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Tela Imigrantes, de
Antonio Rocco |
Um panorama das políticas adotadas pelos países europeus para
controlar a entrada de estrangeiros em seu território, e para
reconhecer (ou não...) seus direitos políticos e culturais
Cláudio Bolzman e Manuel
Boucher
A segunda lei Sarkozy, em debate no parlamento francês,
não é fenômeno isolado na Europa. Assim como a França, outros Estados da
União Européia começaram a modificar suas políticas migratórias.
Conforme ressalta o pesquisador sueco Tomas Hammar, elas envolvem dois
aspectos contraditórios: a immigration policy, isto
é, a regulação do fluxo e o controle dos imigrantes e estrangeiros; e a
immigrant policy, que trata da vida dos imigrantes
residentes, seus direitos e sua participação na vida política e social:
enfim, tudo a que se dá o nome de integração [1].
A primeira leva em conta principalmente os interesses dos países
receptores; a segunda, as necessidades dos imigrantes. Uma, visa o
controle de estrangeiros; a outra se ocupa de sua participação.
Historicamente, políticas de imigração de viés liberal foram
acompanhadas de políticas de integração restritivas, especialmente no
pós-guerra. Por outro lado, políticas de imigração de caráter restritivo
resultaram em políticas de integração mais abertas.
A novidade, na França, Holanda e outros países, é que o
afrouxamento das condições de entrada no território nacional, ao menos
para os imigrantes com menos estudos, está sendo acompanhado por com
exigências crescentes em matéria de integração. Foram instaurados
“contratos de recepção e integração”, que, se desrespeitados, podem
resultar em punições. Torna-se obrigatório o aprendizado da língua do
país anfitrião. Embora os Estados europeus estejam cada vez mais de
acordo em seus receios com relação aos imigrantes (e ainda que
preferissem selecioná-los fora das fronteiras da União Européia...), há
divergências entre as políticas de integração, que vão desde a concessão
de cidadania plena até sua total recusa. Alguns são favoráveis à
participação dos imigrantes; outros, os condenam a uma precariedade
estrutural [2].
Muitos termos para nomear o diferente
Tudo depende, acima de tudo, da maneira como cada país
percebe o fenômeno migratório, se deseja ou não a chegada de novos
imigrantes e se pretende que permaneçam a longo prazo (definitivo ou
provisório). Essa percepção implica ainda objetivos – demográficos,
econômicos, humanitários, e de segurança — que as autoridades perseguem,
bem como a concepção de Estado-nação predominante.
A socióloga francesa Dominique Schnapper esclareceu: a
visão que cada país tem de imigração tem origem nos desafios históricos
e políticos através dos quais se formou a nação. Disso decorre a
diversidade de vocabulário: para os alemães, trata-se sempre de
estrangeiros; para os britânicos, de
minorias raciais (usou-se, durante muito tempo,
negro para designar tanto jamaicanos quanto índios); para os
holandeses e suecos, de minorias culturais; para os
franceses, de imigrantes e depois de
nacionais ou cidadãos.
Através das palavras e do discurso da vida social,
expressa-se o caráter do relacionamento com o outro, a tradição de
integração nacional e suas modalidades, a concepção de cidadania. Não
seria possível entender as formas de relacionamento com o estrangeiro
imigrado sem levar em consideração o jacobinismo francês, ligado a uma
concepção de nação cujas origens remontam à idade média, e que a
universalidade racionalista dos revolucionários reforçou; sem levar em
conta o multiculturalismo social britânico, fruto da história de
democracia parlamentar que por muito tempo admitiu a representação de
grupos e classes na vida pública; a tradição liberal dos Países Baixos e
da Suécia, que adotam políticas de emancipação das minorias; a história
da Alemanha e o sentimento ainda existente de “povo alemão” (deutscher
volk) enquanto entidade étnico-linguística [3].
A vontade de harmonizar o tratamento da imigração e do
direito de asilo deve adaptar-se a modelos de integração singulares [4].
O que predomina na Suécia restringe a admissão de imigrantes não
europeus, mas favorece uma cidadania multicultural para os imigrantes
residentes. À diferença de outros Estados, essa política, bastante
consensual, estabelece a diversidade cultural, a cooperação e a
solidariedade como valores centrais da sociedade e estabelece o
tratamento dos imigrantes a partir desta base de igualdade. Este
princípio não impede, no entanto, o reconhecimento de suas
particularidades culturais: as autoridades encorajam a organização de
comunidades e a manutenção da língua de origem. Os estrangeiros gozam de
direito de voto nas eleições locais e sua naturalização é facilitada; as
discriminações são combatidas. Mas alguns denunciam o risco de
fechamento das comunidades estrangeiras em si mesmas, uma espécie de
clientelismo étnico face ao Estado social e às formas de etnização da
vida política e social.
Na Holanda, integração ameaçada
A Holanda tinham elaborado um modelo bastante similar,
com base em outras realidades sócio-históricas. Essa sociedade funciona
há muito baseada na “pilarização”: o Estado delegava às igrejas a
administração de parte considerável dos negócios públicos e culturais. O
país gerou um importante fluxo migratório, vindo de suas ex-colônias, e
favoreceu a abertura das instituições oficiais para que os imigrantes
pudessem ter acesso a elas. Mas a erosão do consenso sobre a imigração,
as pressões dos movimentos xenófobos e o debate crescente sobre a
identidade nacional provocaram uma reversão desta tendência. Amsterdam
adotou medidas impositivas de assimilação, como a obrigação de assinar
“contratos de integração”. As provas de assimilação condicionam agora os
direitos civis dos imigrantes.
