Assimina Vlahou
De Roma
Um best-seller que coloca em dúvida vários episódios da
vida de Jesus está causando grande polêmica na Itália, às vésperas
da publicação do primeiro livro do papa sobre Cristo.
Os autores de Inquérito sobre Jesus, que
está há várias semanas na lista dos livros mais vendidos do país, dizem,
entre outras coisas, que a ressurreição de Jesus pode ter sido fruto de
alucinação de seu seus discípulos.
O livro traz uma entrevista com o professor de
História especializado em cristianismo Mauro Pesce, da Universidade de
Bolonha, conduzida pelo jornalista Corrado Augias.
Nele, Augias e Pesce questionam,
além da ressurreição, data e local do nascimento de Cristo, que Maria
tenha dado à luz permanecendo virgem, e que Cristo tivesse intenção de
fundar uma nova religião.
Desde que foi lançada, no fim do ano passado, a
obra já vendeu 450 mil cópias na Itália. Deve ser ainda publicada no
Brasil.
Releitura
No capítulo dedicado à ressurreição de Jesus,
definido por eles como o mais delicado, Augias e Pesce especulam que o
episódio – um dos fundamentos da fé cristã – pode ter sido apenas fruto
de alucinação dos discípulos.
“Muitas visões, inclusive as mais recentes, como as
de Fátima, indicam que o visionário acabou vendo realmente o que
desejava ver”, diz o texto.
O livro aponta imprecisões nos cálculos que
determinaram a data de nascimento de Jesus.
“Não sabemos até que ponto podemos confiar em Luca
(um dos evangelistas), que escreveu 50 anos depois da morte de Cristo,
com base em informações de terceiros”, escrevem os autores.
Outra tese do livro, uma das que mais provocaram
reações negativas nos ambientes católicos, sustenta que Jesus não tinha
intenção de fundar uma nova religião, e se limitava a pregar aos judeus
mantendo-se fiel tradição da religião hebraica.
“Ele nunca tentou converter os não-judeus. Isto
seria feito depois de sua morte, por alguns seguidores e pelas igrejas
cristãs, mudando bastante o que Jesus pregava e praticava.”
‘Ataque’
O jesuíta Giuseppe De Rosa, da influente revista
semanal Civiltà Cattolica – cujo conteúdo passa sempre pelo aval
da secretaria de Estado do Vaticano – disse que o livro é um “ataque
frontal à fé cristã”.
Em artigo na revista, De Rosa afirma que a pesquisa
“nega o cristianismo em sua totalidade e as verdades cristãs
essenciais", e que ela define os evangelhos canônicos como "lacunosos e
manipulados".
Em um longo artigo publicado no jornal Avvenire,
da conferência episcopal italiana, o padre Raniero Cantalamessa,
predicador da casa pontifícia, criticou o livro por defender a tese de
que "o Jesus autêntico não é o da igreja".
Padre Cantalamessa colocou em dúvida as fontes
usadas pelos autores, como os evangelhos considerados não oficiais pela
igreja católica.
Defesa
Para os autores do livro, ambos conhecidos e
respeitados na Itália, não há nada na pesquisa que possa ofender a fé
cristã.
"Não é a oposição entre o que Jesus foi e o que a
igreja pensa ter sido, mas entre o que as pessoas sabem e o que as
pessoas não sabem”, declarou Pesce em entrevista à BBC Brasil.
Ele disse que o livro se baseia quase totalmente
nos quatro evangelhos canônicos (oficiais), embora também tenha usado
outras fontes.
"Os estudos dos últimos 30 anos revolucionaram as
teorias tradicionais. Agora, avalia-se a relação entre os vários textos.
Em alguns casos os evangelhos apócrifos (não reconhecidos pela igreja)
dão informações muito importantes”, afirmou.
O livro aumentou ainda mais as discussões sobre o
passado e a vida de Jesus Cristo, assunto amplamente comentado no mundo
católico com as teses levantadas por bestsellers como O Código Da
Vinci - que dizia, entre outras coisas, que Jesus e Maria Madalena
viveram juntos e procriaram.
Mas o Vaticano está reagindo. Em abril será lançado
o aguardado livro do papa Bento 16 sobre a vida de Cristo, Jesus de
Nazaré, do batismo no Jordão à Transfiguração.
(©
BBC Brasil)
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