Selecionada para Bienal de Veneza, a dupla gaúcha Detanico e Lain
inaugura exposição na galeria Vermelho, em SP
"Ano Zero" apresenta seis trabalhos realizados com ferramentas
tecnológicas, mas buscam a simplicidade em seu resultado final
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Num mundo marcado pelo excesso de imagens, textos e o crescimento
vertiginoso da tecnologia, a dupla Detanico e Lain, constituída
pelos gaúchos radicados em Paris Ângela Detanico e Rafael Lain,
busca uma fruição desacelerada do objeto artístico por meio de um
deslocamento do uso das próprias ferramentas tecnológicas.
O procedimento não é novo, em verdade algo muito próximo do que
se realizou nos anos 60, com os membros do grupo Fluxus, entre eles
o pai da videoarte Nam June Paik, que questionou a velocidade da TV,
implantando, por exemplo, um imã sobre o aparelho, distorcendo suas
imagens.
Oriundos do design, a diferença é que Detanico e Lain, 32 e 33,
cresceram no auge do boom do uso de programas de computador e usam
tais ferramentas de maneira quase artesanal, invertendo a lógica de
seus procedimentos usuais.
Isso é que se pode ver a partir de hoje em "Ano Zero", mostra que
a dupla apresenta na Galeria Vermelho, em São Paulo, composta por
seis trabalhos.
Em junho próximo, os artistas representam o Brasil da Bienal de
Veneza, junto ao carioca José Damasceno, dentro de uma concorrida
agenda em 2007.
A primeira obra que se vê na mostra, dando título a ela, é
justamente "Ano Zero", um vídeo composto por 26 imagens de 26 frases
que se sucedem. A única inteligível é "Antes de Cristo, Depois de
Cristo". As outras frases seguem o padrão de letras dessa
construção, mas variam nas letras de acordo com o "antes" ou o
"depois", como se o ano zero fosse o ano zero da linguagem -uma obra
enigma que aborda as convenções da escrita.
Ainda no primeiro andar da galeria, os artistas expõem 22
estrelas representadas por meio de uma codificação um tanto
insólita, escolhidas entre as 287 estrelas com nomes classificados.
Para tanto, eles usam uma tipologia criada por eles mesmos, em
parceria com Jiri Skala, "Helvetica concentrated", que faz com que a
mancha de tinta de cada letra se transforme num círculo, outra forma
cifrada usada pela dupla.
As estrelas vistas na mostra são, em verdade, o uso sobreposto
dessas "letras" redondas de acordo com o nome de cada uma.
"Alpheratz", por exemplo, é composta por nove círculos sobrepostos.
"Trabalhamos aí com a noção de tempo, já que olhar para uma
estrela é olhar para o passado, e algumas demoram 2.500 anos para
que sua luz chegue a nós", conta Detanico.
Aí está uma das formas que a dupla busca a desaceleração do
olhar, utilizando-se de ferramentas da linguagem de forma deslocada.
Suas estrelas são construções artificiais, assim como qualquer
imagem digital.
Procedimento parecido é visto em "Broken Morse", esse no primeiro
andar da galeria. A obra tem por base uma pintura de Samuel Morse, o
criador do código Morse que também era pintor. A dupla selecionou a
pintura "Gallery of the Louvre", a partir de uma imagem na internet,
separando as 256 cores que formam tal imagem, como ocorre com
qualquer imagem padrão da internet.
Novamente, um trabalho um tanto braçal, que desvenda a construção
da imagem.
"A maioria das pessoas que trabalham com tecnologia pensa nos
limites, nós pensamos em "low tech'", diz Lain.
Além da dupla, a Vermelho apresenta a obra "Camuflagem", criada
por Fabio Tremonte para a fachada do espaço, constituída por uma
série de imagens do céu colada no prédio da galeria. Também na área
externa, Luiz Alfredo Guedes apresenta desenhos pornográficos em
"Santa Ceia" e o belga David Neirings exibe "Roof Top Painting 2", a
simulação de uma piscina no topo do local.
ANO ZERO
Quando: abertura hoje, 20h; de ter. a sex., das 10h às 19h, sáb, das 11h
às 17h. Até 24/3
Onde: galeria Vermelho (rua Minas Gerais, 350, SP, tel. 0/xx/11/
3257-2033)
Quanto: entrada franca
(©
Folha de S. Paulo)
Criada em 1895, Veneza é a mais antiga bienal
DA REPORTAGEM LOCAL
Criada em 1895, a Bienal de Veneza foi a primeira do gênero, com
as obras selecionadas por países, no modelo das exposições
universais, e em um sistema competitivo, ou seja, com premiação.
Atualmente, conta-se cerca de cem bienais de artes plásticas em todo
mundo, sendo que a de São Paulo é a segunda mais antiga, criada em
1951.
São Paulo aboliu as representações nacionais em sua última edição,
realizada no ano passado sob curadoria de Lisette Lagnado. Veneza é
a única que segue com o projeto original, em parte porque as
representações nacionais, desde 1907, passaram a ter pavilhões
construídos pelos próprios países.
Em 1964, o Brasil foi dos últimos países a construir seu próprio
edifício no Giardini. São apenas 34 pavilhões no total. Na 52ª
edição da Bienal, que será aberta ao público em 10 de junho, já
estão confirmados 86 países. Com curadoria geral de Robert Storr,
que trabalhou no MoMA entre 1990 e 2002, a África terá destaque na
mostra.
Desde 1993, por um acordo realizado pelo então todo-poderoso Edemar
Cid Ferreira, a Fundação Bienal de SP indica os representantes
brasileiros em Veneza. A prática seguida foi de que o curador da
Bienal de SP indicava também a representação nacional, o que foi
rompido neste ano: ao invés de Lagnado, foi indicado o então gerente
de exposições Jacopo Crivelli Visconti.
Segundo Manuel Francisco Pires da Costa, presidente da Fundação
Bienal, Lagnado foi descartada pois Crivelli é mais barato e é
considerado uma extensão da diretoria.
"Indiquei o Jacopo pois o orçamento da Bienal [passada] foi além do
que eu gostaria e em termos de custo ele é mais interessante. Como
ele conhece bem o dia-a-dia da instituição, ele vai ser o olho do
presidente." (FABIO CYPRIANO)
(©
Folha de S. Paulo) |