Retornar ao índice ItaliaOggi

Migrazioni ItaliaOggi

 

Itália faz trato com Líbia e freia imigração

20/09/2009

Foto: Luciana Coelho/Folha Imagem

Barco da Guarda Costeira italiana, em Lampedusa

Ilha de Lampedusa, que no ano passado recebeu mais de 30 mil africanos, registrou só 192 chegadas desde maio deste ano

Acordo permite a Trípoli capturar imigrantes ilegais no mar que separa os dois países; juristas criticam a ação do governo Berlusconi

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A LAMPEDUSA, ITÁLIA

O centro de detenção de clandestinos de Lampedusa -a ilha que se tornou símbolo da política anti-imigratória do governo do italiano Silvio Berlusconi- está vazio. Por causa de um acordo fechado por Roma com a Líbia em maio, os milhares de africanos que desembocavam todo mês nesse pedaço de terra de 20 km2 ao sul da Sicília pararam de chegar. Mas não pararam de vir.

O tratado com Trípoli determina que as forças de Muammar Gaddafi podem patrulhar as águas entre os dois países. Podem também capturar imigrantes clandestinos pegos no mar e levá-los à Líbia, de onde eles, em tese, solicitariam permissão para entrar na Itália.

Ninguém checa suas nacionalidades. Segundo assistentes humanitários, são majoritariamente homens jovens. Muitos são eritreus. Mas também há congoleses, sudaneses e nigerianos. Ninguém pergunta a razão pela qual deixam seus países. Em alguns barcos, chegam mulheres e crianças.

"Na Líbia, eles são jogados em centros e ficam lá sem prazo determinado", disse à Folha Laura Boldrini, a porta-voz na Itália do Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados). E quais as condições desses centros? "Trípoli não tem lei sobre asilo. Não permite a entrada do Acnur. E não assinou as Convenções de Genebra [que protegem as vítimas de conflitos armados]."

Magistrados italianos reunidos no fim de semana passado para debater o problema consideram o acordo -e a recente legislação que criminalizou a imigração irregular- uma violação da Constituição.

"É interessante observar a contradição dessa prática com toda a tradição ocidental. O direito de migrar é um dos primeiros direitos universais do ser humano e está na base da Constituição italiana", defende Luigi Ferrajoli, professor de filosofia do direito da Universidade de Roma.

Para ele, a "política da expulsão" é "racista e hipócrita" em um país que no último século exportou tantos migrantes.

Segurança

O governo Berlusconi comemora o sucesso. De maio até setembro, apenas 192 pessoas chegaram à ilha -uma queda de 92% em relação ao mesmo período do ano passado. Ao todo, em 2008, desembarcaram 31.247 africanos nas baías de areia clara e água turquesa que atraem turistas das classes média e média baixa italianas.

Muitos dos que não chegam mais morrem à deriva, sem ajuda das embarcações cujos tripulantes temem prestar socorro e ser considerados cúmplices numa atividade ilegal.

Posta na berlinda na semana passada na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a embaixadora Laura Mirachian afirmou que a Itália recebeu um fardo maior do que pode levar e que a cooperação com a Líbia era crucial para acabar com a atividade de tráfico humano na região.

A travessia é cobrada e ocorre de maneira precária, às vezes com centenas de migrantes amontoados num bote. "Uma vez pegamos um barco com 350 pessoas a bordo. Nem se você visse acreditaria que conseguiram colocar tudo aquilo", diz em um português tímido Cesare Dellinoci, da Guarda Costeira local. "Ficaram pelo menos quatro dias no mar."

Antes do acordo com a Líbia, os quatro barcos da Guarda Costeira mantinham um trabalho frenético de ronda e resgate. Hoje, as horas são de ócio.

Na África

Com sua vegetação de semiárido, suas casas de linhas retas e cores solares e suas ruas mal asfaltadas, Lampedusa fica a apenas 113 km da Tunísia, 180 km da Líbia -e a 220 km da Sicília. "Estamos muito mais na África do que na Europa", conclui o capitão Antonio Morana.

A viagem de um imigrante pode levar dez horas ou 20 dias. "Depende do piloto e da rota que ele faz. Depende da época do ano. Eles saem em dias que nós, com nossos barcos, não saímos porque o mar está agitado", completa Dellinoci.

