Preparem-se. Se já era difícil readquirir um direito que foi tirado
no passado, quando seus ancestrais foram praticamente expulsos da
Itália, as possibilidades de se tornar um(a) cidadão (ã) podem, muito
em breve, se tornar um sonho quase impossível. Nesta semana, mais
exatamente na quarta-feira (05), o vice-ministro degli Affari Esteri,
Franco Danieli, esteve no Senado da República, onde participou de uma
audiência na Comissão Permanente Affari Esteri, Emigrazioni.
Em seu depoimento, o vice-ministro destacou a necessidade de se rever
as normas que regulam o voto dos cidadãos no exterior e a criação de um
sistema eficaz para a gestão do anagrafe (registro civil) desses
italianos. Em termos de informação para os residentes em outros países,
considerou urgente a necessidade de uma nova estratégia com a RAI
Internacional. Também entendeu como de alto relevo a revisão do atual
CGIE (Consiglio generale degli italiani all’estero), tendo em vista a
mudança do contexto político e, em particular, a presença agora de 18
parlamentares eleitos na circunscrição do exterior.
Mas, entre todos esses aspectos, o que mais chamou a atenção foi a
posição de Danieli a respeito da concessão de cidadania. Ele foi claro
no sentido de defender uma revisão das normas vigentes, principalmente
para evitar “injustiças”. Segundo o ministro, muitos conazionali não são
reconhecidos como tal, enquanto um número grande de pessoas, que não
possui nenhum laço com a Itália, obtém cidadania.
O ministro lembrou, entre outros aspectos, que em países de forte
emigração italiana, onde existe tensão política, econômica e social, há
uma explosão de pedidos, o que impede o atendimento em tempo aceitável.
E aí, então, escudando-se em uma posição do ministro dos Negócios do
Exterior anterior, Roberto Fini, que teria sublinhado a necessidade de
quem requer cidadania ter ao menos um conhecimento basilar da língua
italiana, Danieli destacou que esse requisito é indispensável para os
conazionali de Istria, Fiume e Dalmazia, conforme a lei 124 de 2006.
Observou ainda, nesse sentido, que essa exigência é feita em alguns
outros países europeus.
Assim, como se percebe, as cartas vão sendo dadas. Na linguagem
cifrada dos políticos, é muito provável que Danieli tenha começado a
preparar o terreno para "profundas" mudanças. A história é antiga, um
afago aqui, um elogio ali, um aceno de mudanças, é claro que sempre para
melhor. Na verdade, tudo já vem sendo delineado há muito tempo. E não é
paranóia, teoria da conspiração.
O vice-ministro Danieli e a maioria dos italianos natos
possivelmente não saibam o que é ter alma de italiano no exterior.
Foto: MAE
Jornalistas engajados já se manifestaram publicamente questionando a
concessão de cidadania. Depois, o novo Governo acabou com Ministério
para os Italianos no Exterior. Não que a estrutura fosse fundamental,
até poderia ser dispensável, mas simbolicamente o gesto é marcante e
indicativo.
Com a palavra, os deputados e senadores eleitos pelos cidadãos no
exterior.
Agora, questionar laços, principalmente afetivos, de quem é
descendente é, no mínimo delicado, para quem talvez não conheça a
realidade que se passa em países como o Brasil e a Argentina. Nos mais
recônditos lugares, os descendentes de italianos, mesmo não falando o
dialeto dos seus ancestrais, expressam um orgulho e uma honra de terem
sangue italiano que seria muito difícil para um burocrata ou intelectual
(muitos, inclusive, que defendem posições ditas progressistas, que se
dizem ideologicamente avançados) de Roma entender o que se passa na
mente dessas pessoas, muitas vezes simples, que intimamente são mais
italianos que brasileiros ou argentinos - ou, no mínimo, os sentimentos
se equivalem. Como exigir que essas pessoas continuem falando o idioma
italiano se vivem em um contexto cuja língua usual é outra? Como exigir
isso de segundas ou terceiras gerações? Ora, quando “estimularam” os
emigrantes a sair da Itália deveriam ter feito eles assinarem um
documento exigindo que preservassem a língua-mãe, a todo custo, como
prova de origem.
A imensa maioria dessas pessoas, que os burocratas tranqüilizem-se,
não pretendem invadir a Itália, tomar postos de trabalho, competir com
os natos. Elas foram acolhidas e, bem ou mal, construíram suas vidas
em terras distantes da península, de onde seus parentes foram
praticamente enxotados pela incompetência dos governos, pela fome, pela
miséria, pela falta de trabalho.
