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Crianças em acampamento
cigano na Itália |
A coleta de digitais dos ciganos da Itália é racista e incompatível
com os tratados de direitos humanos da União Européia, afirmou o
Parlamento do bloco, em resolução aprovada por 336 a 220 --77
deputados se abstiveram. A alegação de que os acampamentos ciganos são
uma ameaça à segurança nas grandes cidades não justifica as medidas
excepcionais do premiê Sílvio Berlusconi, segundo os eurodeputados.
Decreto do conservador Berlusconi autorizou os prefeitos de Roma,
Milão e Nápoles a recensearem os acampamentos ciganos, deslocando
pessoas e prendendo os moradores irregulares. O premiê também tornou a
permanência não-autorizada no país um crime punido com prisão -antes,
tratava-se de uma infração civil.
O censo dos ciganos sem residência fixa, inclusive das crianças,
inclui dados como etnia, religião e impressões digitais, ausentes nos
documentos de identidade de italianos. Para o Parlamento Europeu, não há
base legal para a imposição de exigências desiguais a cidadãos do bloco
--muitos dos estimados 152 mil ciganos que vivem na Itália são romenos e
mais de um terço tem nacionalidade italiana.
Enfática, a declaração do Parlamento representa uma derrota
diplomática, mas não tem caráter vinculante. A Itália insiste na
legalidade do censo, que já está sendo realizado em Nápoles e Milão, a
despeito das críticas da ONU e da ruidosa oposição da Igreja Católica.
O chancelar italiano, Franco Frattini, atacou o voto, que creditou a
"preconceitos políticos" da "esquerda européia" em entrevista com os
ministros Andrea Ronchi, da Política Comunitária, e Roberto Maroni, do
Interior. Frattini negou que o censo tenha motivações étnicas, já que os
ciganos com residência fixa não serão submetidos aos procedimentos.
Já Maroni, da antiimigrante Liga Norte, afirmou que o censo protegerá
as crianças ciganas. "Queremos tomar conta dessas crianças invisíveis,
que são exploradas e mandadas roubar e mendigar por pais indignos desse
nome. E o único modo de fazer isso é identificando-as", afirmou o
ministro. Berlusconi tornou crime a prática, relativamente comum entre
os ciganos, de fazer com que crianças peçam esmolas.
O argumento do ministro divide governistas. Em Roma, crianças e
adolescentes não serão incluídos no censo, a pedido do prefeito, o
ex-fascista Gianni Alemanno, que adiou o início do cadastro na capital.
O fluxo de ciganos para a Itália aumentou com a entrada na UE da
Romênia, onde são uma minoria expressiva. O povo, tradicionalmente
nômade, é responsabilizado por setores da direita italiana pelo aumento
da violência. Em entrevista ao jornal "Il Tempo", o vice-ministro do
Interior, Alfredo Mantovano, disse que a etnia está "relacionada a
certos tipos de crimes, como roubos, assaltos ou seqüestros".
Em maio, acampamentos ciganos foram atacados e incendiados na
principais cidades italianas, sobretudo em Nápoles, onde testemunhas
apontaram a presença de líderes da Camorra, poderosa máfia local, entre
os incendiários. Os criminosos não foram punidos.
(©
Folha de S. Paulo)
Desgosto
CONTARDO CALLIGARIS
ESCREVO COM tristeza, embora a história comece com um cartaz da Lega Nord que
achei hilário.
A Lega Nord é um partido político italiano que pregava o separatismo do norte da
Itália, apostando no desprezo dos italianos do norte pelos meridionais pobres e
roceiros que migravam rumo aos pólos industriais do norte do país (imagine, no
Brasil, uma "Liga Sul" que quisesse um país de Espírito Santo para baixo, sem
retirantes nordestinos).
A Lega Nord, ao ganhar expressão nacional, teve que converter seu separatismo em
exigências de autonomia regional. Como reanimou suas tropas? Simples. Na Europa,
o vínculo do cidadão com sua terra é atávico e facilmente exclusivo -não é, como
nas Américas, o fruto do sonho de antepassados que imigraram. Foi fácil, para a
Lega, tornar-se o partido dos descontentes com as ondas de imigrantes externos
dos últimos anos: africanos, asiáticos e europeus do Leste.
Volto ao cartaz: é o perfil de um índio norte-americano, com seu cocar. Legenda:
"Eles sofreram a imigração. Agora vivem em reservas.
Pense nisso". Fiquei pasmo: os italianos não participaram da conquista do Oeste,
mas muitos deles "fizeram a América"; agora deveriam se identificar com os
índios norte-americanos e sua história? Qualquer coisa vale para tirar proveito
da insegurança econômica e social das classes médias transformando-a em pavor do
estrangeiro, do diferente, do outro afoito e rapace que estaria querendo nosso
trabalho e nossas mulheres.
O cartaz tem uma nova versão, com a legenda "A fuga das reservas começou" -ou seja,
estamos retomando nossa terra das mãos dos invasores.
