa inconstitucionalidade (mas uma decisão da
Corte de Cassazione disse que essa inconstitucionalidade só poderia
atingir os casos após 1948 – entrada em vigor da Constituição).
Em 92, finalmente, surge uma nova lei italiana (Lei nº 91) a
cuidar dos assuntos de cidadania, a qual pôs fim a qualquer
tratamento desigual entre homens e mulheres, porém sem resolver as
questões do passado. Ficou decidido também que aquelas mulheres que
tivessem perdido a sua cidadania, ao casar-se com estrangeiros,
teriam o prazo até 15 de Agosto de 1994 para declarar a vontade de
reconquistá-la.
* Este artigo é de autoria de João Luís de
Souza Duarte - Escritor, ex-Professor Universitário, Estudante do 7º
semestre de Direito, Servidor Público Federal, residente em
Fortaleza, Ceará, estudioso dos assuntos de cidadania italiana.
adm_jduarte@hotmail.com