Há um mês no cargo, Morana teve seu "batismo" no fim de agosto, quando resgatou uma embarcação com cinco eritreus que dizem ter perdido 70 companheiros em um périplo estimado em 20 dias.

Indagado sobre a versão dos náufragos de que outras embarcações os ignoraram, o capitão refuga. "O tema é muito delicado para o governo. Preciso de autorização para falar."

Os italianos com quem a reportagem conversou veem uma população dividida sobre a lei. "A população italiana nos últimos dez anos, sobretudo sob Berlusconi, sofreu lavagem cerebral. O debate sobre esse tema se tornou muito pobre ao focar só em segurança", lamenta Laura Boldrini, do Acnur.

Mas, na pequena ilha de 6.000 habitantes, o tratado com a Líbia é endossado por questões econômicas. "Com o acordo, melhorou muito. Se pegamos aqui, os devolvemos para lá, de onde saíram", diz o comerciante Pasquale, gerente de um dos inúmeros pequenos hotéis da ilha.

"Não tem o que fazer aqui. E não tinha como eles não serem vistos. Eles são diferentes. Os turistas fugiam, achavam que estaria cheio de "clandestini" aqui", completa sua mulher, Steffania. "Quem ia querer vir de Milão para isso?"

(© Folha de S. Paulo) 


Ritmo frenético dá lugar a calmaria em centro de triagem

Centro de Acolhida de Lampedusa, que já abrigou mais de 2.000 pessoas, hoje é ocupado apenas por funcionários

Maior responsabilidade do local hoje é separar menores de maiores, com base em controverso exame ósseo, e prestar primeiros socorros

DA ENVIADA A LAMPEDUSA Nos três pequenos prédios, que comportam exatas 804 pessoas -mas que já chegaram a abrigar a um só tempo mais de 2.000- há apenas os funcionários. Uns reclamam do tédio. Outros temem perder o emprego. Com 60 contratados e 20 temporários, o quadro acabou grande demais para tão pouco trabalho. Os salários já estão sendo reduzidos.

O Centro de Acolhida de Lampedusa, que chegou por alguns meses a chamar-se Centro de Identificação e Expulsão, é administrado por uma cooperativa e gerido como empresa privada. Além das instalações administrativas, tem refeitório, local para oração, enfermaria e um pátio de triagem com bancos de cimento.

Os quartos distribuídos pelos barracões, um para mulheres e crianças e dois para homens, comportam, cada um, seis beliches com colchões de espuma em um espaço de mais ou menos 6,5 m2.

O banheiro é dividido em cubículos apertados com chuveiros e tem uma longa pia de alumínio, ambos em mau estado de conservação apesar da falta de uso atual. A água vaza pelo chão. Fotos internas das instalações foram vetadas.

Em janeiro, um desentendimento entre os internos culminou em um incêndio. Havia então 1.200 pessoas ali, mas ninguém se feriu gravemente. Tudo depois foi repintado.

A primeira coisa que a repórter ouve do diretor ao atravessar os portões frágeis é que a cooperativa havia ganho a licitação do governo italiano por propor cuidar de cada imigrante por "33 por dia".

Federico Miragliotta, 31, está à frente do centro desde sua abertura, há dois anos. Antes havia outro, no norte escarpado da ilha. "E antes eles chegavam em grupos pequenos, de 20 pessoas, e as próprias pessoas da ilha cuidavam", diz.

Muitos desembarcavam achando que era a Sicília, onde poderiam pegar um trem, seguir para o resto da Itália e dali para França, Alemanha, Suíça.

"Antes de ter o centro, eles davam a volta na ilha em um dia e descobriam que estavam presos do mesmo jeito, sem ter aonde ir. Sem documento não se pega avião", conta Steffania, nascida em Lampedusa.
A maioria dos que são levados ao centro passa menos de uma semana ali antes de ser deportada ou transferida a outros centros na Sicília até que tramite o pedido de asilo.

Mas no ano passado, muitos chegaram a ficar por dois meses. A situação ficou caótica. Só em outubro, desembarcaram mais de 4.000. Uma parte dormiu ao léu. "Trabalhamos em um mês o que trabalhávamos o ano todo", lembra Miragliotta.