É um jeito de festejar o endurecimento da política italiana contra os imigrantes
no novo governo Berlusconi, do qual a Lega é um componente essencial.
Posso entender (em termos) que um governo criminalize o acesso e a permanência
ilegais no país.
Imagino (em termos) que um grupo étnico, encabeçando as estatísticas do crime,
venha a ser discriminado no dia-a-dia do trabalho de polícia (em muitos países,
se um branco assalta um negro, a polícia, chegando, primeiro prende o negro e
depois se preocupa com a reconstituição dos fatos). Mas começo a me horrorizar
quando, encorajados pelas idéias ambientes, uns amalucados, como aconteceu na
Itália, organizam pogrons para incendiar acampamentos de comunidades ciganas.
Agora (Folha de 11 de julho) o governo italiano (apesar dos protestos da União
Européia e da ONU) decretou um censo da população cigana nômade que vive na
periferia das grandes cidades, crianças incluídas, com impressões digitais etc.
-ou seja, um registro específico e detalhado que se torna obrigatório para uma
etnia só. Note-se que um terço da dita população cigana não é imigrante, é
italiana. E acrescente-se que o governo nomeou um responsável para a "questão
cigana". Isso lembra alguma coisa?
Nada parecido aconteceu, num país ocidental, desde o começo da exterminação dos
judeus, dos homossexuais, dos ciganos (coincidência) etc., durante o nazismo e o
fascismo.
O próximo passo será uma estrela cravada no peito? Ou talvez, por os ciganos
serem nômades, uma roda de charrete? Que cor? O governo italiano afirma que tudo isso é para proteger as crianças ciganas que
são forçadas a pedir esmola nas esquinas. Em suma, é para o bem dos ciganos. A
justificativa dá arrepios: no começo, os nazistas diziam que a deportação
protegeria os judeus contra a hostilidade dos arianos.
A oposição italiana e o papa se declararam contra. Poucas centenas de
manifestantes apareceram em frente ao Parlamento, e só.
Neste espaço, em maio, estando na Itália, escrevi que, com a chegada de um
presidente da Câmara que já foi do MSI (partido herdeiro do fascismo italiano),
ficava claro que o passado da luta antifascista não era mais o divisor de águas
da política italiana (ou européia).
Numa lápide murada no município de Cuneo (Piemonte), há um poema de Pietro
Calamandrei, endereçado ao general nazista Kesserling, que acaba assim: "Por
essas estradas se quiseres voltar/ aos nossos postos nos encontrarás/ mortos e
vivos com a mesma garra/ povo reunido ao redor do monumento/ que se chama/ agora
e sempre/ Resistência". Aparentemente, sobraram só os mortos.
Resta esperar que os italianos daqui, quando votarem para as eleições na Itália,
não se esqueçam.
ccalligari@uol.com.br
(©
Folha de S. Paulo)
Menina cigana comove a Itália
Paulo Madeira com agências
Criança romena dirige apelo ao Parlamento Europeu.
Rebecca sonha em ir à escola e ter uma vida normal Rebecca Covaciu é uma menina romena de etnia cigana. (Sobre)vive em
Itália, onde os ciganos têm nos últimos anos sofrido perseguições
desumanas. Aos 12 anos, tem já uma história de vida marcada pela
marginalização e pelo sofrimento. Comoveu os italianos e, agora, em
jeito de apelo, deixa um testemunho tocante à Europa.O drama da pequena Rebecca começou quando a família
deixou Arad (Roménia), ironicamente para fugir à pobreza e à
discriminação. Em Itália, no entanto, os Covaciu têm sido alvo do ódio
racial. Em Milão quase foram linchados por um grupo racista e a polícia
destruiu por várias vezes os abrigos provisórios construídos pelo pai de
Rebecca, Stelian, deixando a família a viver na rua. E só a ajuda de uma
organização humanitária impediu Stelian, a mulher e os quatro filhos do
casal de morrer à fome.
Seguiram-se depois Ávila (Espanha), Nápoles e, agora,
Potenza, na região de Basilicata, Sul de Itália. Vários pousos, mas o
mesmo denominador comum – uma vida de perseguições e de miséria. Já foi
agredida pela polícia, viu o pai ser espancado para a defender, viu
morrer outras crianças por falta de medicamentos e um acampamento de
ciganos ser incendiado. Também já mendigou com os pais em Espanha e em
Itália.
Agora, num vídeo intitulado ‘Querida Europa’, que
será exibido no Parlamento Europeu, Rebecca, cujo sonho é ir à escola e
que os seus pais tenham trabalho, deixa o apelo na primeira pessoa.
"Quando eu crescer, quero ajudar os pobres e pintar o mundo dos ciganos.
Ajudem--nos", afirma Rebecca, que já ganhou um prémio de desenho da
UNICEF.
A sua história está a emocionar os italianos numa
altura em que o governo avança com um polémico censo da população cigana
– iniciativa que se pretende alargar ao nível europeu, propondo a
criação de um banco de ADN e impressões digitais de crianças ciganas.
(©
Correio da Manhã-Portugal) |