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Jornalista entrevista presos em operação contra imigração ilegal
em Roma, na Itália |
O governo do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, estuda um
pacote sobre a segurança pública centrado na redução da imigração
clandestina. Os imigrantes que se instalarem na Itália sem autorização
estarão sujeitos a uma pena de quatro anos de prisão.
As medidas começaram a ser definidas na terça pelo novo ministro do
Interior, Roberto Maroni, um dos principais dirigentes da xenófoba Liga
Norte. Ele definirá uma política antiimigratória em cinco pontos que
definirá regras bilaterais com outros países da União Européia. A medida
visa sobretudo a Romênia, país de origem de 600 mil imigrantes, parte
dos quais é cigana, segundo a entidade assistencial Caritas.
A mídia conservadora acirra o sentimento contrário aos ciganos,
segundo a BBC. Os últimos incidentes, com a queima de acampamentos,
ocorreram em Nápoles, a partir do boato de que uma cigana tentou
seqüestrar um bebê de seis meses.
O governo central italiano também aplicará uma lei votada há dois
anos que dá às autoridades municipais poderes especiais para designar
grupos ou indivíduos estrangeiros passíveis de expulsão. Roma e Milão já
se credenciaram no mecanismo.
Há medidas de prevenção à criminalidade praticada por estrangeiros e,
por fim, normas de combate ao crime organizado.
Paralelamente, o novo ministro das Relações Exteriores, Franco
Frattini, baixará diretrizes que condicionam o ingresso na Itália de
imigrantes de outros países europeus a uma renda familiar suficiente
para não sobrecarregar serviços de assistência ou não estimular de modo
indireto a criminalidade.
(©
Folha de S. Paulo)
Operação contra imigração ilegal prende
383 na Itália
Stephen Brown
Em Roma
A polícia italiana anunciou
na quinta-feira a prisão de 383 pessoas numa operação contra imigrantes
ilegais, num sinal de que o novo governo conservador está mesmo
determinado a combater a imigração fora da lei.
Entre os presos há 268 estrangeiros, dos quais 53 foram imediatamente
levados até alguma fronteira para serem expulsos. A operação durou uma
semana, de norte a sul do país.
O combate à imigração ilegal foi uma das principais promessas na
campanha eleitoral que deu um terceiro mandato de premiê a Silvio
Berlusconi. Muitos italianos conservadores atribuem a criminalidade à
imigração, e Berlusconi diz estar preparando leis destinadas a prender
ou expulsar mais estrangeiros que violem as leis.
Na operação desta semana, os presos eram oriundos da Europa Oriental,
Grécia, África do Norte e China. São acusados de entrar ilegalmente no
país e, em alguns casos, de praticar prostituição, narcotráfico e
roubos.
O delegado italiano encarregado da operação, Francesco Gratteri, disse
em entrevista coletiva que não havia "nenhuma categoria ou grupo étnico
específico" sendo visado. "O único objetivo eram criminosos que têm
causado uma sensação de crescente alarme na sociedade."
Na Líbia, a polícia deteve nos últimos quatro dias 240 pessoas de vários
países africanos que tentavam cruzar o Mediterrâneo em direção à Itália,
segundo o ministério local do Interior.
(©
UOL Últimas Notícias)
"Mal-estar
europeu é superficial"
Para o historiador Bernard Wasserstein, não há crise estrutural
nem animosidade generalizada contra imigrantes
Acadêmico inglês diz que hoje identidade européia é "atitude moral e
política" e independe de gênero e cor; insatisfações são localizadas
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Se o velho continente permanece como um pólo de hiperdesenvolvimento e
prosperidade, parece longe o tempo em que ostentava o título de maior
centro mundial de poder. Berço da civilização ocidental, a Europa viu
evaporar nas últimas décadas boa parte de sua influência comercial,
cultural e diplomática, até chegar ao marasmo atual. Em meio a apatia
econômica, greves, protestos e aumento da xenofobia, os europeus
questionam seu papel na globalidade do século 21.
É essa trajetória declinante, feita de traumas e sobressaltos, que o
historiador inglês Bernard Wasserstein, 60, analisa em "Barbarism and
Civilization" (2007, sem tradução no Brasil). Nesta entrevista à Folha
por telefone desde Amsterdã, ele falou sobre as mudanças na consciência
coletiva européia e defendeu uma visão positiva do futuro, minimizando a
morosidade econômica e os problemas ligados à imigração.
FOLHA - Qual a diferença entre ser europeu hoje e há um século?
