Desiree Mantin/AFP
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Imigrante exausto é
socorrido por turistas: rumo à Europa |
Philippe Ricard
Enviado especial a Lappeeranta, Finlândia
O afluxo contínuo de imigrantes africanos às ilhas Canárias, mas também
a Malta e à Sicília, constitui um temível batismo de fogo para a nova
agência européia Frontex. Encarregada há quatro meses de ajudar os
países do sul a administrar a situação, sua ação é considerada demasiado
lenta e ineficaz por Madri.
Mais de 1.400 imigrantes clandestinos chegaram em embarcações de
pescadores à costa das Canárias nos últimos sábado e domingo (2 e 3), o
número mais elevado para um fim de semana desde janeiro.
Instalada em Varsóvia em 2005, a Frontex tem por missão coordenar os
esforços de cooperação entre os 25 países membros da União Européia em
suas fronteiras externas. Ainda falta que os meios sejam
disponibilizados.
Em Madri, o governo pede que a Europa "faça mais" para ajudá-la. Foi o
que repetiu o chefe da diplomacia espanhola, Miguel Angel Moratinos, no
sábado (2) durante a reunião dos ministros das Relações Exteriores da UE
organizada pela presidência finlandesa em Lappeeranta, na fronteira
entre a Finlândia e a Rússia.
"Diversos problemas surgiram na implementação das operações ao largo das
ilhas Canárias", reconhece o diretor geral da Frontex, o finlandês Ilkka
Laitinen, também convidado a Lappeeranta. Mas ele minimiza o alcance das
dificuldades encontradas nas Canárias: "É claro que a cooperação com os
espanhóis pode ser melhorada, mas ela funciona", considera. "Essa
operação piloto é satisfatória, já que ao mesmo tempo somos solicitados
em Malta."
O órgão deve dedicar por enquanto o essencial de seus efetivos - 65
pessoas - às duas missões realizadas no Mediterrâneo. Uma situação que
deverá ser "excepcional", na opinião de Laitinen.
Além das costas mediterrâneas, a Frontex identifica três outras "zonas
de risco" em termos de imigração: as fronteiras orientais da Europa, as
dos Bálcãs ocidentais e os principais aeroportos internacionais. Suas
equipes também devem intervir na formação de guardas de fronteira dos 25
países, analisar os riscos migratórios e acompanhar as operações
conjuntas de repatriação.
A pedido de Madri e do comissário de Assuntos Internos, Franco Frattini,
os responsáveis da Frontex lamentam que só um punhado de países membros
- Itália, Portugal, Alemanha, Finlândia e França - tenha respondido a
suas solicitações para ajudar as autoridades espanholas.
"Ficaríamos muito contentes de precisar escolher entre capitais
candidatas a trabalhar conosco, mas não é o caso", disse Laitinen para
incitar os 25 "a mobilizar-se mais".
No caso do Mediterrâneo, o órgão precisa de navios e aviões para
participar das operações comuns. "A cooperação é difícil, pois cada um
quer conservar sua soberania e seus meios, ao mesmo tempo desejando se
beneficiar do apoio dos outros em caso de necessidade", observa o
diretor da Frontex. Ele lamenta que certos países membros - Bélgica,
Chipre, Irlanda e Eslovênia - ainda não tenham colocado o menor pessoal
à disposição de seus serviços.
Até 2010, porém, a agência prevê duplicar seus efetivos e seu orçamento
(15,8 milhões de euros este ano). Laitinen também se surpreende com "a
complexidade" das negociações com o Parlamento Europeu para receber as
verbas previstas para garantir o desenvolvimento de seus serviços.
Diante das dificuldades encontradas, em campo assim como em suas
relações com as capitais, ele estima que "haverá necessidade de vários
anos antes de atingir o nível" que deseja ter.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(©
Le Monde)
Rota para o paraíso
As Ilhas Canárias são a nova porta de
entrada de imigrantes africanos na Europa
Ruth Costas
Encravadas no Oceano Atlântico, as Ilhas Canárias
são um dos mais populares balneários da Europa. Todos os anos, quase 10
milhões de turistas – cinco vezes a população local – desembarcam em
seus portos e aeroportos para curtir o clima ameno, banhar-se em águas
termais ou se divertir em cassinos e campos de golfe. Neste ano, um novo
grupo de visitantes está chegando aos milhares ao arquipélago, por uma
rota bem mais arriscada e com outros objetivos: os homens e mulheres que
fogem da miséria e do desemprego da África Subsaariana em pequenos
barcos apinhados. Tornou-se comum os turistas europeus terem de
abandonar seu banho de sol na praia para socorrer refugiados exaustos e
desidratados, que chegam às ilhas depois de viajar por até 1 500
quilômetros em mar aberto. Como pertencem à Espanha, as Canárias são
parte da União Européia e, portanto, do paraíso – ao menos do ponto de
vista dos imigrantes africanos. Desde o início do ano já chegaram às
areias do balneário 21 500 clandestinos, quase cinco vezes mais que no
ano passado. A Cruz Vermelha estima que outros 3 000 morreram na
tentativa – nos últimos oito meses, foram encontrados 490 corpos nas
praias canárias.