Essas pessoas querem a cidadania apenas para materializar o seu
sentimento, o seu orgulho por um país que lhe deu as costas e, pelo
visto, pretende manter a devida distância, por prepotência, ou medo de
fazer uma revisão conscienciosa do que aconteceu e assumir sua
responsabilidade. Revisar culpas, assumi-las historicamente, é algo
próprio de alguns povos, como os norte-americanos. Mas, pelo visto, não
é para muitos outros.
Para além das decisões dos burocratas e da arrogância intelectual,
essa senhora será sempre, além de brasileira, uma cidadã italiana.
Na alma e no coração. Foto: Oriundi
Minha mãe mal sabia escrever o nome. Nunca pensou em ir morar na
Itália. Morreu com 96 anos carregando um orgulho inquestionável.
Considerava-se legítima. Dizia e proclamava que era legítima. Uma
legítima italiana, descendentes de italianos da gema. Isso bastava para
ela, era uma espécie de droga alucinante tal era o seu fanatismo. Nunca
questionou as razões que determinaram a vinda dos italianos para o
Brasil.
Para ela bastava dizer que era legítima e era casada com um legítimo.
Isso talvez os que nasceram na Itália nunca entenderão. E possivelmente
nem lhes interesse entender. Assim como não lhes interessa saber que o
filho da legítima sente que também é italiano, porque seu bisavô nasceu
na Itália, porque aprendeu a gostar de tudo que é italiano, a começar
pela comida. E não será um papel, uma cidadania que negaram aos meus
ancestrais, que me fará mais italiano do que eu já sou. (José Bonfilho
Zulian).
Veja, abaixo, trecho da manifestação do ministro Danieli no
Senado:
(...)Cercando di essere al contempo rapido e puntuale nella mia
esposizione, passo ora a trattare il tema della cittadinanza, che
richiede, naturalmente di concerto con il Ministerdell’interno che ne ha
la competenza primaria, una revisione dell’impianto normativo in vigore,
in modo da disciplinarne in maniera organica i vari aspetti (la perdita,
il riacquisto, il
riconoscimento), anche al fine di evitare palesi ingiustizie. Infatti,
molti che sono effettivamente – e sottolineo effettivamente –
connazionali non vengono riconosciuti come tali, a fronte di un numero
certamente maggiore di persone che non hanno piu` alcun legame con
l’Italia, ma possono invece ottenerne la cittadinanza.
In questo contesto va in particolare tenuto presente, a mio avviso,
che nessuna delle leggi sulla cittadinanza, nemmeno quella del 1912, ha
mai previsto la perdita per inadempienza agli obblighi di denuncia dei
fatti di stato civile (nascita, matrimonio, morte), rendendo pertanto
sempre possibile la ricostruzione dei fatti per dimostrare il possesso
della cittadinanza italiana.
Nei Paesi di forte emigrazione italiana, in cui esistono tensioni
politiche o economiche e sociali, si assiste oggi all’esplodere di
richieste di riconoscimento della cittadinanza italiana che i nostri
consolati in alcuni Paesi non sono in grado di evadere in tempi
accettabili. La cittadinanza italiana iure sanguinis puo` derivare,
infatti, anche da un avo emigrato all’estero nel 1800 e morto dopo il
1860 e il riconoscimento e` talvolta richiesto da persone che non
parlano piu` italiano e palesemente non hanno alcun legame, nemmeno
affettivo, con l’Italia. Sul punto ricordo che, in occasione di una
visita in Brasile, il precedente ministro degli esteri, onorevole Fini,
sottolineo` quale prerequisito per la concessione della cittadinanza
italiana perlomeno la conoscenza della lingua italiana.
Si sono accumulate presso la nostra rete consolare circa 250.000
domande di riconoscimento di cittadinanza che non possono che essere
evase in tempi lunghissimi, talvolta anche di anni, tanto che da piu`
parti si sta avanzando l’ipotesi, che ritengo utile approfondire, di
subordinare, come ho ricordato richiamando la posizione dell’onorevole
Fini, il riconoscimento della cittadinanza alla effettiva conoscenza,
anche basilare, della lingua italiana.
D’altronde, tale requisito viene indicato come indispensabile dalla
legge n. 124 del 2006, relativa ai connazionali di Istria, Fiume e
Dalmazia, che all’articolo 17-bis recita che «il diritto alla
cittadinanza italiana e` riconosciuto: a) ai soggetti che siano stati
cittadini italiani (...); b) alle persone di lingua e cultura italiane
che siano figli o discendenti in linea
retta dei soggetti di cui alla lettera a)» e all’articolo 17-ter prevede
che, ai fini del riconoscimento e` necessario presentare «(...) c) la
documentazione atta a dimostrare il requisito della lingua e della
cultura italiane dell’istante». Peraltro, la richiesta del requisito
della conoscenza della lingua e` presente nelle legislazioni in tema di
cittadinanza di alcuni Paesi europei, come Francia, Austria e Belgio
(...).