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O médico italiano
Nicola Scopinaro |
Especialista
criou há 30 anos técnica que restringe a quantidade de alimentos
consumidos e limita a absorção de calorias
Tiago Décimo,
SALVADOR
Neste ano, o médico
italiano Nicola Scopinaro, de 61 anos, recebeu homenagens pelo mundo
todo. Há três décadas, ele revolucionou a medicina mundial ao inventar
uma nova técnica de cirurgia bariátrica (redução de estômago).
Naquela época, os procedimentos cirúrgicos para redução e controle da
obesidade começavam a ser praticados - os primeiros foram realizados na
década de 60 - e eram de alto risco para os pacientes. Scopinaro
propôs,então, uma mudança: em vez de a cirurgia simplesmente restringir
a quantidade de alimentos consumidos pelos pacientes, o procedimento
deveria impedir o organismo de absorver as calorias excessivas.
A
cirurgia disabsortiva - ou, simplesmente, técnica Scopinaro -, consiste
em reduzir o tamanho do estômago e retirar dois metros e meio de
intestino delgado (que, em geral, tem sete metros). Com isso, as enzimas
que permitem a absorção dos nutrientes passam a ter ação restrita. “A
técnica é a que permite a maior perda de peso e o menor ganho do peso
eliminado”, explica o cirurgião baiano Marcos Leão Villas-Boas, que
presidiu o 8º Congresso Brasileiro de Cirurgia da Obesidade, realizado
em Salvador, em dezembro. O encontro contou com 800 profissionais,
além de Scopinaro, que concedeu a seguinte entrevista.
Como o senhor chegou à técnica que leva o seu nome?
Quando me formei, tinha 23 anos e queria fazer algo diferente da maioria
dos meus colegas. Foi quando conheci a cirurgia bariátrica, que na época
era muito pouco difundida. Meu começo, porém, foi trágico. Enfrentei
vários problemas nas primeiras cinco cirurgias. As técnicas eram
rudimentares, ainda havia poucos estudos na área e acabei perdendo dois
pacientes. Fui evoluindo, mas pensava: “deve haver uma forma mais
inteligente de fazer com que os obesos percam peso”.
E qual era?
Achei que o fundamental não era reduzir a capacidade de comer do obeso,
mas impedir ao máximo que as enzimas que permitem que o organismo
absorva as calorias excedentes, em especial provenientes de gordura e de
carboidratos, agissem sobre os alimentos. Por outro lado, precisava
garantir que os nutrientes necessários para uma vida saudável fossem
absorvidos. Chamei isso de absorção seletiva de nutrientes. Comecei a
elaborar teorias e passei a fazer testes em cachorros, até que em 12 de
maio de 1976, fiz a primeira cirurgia em humanos.
Qual foi o resultado?
Ótimo! A primeira paciente a passar pela cirurgia é uma italiana que
hoje tem 70 anos e está saudável. Ela, porém, não perdeu tanto peso
assim. Precisava diminuir 50 quilos e perdeu pouco mais de 30. Mas ela
nunca mais recuperou esse peso perdido.
A quais conclusões o senhor chegou após a primeira experiência?
Que ainda mais importante do que a perda de peso é a manutenção dele
após a redução. Essa é a mágica da cirurgia. Não há como o organismo de
alguém operado com esse procedimento readquirir o peso perdido.
E como isso é possível?
Com a cirurgia, as enzimas que digerem os alimentos ficam com apenas 50
cm do aparelho digestivo, no intestino delgado, para atuar. Isso faz com
que sobre pouco tempo para o corpo absorver os nutrientes e as calorias.
Logo após a operação, o paciente pode comer o que e quanto quiser. Não
vai haver diferença na balança, porque o organismo não tem como absorver
as calorias excedentes. É uma limitação de absorção de energia. Homens,
depois da cirurgia, costumam estabilizar seu peso por volta dos 85
quilos e as mulheres, por volta dos 75, não importando quanto os
pacientes pesavam antes. Em outros procedimentos, cedo ou tarde, os
pacientes voltam a seu peso original se não fizerem alterações profundas
em seus hábitos alimentares e de atividade física.