As Ilhas Canárias são apenas a nova rota de um problema antigo: a
tentativa frustrada da Europa de barrar o crescimento desenfreado da
população de imigrantes ilegais e com baixa qualificação profissional.
Estima-se que 15% dos 56 milhões de estrangeiros que vivem na Europa
sejam clandestinos. Nos últimos anos, com o aumento do patrulhamento no
Mar Mediterrâneo e o reforço nas cercas que protegem os enclaves
espanhóis do norte da África, os traficantes tiveram de encontrar
caminhos mais seguros para colocar seus clientes em território europeu.
Inicialmente, partiam com seus barcos abarrotados do Marrocos em direção
às Ilhas Canárias, a apenas 160 quilômetros de distância. Quando o
governo marroquino intensificou o policiamento de sua costa, os
imigrantes tiveram de partir de lugares cada vez mais distantes, como o
Senegal e a Mauritânia. Os moradores das Ilhas Canárias temem que a
enxurrada de imigrantes acabe por arruinar o turismo, responsável por
quase 40% da economia da região. O enrosco maior, no entanto, acontece
no continente. Como o arquipélago não possui infra-estrutura suficiente
para abrigar tantos africanos, eles são transferidos pelo governo
espanhol para a Península Ibérica. A lei do país só permite que fiquem
detidos por quarenta dias. Como muitos não têm documentos, é
praticamente impossível extraditá-los. Resultado: os imigrantes
clandestinos são colocados na rua com um sanduíche, uma garrafa d'água e
um ofício determinando que voltem para sua terra. Não é difícil concluir
que a maioria prefira ignorar a ordem e ficar na Espanha ou se mudar
para outro país europeu.
A Espanha passou as últimas semanas pedindo ajuda
à União Européia para resolver a crise, com o argumento de que se trata
de um problema de todos os europeus. Os espanhóis querem uma estratégia
conjunta de seus parceiros na Europa para controlar as fronteiras, além
de mais dinheiro para reforçar a vigilância marítima e pagar os custos
do repatriamento de imigrantes. Apesar de a livre circulação de pessoas
já ser uma realidade em grande parte dos países-membros da União
Européia, cada um tem sua política migratória. A Espanha, por exemplo,
foi criticada no ano passado por causa de um projeto para anistiar mais
de 600 000 imigrantes ilegais, em uma tentativa de aumentar o volume de
impostos arrecadados e controlar as condições de trabalho desses
estrangeiros. Com a anistia, o governo espanhol tentou dar uma solução
pragmática para uma questão que divide os europeus: o paradoxo da
imigração. Por um lado, teme-se o choque cultural que a invasão de
estrangeiros poderia causar. Por outro, a chegada de trabalhadores de
fora é uma injeção de vigor na economia da região.
Os imigrantes trabalham na colheita, constroem
edifícios e limpam casas, garantindo a mão-de-obra jovem e barata
necessária para preencher postos de trabalho rejeitados pelos europeus.
De acordo com uma pesquisa de um banco catalão, não fosse pelos
estrangeiros, na última década a economia espanhola teria caído 1% por
ano, em vez de crescer a uma média de 3,6%. Mesmo admitindo a entrada de
trabalhadores como uma necessidade econômica, muitos europeus ainda
temem que o ritmo com o qual ela vem se intensificando seja
insustentável. A Inglaterra, por exemplo, no ano passado, deu vistos de
permanência a 180.000 estrangeiros, três vezes mais que em 1996. Pelas
estimativas mais conservadoras, outros 600.000 imigrantes já vivem
ilegalmente no país. Na Espanha, os estrangeiros passaram de 2% para 10%
da população na última década. Apenas uma minoria veio em barquinhos
saídos da África. A imagem de pessoas exaustas e famintas chegando às
praias canárias, no entanto, é a face mais dramática de um dos maiores
desafios do bloco europeu neste início de século.
(©
Veja)
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