A maior responsabilidade do centro hoje é separar os menores de idade -que podem ficar até que tramite o asilo- dos maiores, que são deportados. A decisão tem base em um exame ósseo cujo resultado tem margem de erro considerável.

Também é feito ali o primeiro tratamento para os que chegam do mar, normalmente desidratados, com câimbras, infecções intestinais e escaras surgidas da higiene precária.

O centro oferece ainda apoio psicológico, mas a médica Luisa Grillo afirma ser difícil distinguir entre quem tem problema de fato e quem finge ter para ficar. Um gráfico na parede mostra que os males recorrentes nos recém-chegados são histeria e depressão.

Miragliotta insiste que os doentes são no máximo 25%. "A maioria é jovem e está em condição de saúde muito melhor do que os italianos." (LC)

(© Folha de S. Paulo)


Imigrante congolês agora trabalha com direitos humanos

Dez anos após chegar à Itália, Denis afirma que ainda sofre com preconceito; "muita gente se acha no direito de agredir'

Africano critica política migratória do governo Berlusconi: "Estão dizendo a pessoas como eu que elas não podem ter esperança"

DA ENVIADA A LAMPEDUSA

Denis fala seu francês nativo, italiano fluente, um pouco de espanhol e algo de inglês. Pergunta, sem graça, se a palavra certa é "sonho". Está tentando responder o que o fez sair da República Democrática do Congo e se arriscar em uma terra que não parece querê-lo ali.

Diz que foi embora da África porque queria trabalhar com direitos humanos na Europa, mas mais correto parece ser afirmar que ele trabalha com direitos humanos porque foi embora.
"Estão dizendo para essas pessoas, que são como eu, que elas não podem ter esperança, que não podem ser italianas."

O rapaz magro e que parece ter muito menos do que seus 31 anos chegou na Itália há dez e quer esquecer a viagem. "Te juro. Apaguei." Indagado sobre a porta de entrada no velho continente, responde de pronto: "Lampedusa". Depois recua e diz que é brincadeira.

Do preconceito encontrado depois, no entanto, ele fala fácil. A pior fase, diz, foi quando começou a faculdade de direito, que está terminando agora. "Foi muito difícil. Ainda é, embora menos. E eu leio muito, aprendi a língua. Mesmo assim, muita gente se acha no direito de agredir, de tratar mal."

Denis era o único negro entre os cerca de 6.000 habitantes de Lampedusa (há quatro famílias norte-africanas e árabes vivendo na ilha há anos). Mas estava de passagem, pois hoje vive em Milão, onde estagia para um advogado que trabalha com direitos humanos, quase sempre em casos ligados à imigração.

Não são muitos, afirma, os que querem representar os clandestinos nos tribunais.

Diz ser de esquerda e fala com interesse de política. "A Itália tem medo dos imigrantes. E os políticos usam isso para ganhar votos", argumenta. "O pior é que a esquerda também não faz nada, finge que não vê o problema e não constitui alternativa. Temos um racismo institucionalizado." (LUCIANA COELHO)

(© Folha de S. Paulo)


Ônibus evoca apartheid em cidade no interior da Itália

AE - Agencia Estado

SÃO PAULO - A sombra do apartheid, o regime segregacionista que isolou brancos e negros na África do Sul entre 1948 em 1990, paira desde março no sul da Itália. Na cidade de Foggia, a 380 quilômetros de Roma, a prefeitura criou uma linha de ônibus, a 24/1, exclusiva para transportar imigrantes africanos - quase todos negros - até o Centro de Acolhimento de Estrangeiros de Cara, mantido pelo Ministério do Interior. Já os moradores italianos fazem o mesmo trajeto em separado, na linha 24.

A adaptação foi criada pela ATAF, a empresa de transporte público do município e é defendida pelo prefeito Orazio Ciliberti, que justificou a iniciativa ao jornal "La Repubblica" alegando questões de "ordem pública". Segundo a autoridade, parte dos 154 mil moradores da capital da região de Puglia estaria em atrito com os cerca de 800 imigrantes que residem no centro, situado a 15 quilômetros da cidade. Aos estrangeiros recaem constantes acusações de roubos e crimes. "Não se trata de racismo, mas da possibilidade de criarmos um serviço melhor. Ninguém impede os imigrantes de caminhar dois quilômetros a mais e pegar um outro ônibus até o centro", disse Ciliberti, político de centro-esquerda.