Se é assim, por que a cirurgia de Scopinaro não é a mais popular
entre os pacientes (a mais comum é a cirurgia de Capella ou by-pass
gástrico, responsável por cerca de 60% das operações do gênero)?
Apesar dos ótimos resultados, o procedimento é complexo. Eu diria que é
uma operação perigosa. Exige muito estudo por parte dos cirurgiões. Não
é todo médico que está habilitado a realizá-la. Ainda assim, hoje, cerca
de 20% das cirurgias bariátricas feitas no mundo são disabsortivas (no
Brasil, estima-se que sejam 5%). Mas se todos os médicos resolvessem
aplicar esta técnica hoje, haveria um massacre de obesos. Fico feliz que
o crescimento seja lento. Ficaria satisfeito se, no ano que vem, 21% das
cirurgias bariátricas fossem disabsortivas. Se a porcentagem crescesse
mais do que isso, eu ficaria preocupado.
A cirurgia de Capella tem uma taxa de mortalidade de cerca de 0,5%
dos pacientes. Qual é a de sua técnica?
Hoje está por volta de 1%, porque a cirurgia é restrita aos médicos
preparados para fazê-la. Se houvesse muitos aventureiros tentando
aplicá-la, a taxa seria bem maior.
E quais são os efeitos colaterais da cirurgia que o senhor inventou?
Com o tempo, notamos que alguns pacientes ficam com carência na absorção
de proteínas e outros passam a sofrer de diarréia crônica. Em 1% dos
casos, é preciso fazer uma nova cirurgia para corrigir os problemas. Mas
também há bons efeitos colaterais. Todos os pacientes operados nunca
mais tiveram problemas com colesterol alto. Após a cirurgia, o nível
volta ao normal e não sobe nunca mais. E por causa da menor ação das
enzimas no organismo, a diabete desaparece dos que sofrem da doença.
Mas esses bons efeitos colaterais ainda não são totalmente
reconhecidos pela comunidade científica...
Hoje, só nos Estados Unidos, cerca de 200 mil pessoas são submetidas a
cirurgias bariátricas por ano. É a segunda operação mais popular do
país, só perde para a apendectomia (retirada do apêndice). Então, já
temos uma boa base de dados de estudos. Anote aí: no fim do ano que vem
estaremos realizando cirurgias bariátricas não só em obesos, mas em
qualquer pessoa que tenha diabete ou que esteja ameaçada pelo
colesterol, não importando seu peso.
Qual o problema do aparelho digestivo que causa doenças como diabete
e colesterol alto e que, depois de uma operação que visa à redução de
peso, deixa de causá-los?
A sociedade passou por uma série de avanços muito rápidos e a biologia
não teve como acompanhar esse processo. Por isso, há um descompasso
entre como a digestão funciona e como deveria funcionar. Fomos
geneticamente construídos para armazenar o máximo de energia no corpo e
para gastar pouco as reservas. Isso vem de uma época em que o alimento
era escasso. Hoje não é mais assim. O próprio estômago, por exemplo,
deixou de ter razão de existir. Ele é, basicamente, um saco onde se
guarda comida dentro do corpo. Não precisamos mais guardar alimentos no
organismo. E esse descompasso vale para quase todo o aparelho digestivo.
Ele foi construído em uma época diferente, em que as necessidades eram
outras. Como mudaram as necessidades, o corpo humano ainda está se
habituando, mas são esses descompassos que causam boa parte dos males
relativos à digestão. Nosso papel é aperfeiçoar a natureza.
Quanto o senhor pesa?
Cerca de 72 kg (ele mede 1,77). Estou sempre de dieta. Não tenho
problema com diabete ou colesterol. E pouca pressão alta, por causa do
stress.
Se o senhor tivesse problema com diabete ou colesterol, com o peso
que o senhor tem, faria a cirurgia?
Claro! Se podemos eliminar problemas tão graves,
por que não?
(©
Agência Estado)
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