Marco Di Lauro / The New York Times
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O italiano Domenico Volpi, de 82 anos, depende
da assistência da equatoriana Brigida Parales para as atividades
domésticas |
Senado transforma em lei decreto que prevê prisão de até quatro anos a imigrantes sem visto de residência
Governo Berlusconi diz que medidas visam reprimir o crime; premiê é beneficiado por cláusula que suspende processos com penas baixas
DA REDAÇÃO
O Senado italiano aprovou, por 161 votos a 120, medidas de repressão à imigração clandestina, que passa a ser punida com a prisão de seis meses a quatro anos. O texto também aumenta em um terço a pena de prisão a estrangeiros ilegais julgados por outros crimes.
A nova lei, que já havia sido votada no dia 15 pelos deputados, dá
caráter permanente a decretos baixados pelo premiê conservador Silvio
Berlusconi, que voltou ao poder com a vitória eleitoral da direita em
abril.
Berlusconi tem se esforçado para tirar proveito político do temor de
parcelas conservadoras do eleitorado italiano, que atribuem o aumento da
criminalidade ao crescimento da população de estrangeiros ilegais. A
esquerda contesta que os dois fenômenos estejam ligados.
A política antiimigratória italiana é também criticada pelo Vaticano,
associações católicas e de direitos humanos.
A União Européia adotou há duas semanas medidas que harmonizam com
maior rigor o combate à imigração clandestina nos 27 países do bloco.
Ainda assim, prevêem punições mais leves que o projeto ontem votado na
Itália, como a prisão de ilegais por até 18 meses, em lugar de até
quatro anos estipulados no texto de Berlusconi.
Com a nova lei, ficarão sujeitos à prisão de seis meses a três anos
os proprietários italianos de imóveis alugados a imigrantes ilegais. Os
imóveis poderão ser confiscados pelo Estado.
Prefeitos deverão coordenar suas polícias com as forças do Estado e
terão o dever de identificar esses estrangeiros.
As medidas de segurança pública também incluem maior punição para
crimes e delitos não ligados à imigração clandestina. Sentenciados por
roubo, atos obscenos e estupros não poderão se beneficiar de redução da
pena. São aumentadas as penas para motoristas que dirigem embriagados ou
drogados e previsto o confisco definitivo dos veículos.
Cerca de 3.000 militares poderão ser convocados para atuarem ao lado
da polícia nas operações urbanas de combate ao crime e à delinqüência.
Suspensão de processos
O Senado italiano também aprovou projeto que permite adiar a
tramitação, por até 18 meses, de processos em que os réus estejam
sujeitos a penas de até três anos de prisão. Segundo o governo, a
iniciativa, válida para atos cometidos até junho de 2002, desobstruirá o
Judiciário, para que ele se concentre na repressão à violência.
Em sua redação inicial, aliás votada pelos deputados, o projeto
previa o benefício em casos com penas de até dez anos.
Mesmo assim, a lei continua a beneficiar Berlusconi, que é réu em
processos menores. Anteontem o Senado já havia votado a imunidade
judicial para o premiê, para o presidente da República e para os
presidentes do Senado e da Câmara, enquanto os quatro exercerem suas
funções.
(©
Folha de S. Paulo)
Planos para punir imigrantes ilegais podem afetar idosos na
ItáliaMuitas famílias italianas dependem de assistentes domésticos
para cuidar de idosos. O número de
imigrantes ilegais fazendo esse tipo de serviço pode chegar a
700 mil.
Elisabetta Povoledo
Do 'New York Times'
É um símbolo cotidiano, quase comovente, da demografia
complicada da Itália: um idoso italiano saindo para tomar ar
fresco, às vezes de braços dados com um imigrante que o ajuda.
Os ajudantes geralmente não estão aqui legalmente, mas têm sido
tolerados porque fazem o que poucos italianos fazem: cuidam da
população do país que envelhece rapidamente.
Mas apesar de a Itália estar envelhecendo, também está mais
preocupada com a criminalidade. E para muitos italianos, para
quem a imigração é um fenômeno relativamente novo, os imigrantes
também têm um papel central nisso. De acordo com uma lei
proposta pela ala ultraconservadora do governo do
primeiro-ministro Silvio Berlusconi, seria crime doloso chegar à
Itália ilegalmente, e a punição seria a prisão.