BERNARD WASSERSTEIN - Há cem anos, ser europeu significava
essencialmente ser um homem branco e parte de uma sociedade que dominava
o mundo. Hoje, ser europeu significa ser um homem ou uma mulher -não
devemos esquecer que a igualdade de gênero não existia- e não
necessariamente branco. Outra diferença é que a Europa perdeu espaço e
já não domina a humanidade. Os impérios europeus ruíram, o soviético por
último. As superpotências deixaram de ser européias. Por fim, hoje,
principalmente em países pequenos como a Holanda, o conceito de ser
europeu é uma atitude política e moral. Antigamente a idéia de ser
europeu não existia. As pessoas se diziam alemãs, francesas...
FOLHA - Por que a Europa perdeu espaço no mundo?
WASSERSTEIN - Há várias razões, as principais sendo as duas
guerras mundiais e suas amplas conseqüências. Outro motivo é o efeito da
construção dos impérios europeus. Quando a Europa dominava o mundo, ela
impôs seus valores e infra-estrutura a outras sociedades, permitindo que
estas se desenvolvessem por conta própria, como a Índia. Há visões
positivas e negativas do imperialismo, mas é inegável que ele espalhou
meios modernos de comunicação, estradas, ferrovias, investimento. Idéias
e padrões europeus de educação acabaram estimulando os países a se
voltarem contra a Europa para se tornarem independentes.
FOLHA - A crise econômica é uma razão ou uma conseqüência do
declínio europeu?
WASSERSTEIN - Não acho que haja crise econômica. O que existe é
uma crise financeira significativa, o que é muito diferente. As
economias européias estão indo bem. Até a França e a Alemanha crescem
mais do que há dez anos. Talvez estejamos no meio da curva negativa de
um processo cíclico, mas não numa crise estrutural como a dos anos 70.
Há até quem esbanje crescimento, como os novos membros da UE.
FOLHA - Vendo os constantes protestos e greves, tem-se a
impressão de que os europeus estão insatisfeitos, embora desfrutem da
melhor qualidade de vida no mundo. WASSERSTEIN - As greves no
Reino Unido não se comparam ao que ocorreu nos anos 70, e os protestos
na França também estão longe do que foi 1968. O que acontece são reações
de segmentos da sociedade às inevitáveis mudanças trazidas pelo avanço
econômico. Hoje o problema é superficial.
FOLHA - O senhor vê relação entre os problemas da Europa e o
surgimento de novas potências? Os europeus têm medo da China?
WASSERSTEIN - Alguns setores de trabalhadores temem que as
fábricas sejam removidas para regiões com mão-de-obra mais barata. A
indústria manufatureira corre sério risco de desaparecer em algumas
partes da Europa. Por outro lado, os europeus estão preocupados com a
alta do petróleo. A Europa precisa importar a maior parte de seu
consumo. Uma das alternativas é a energia nuclear, mas ela enfrenta
rejeição popular. Os protestos contra a China têm a ver com o fato de o
país não ser uma democracia e ostentar comportamento político e valores
opostos aos que a imensa maioria dos europeus vê como padrões de
conduta.
FOLHA - Até que ponto o mal-estar da Europa está ligado à forte
presença de imigrantes não-europeus?
WASSERSTEIN - Eu moro em Amsterdã, cidade que concentrou alguns
dos problemas surgidos nos últimos anos. Apesar dos ímpetos xenófobos de
parte da população, a cidade é um exemplo de harmonia racial. E há
muitos lugares assim. Diante da enorme escala migratória na UE nas três
últimas décadas, há surpreendentemente poucos violência e problemas.
FOLHA - Mas partidos de extrema-direita se fortalecem e o
discurso xenófobo se banaliza entre políticos...
WASSERSTEIN - Estou preocupado com a extrema direita na Áustria
e na Itália. Ela também tem força em alguns contextos, como na região
belga de Flandres. Por outro lado, a extrema direita é insignificante na
Alemanha ou no Reino Unido. Na França, o fenômeno [Jean-Marie] Le Pen
esvaiu-se. Alguns atribuem isso ao fato de Sarkozy ter cooptado o voto
xenófobo, mas ele não só não é fascista como descende de judeus.
FOLHA - Os europeus sofrem de um complexo de superioridade?
WASSERSTEIN - Alguns sim, outros não. Os jovens alemães, por
exemplo, são muito conscientes do perigo de ver o mundo dessa forma.
Isso explica a força do sentimento pacifista na Europa em geral. Os
americanos reclamam que os europeus contribuem pouco com a Otan [aliança
militar ocidental], mas isso reflete sua preferência pelo soft power
[poder de persuasão pela diplomacia, cooperação e influência cultural].
A Europa não tem mais estômago para guerras longas.
(©
Folha de S. Paulo) |