A prática, contudo, difere do discurso, conforme o Estado constatou. No interior dos ônibus para estrangeiros não há brancos. A linha 24/1 - cujo nome original, 24/i, de "imigrantes", foi substituído após protestos de organizações não-governamentais (ONGs) - faz o mesmo trajeto que a linha 24, entre o centro e o distrito de Borgo Mezzanone. No fim, há apenas uma extensão de dois quilômetros, que liga o distrito ao Centro de Acolhimento de Estrangeiros de Cara, apelidado, por ironia, de "campo". Nos veículos identificados com o número 24/1, os imigrantes não pagam passagem, enquanto pagariam nos ônibus para brancos. Além disso, ele não faz paradas no caminho, seguindo diretamente para o centro, o que impede moradores locais de utilizar o serviço.

Entre os imigrantes, que dependem do parecer do governo para serem aceitos na Europa, as críticas ao ônibus são raras. Em lugar de protestos, há silêncio ou elogios à amabilidade dos seguranças do centro de acolhimento. O presidente da Associação de Comunidades Estrangeiras (Asci), Habib Ben Sghaier, protesta contra a iniciativa da prefeitura, que criou a linha. "Não é assim que se faz integração. Isso é racismo."

Discriminação

Os imigrantes mais rejeitados da Itália não são, paradoxalmente, clandestinos. Os ciganos e romenos - a maior parte com passaporte europeu e autorização para viver em qualquer país-membro da União Europeia desde 2007 - são o alvo central da indignação dos italianos, que os associam a assassinatos, tráfico de drogas e prostituição em grandes cidades do país, como Turim e Nápoles. A insatisfação com seus vizinhos do Leste é tamanha que há dois anos uma lei autoriza repatriar cidadãos europeus "por razões de segurança pública".

(© Estadão)


Atualização em 21.09.2009:

HRW pede à UE que cessem expulsões diretas de imigrantes à Líbia

A ONG Human Rights Watch (HRW) pede à União Europeia (UE) que pressione a Itália para que cessem as expulsões diretas de imigrantes interceptados no Mar Mediterrâneo de volta à Líbia, país ao qual exorta a instaurar procedimentos de asilo para refugiados sob padrões internacionais.

Estas são algumas das conclusões que a organização extrai de seu relatório "Expulsos e esmagados: Itália e as expulsões de imigrantes e solicitantes de asilo, Líbia e os maus-tratos de imigrantes e solicitantes de asilo", do qual dá conta em comunicado de imprensa divulgado hoje em Roma.

Este texto - que recolhe testemunhos de 91 imigrantes que se encontram na Itália e Malta após solicitar asilo político, e de outro mais em conversa por telefone desde a Líbia, onde permanece retido - estava previsto para esta segunda-feira em Roma, mas o ato foi cancelado em sinal de luto pela morte de seis militares italianos no Afeganistão na quinta-feira passada.

A HRW assegura na nota que as lanchas motoras italianas rebocam os navios de imigrantes ilegais que encontram no mar para águas internacionais sem averiguar se alguns deles são "refugiados, doentes, estão feridos, são mulheres grávidas ou crianças não acompanhadas, vítimas de tráfico ou de outras formas de violência contra as mulheres".

"Os italianos usam a força para transferir os imigrantes desde as barcaças para as embarcações líbias ou os levam diretamente à Líbia, onde as autoridades lhes encarceram imediatamente. Algumas das operações são coordenadas pela Frontex, a agência da UE para o controle das fronteiras externas", diz.

A ONG se mostra crítica com Bruxelas, pois, segundo a HRW, a UE, da mesma forma que a Itália, vê a Líbia, que não tem leis nem procedimentos de asilo político, "como um bom parceiro no controle da migração".

"A Comissão Europeia atualmente está negociando um acordo de readmissão com a Líbia que criaria um mecanismo formal de rejeição (de imigrantes), assim como um acordo marco geral para vínculos posteriores" entre ambas as partes, diz a ONG no comunicado. EFE

(© G1)

 

 

Google
Web ItaliaOggi

Notizie d'Italia | Gastronomia | Migrazioni | Cidadania | Home ItaliaOggi