“Ultimamente você vê muitos policiais nas ruas, alguns à
paisana, parando pessoas e pedindo seus documentos”, disse
Pilar, 31 anos, uma peruana que está no país ilegalmente e que
cuida de uma senhora italiana de 76 anos. Ela não informou seu
nome completo com medo de ser deportada. “Se eles me pararem, o
que vou fazer?”, ela disse.
Lei severa
A lei seria uma das mais severas da Europa – e a proposta
atraiu grande oposição de partidos políticos de centro-esquerda,
organizações de direitos humanos, o Vaticano, as Nações Unidas e
até promotores públicos, preocupados com tribunais
sobrecarregados.
Em toda a Europa, a atitude não é muito amigável em relação aos
imigrantes: o Parlamento da União Européia recentemente votou
para permitir que imigrantes ilegais sejam presos em centros de
detenção por até 18 meses enquanto aguardam a deportação. A
Itália tomaria um passo crucial, tornando crime a entrada no
país sem papéis – algo que nem o próprio Berlusconi parece
gostar. Ele recentemente arriscou dizer que seria “irreal” para
o Estado prender talvez centenas e milhares de imigrantes
ilegais.
Mas foi cauteloso ao dizer que essa era “somente uma opinião
pessoal”, porque ele não está disposto a lidar com os
patrocinadores do projeto de lei: a Liga do Norte, partido
aliado que uma vez defendeu a separação do norte da Itália, mais
próspero, do resto do país. Indo direto ao ponto: o partido
tirou do poder o primeiro governo de Berlusconi em 1994.
A lei, que faz parte de um amplo pacote de medidas contra a
criminalidade em discussão no Parlamento, em teoria se aplicaria
a imigrantes ilegais aqui. Mas especialistas afirmam que é
particularmente problemático porque está associada a imigrantes
ilegais que cuidam, cada vez mais, dos cidadãos italianos mais
velhos. O motivo é que a Itália construiu um sistema de
assistência social informal no estilo “cada um por si” que
preserva a importância da família italiana ao trazer ajudantes
para os lares familiares em vez de enviar parentes idosos para
casas de repousos.
Envelhecimento
Na Itália, onde a expectativa de vida está aumentando e a
taxa de natalidade está entre as mais baixas do mundo, o mercado
de assistência domiciliar prestado por ajudantes estrangeiros
tende a crescer bastante. O Istat, agência de estatísticas
italiana, prevê que em 10 anos 13,4 milhões de italianos – quase
um quarto da população – terá 65 anos ou mais. Até 2040, eles
representarão um terço de todos os habitantes.
Domenico Volpi, 82 anos, especialista em literatura infantil
aposentado que se ocupa escrevendo artigos e livros didáticos,
disse que estaria perdido sem Brigida Parales, que se mudou do
Equador para a Itália há oito anos. Ela prepara suas refeições,
limpa a casa, lembra-o de tomar o remédio e faz companhia a
Volpi.
“Ela é indispensável”, disse.
Parales é um dos poucos ajudantes legais. A maioria não é, e
especialistas em direitos humanos temem que se lei for aprovada,
empregadores que não querem lidar com o incômodo de legalizar
sua ajuda ilegal (e os que temem possíveis repercussões
judiciais) possam decidir que seus ajudantes são certamente
dispensáveis.
“As famílias são ao mesmo tempo culpadas e vítimas da
imigração ilegal”, disse Maurizio Ambrosini, professor de
sociologia da imigração da Universidade de Milão. “Eles querem
leis duras para a imigração ilegal, mas são a razão pela qual
muitos imigrantes vêm para a Itália ilegalmente.”
Ficou prometido que a polícia não irá rondar parques públicos
procurando algemar trabalhadores domésticos que levam os idosos
sob seus cuidados para um passeio. O ministro da assistência
social Maurizio Sacconi sugeriu que dispensas podem ser
realizadas para alguns dos 405.000 trabalhadores domésticos
estrangeiros que se candidataram ao processo de legalização em
dezembro do ano passado. Mas o acalorado debate político dos
últimos dias sugere que não será fácil chegar a um acordo.
Os números envolvidos – estimativas da quantidade de
trabalhadores domésticos ilegais variam amplamente entre 300.000
e 700.000 – também abriram debates sobre mudanças recentes à
tradicional família italiana unida.
Família
Paradoxalmente, afirmam sociólogos, o fato de confiar os
idosos aos cuidados de um estranho na verdade confirma o papel
central da família na sociedade italiana ao adaptar-se ao
desaparecimento gradual do modelo de famílias enormes e a
entrada das mulheres (que tradicionalmente cuidavam das pessoas
mais velhas da família) no mercado de trabalho.
Contratar um ajudante doméstico permite à família “preservar
seu papel central como provedor social”, afirmou. “Uma coisa é
morar em casa”, outra bem diferente é ser mandado a algum lugar
impessoal, disse Lucilla Catania, escultora que mora em Roma e
cuja tia é cuidada por uma mulher da Moldávia. “Minha tia não se
acostumaria. Seria arrasador”.
A maioria dos italianos, disse Ambrosini, ainda “sente
vergonha” de pensar em mandar os idosos da família para casas de
repouso.
Mas nem poderiam, mesmo se quisessem. Políticas do governo
tendem a seguir um modelo que favorece apoio financeiro direto a
famílias em vez da criação de uma rede de serviços sociais,
incluindo centros de assistência, para idosos.
Os ajudantes que moram nas casas de família – geralmente
imigrantes de países do leste europeu, e que antes eram
filipinos ou sul-americanos – são mais baratos do que abrigos
para idosos, onde os custos são bancados pela família e pelo
Estado, que subsidia assistência institucionalizada. Antes de os
imigrantes oferecerem essa assistência, havia listas de espera
para casas de repouso.
“Agora, essas listas evaporaram”, disse Francesco Longo,
diretor do Centro de Pesquisa de Saúde e Gerenciamento de
Assistência Social na Universidade Bocconi de Milão.
Anistia
A Itália tem muitos imigrantes baratos, ilegais e, por isso,
desprotegidos, em parte porque as quotas anuais para imigração
legal são pequenas. Em 2002, último ano em que o governo
concedeu anistia a trabalhadores não-europeus na Itália, cerca
de 270.000 das 600.000 permissões concedidas foi para
trabalhadores domésticos.
“É um trabalho onde acordos verbais e informais são comuns”,
disse Gianfranco Zucca, pesquisador da Associação Católica de
Trabalhadores Italianos, que fez um estudo sobre os ajudantes
estrangeiros em casas italianas no ano passado.
Um ajudante ilegal pode custar muito menos do que o salário
contratual estabelecido, que varia entre 850 euros e 1.050 euros
por mês, dependendo do número de horas trabalhadas e excluindo
habitação e refeições. Ainda se economiza 20% de pagamentos de
previdência social.
Estar sob a mira dos radares burocráticos italianos deixa os
imigrantes expostos à exploração cruel. No mês passado, jornais
relataram que uma mulher de 75 anos que morava perto de Milão
foi presa e acusada de tratar a pessoa romena que lhe ajudava
“como um escravo”.
A atual “resposta da sociedade italiana” deixou que o Estado
se esquivasse de algumas de suas responsabilidades, afirma
Ambrosini, e agora tem pouco dinheiro para investir em novos
programas.
“O que precisamos é de um sistema mais racional, mais
instituições, mais residências”, ele disse. “Nenhum problema com
assistência doméstica, mas ela tem que ser organizada por uma
estrutura”. Isso protege os imigrantes e também garante que as
pessoas tenham os cuidados necessários, disse.
Cursos
Alguns administradores locais instituíram uma variedade de
cursos e treinamentos para imigrantes ajudantes, assim como
agências de colocação profissional. Mas especialistas afirmam
que o trabalho ilegal irá se manter enquanto a oferta não
acompanhar a demanda.
“O sistema de assistência social atual depende de imigrantes
clandestino”, e famílias menos abastadas sempre irão procurar
soluções de menor custo, disse Alessandro Castegnaro, professor
de política social da Universidade de Pádua e diretor do
Observatório Social-Religioso para a região nordeste da Itália.
“Dizem que a longo prazo a Europa Oriental vai melhorar e as
mulheres vão parar de vir para cá”, ela disse. “Mas acredito
que, sempre que houver pessoas pobres e uma necessidade, eles
virão de algum lugar”.
(©
G1, 27.06.2008) |