Mais do que a Holanda, o Reino Unido teve um importante
fluxo migratório vindo de suas ex-colônias, apesar dos esforços do
governo local para restringir a chegada de pessoas não-brancas. A
socióloga francesa Daniele Joly (que trabalha há trinta anos no Reino
Unido) classificou a prática como “discriminação racial
institucionalizada [5]”.
Em matéria de integração, esse país também elaborou gradativamente uma
política fundada no reconhecimento do multiculturalismo. Sensível à
diversidade cultural, o Reino Unido hesita em considerar os imigrantes
parte integrante da nação. Londres até mesmo aboliu o direito de solo do
sistema de cidadania, e não mais a concede aos egressos de colônias e
protetorados. Os imigrantes e seus descendentes são considerados
minorias étnicas desfavorecidas que o Estado deve se esforçar em
integrar. Isso não impede a codificação étnica, que faz parte até mesmo
dos formulários de recenseamento. Para garantir o respeito à igualdade,
mecanismos combatem as discriminações e o racismo. O fato de serem
consideradas entidades reais favorece certamente a capacidade de
organização, negociação e mobilização dessas comunidades. Mas, sob a
máscara do multiculturalismo, acentua-se consideravelmente o risco de
uma institucionalização de uma posição de inferioridade socio-econômica.
Suíça: “assimilação não-participativa”
Não sendo membro da União Européia e sem uma tradição
colonial, a Suíça propõe uma “assimilação não participativa”.
Preconizando uma concepção étnica de nação, simbolizada pelo direito de
sangue, a Suiça considera os imigrantes simples mão de obra. Esse são
cidadãos não pluridimensionais, mas socioeconômicos: produtores,
consumidores, cotistas e contribuintes [6].
Apesar de o voto municipal ter sido concedido a estrangeiros de alguns
cantões, os direitos políticos permanecem inseparáveis da nacionalidade,
ela mesma muito difícil de ser conquistada, mesmo para segunda e
terceira geração. Votações populares colocaram em xeque as tentativas de
simplificar a naturalização. Muitos descendentes de estrangeiros que
jamais moraram em outro país continuam sendo considerados estrangeiros.
Por muito tempo paises de emigração, a Espanha e a
Itália tornaram-se, em poucos anos, paises de imigração. Devida a suas
necessidades econômicas, eles desenvolveram inicialmente políticas de
admissão com forte viés liberal, mas não políticas de integração.
Grandes setores da economia aproveitaram-se do fato de muitos imigrantes
não terem situação regularizada. A mão de obra clandestina feminina é
atualmente um paliativo para o déficit de estruturas públicas para a
infância e terceira idade. A gradativa conscientização a respeito do
caráter estrutural da imigração levou à adoção de medidas de
regularização periódica de imigrantes – a mais recente ocorreu na
Espanha, em 2005. Contestada pelas correntes xenófobas em expansão, essa
política permitiu aos imigrantes não-europeus estabilizar sua situação
sócio-econômica e oficializar seus direitos civis, principalmente no
reagrupamento familiar.
Os quatro eixos do debate
No debate sobre a integração, um primeiro ponto, que
envolve a relação entre os direitos culturais e os outros direitos da
cidadania, revela profundas divergências entre os Estados, partidos
políticos e especialistas. A questão fundamental é a relação
igualdade/diferença. Alguns julgam que a manutenção de uma identidade
cultural específica aumenta a distância entre a comunidade de imigrantes
e a comunidade nacional, impedindo a primeira de exercer outros direitos
da cidadania. O exercício da cidadania plena fica assim condicionado à
assimilação cultural [7].
Outros entendem que a igualdade de direito implica aceitação de
diferenças culturais [8].
A exigência de assimilação camuflaria a recusa de acesso a outros
direitos.
Um segundo ponto envolve a relação de direitos políticos
e nacionalidade, isto é, os laços formais do migrante com o
Estado-nação. A concepção dominante não reconhece às pessoas
classificadas como estrangeiros os mesmos direitos que aos nacionais, já
que elas pertencem a uma outra comunidade política que não saberia
participar, ao menos formalmente, da formação da vontade geral. No
fundo, a cidadania política – como constata Aristide Zolberg [9]
confunde-se com a nacionalidade e exclui os “outros” da igualdade de
direitos. Mas a internacionalização crescente e o número cada vez maior
de pessoas residindo em outro país que não aquele de que são nacionais
levam a uma proposta de dissociação moderada dos direitos políticos e de
nacionalidade, ao menos no âmbito local. Instâncias supranacionais, como
a União Européia, já dilatam a cidadania local – beneficiando os
provenientes de Estados-membros.
O terceiro ponto trata do processo de globalização, que
põe em questão certo número de direitos sócio-econômicos de toda a
população. Essa limitação da cidadania social pode levar uma parte dos
residentes, conforme mostra Andréas Wimmer [10],
a delimitar áreas de onde os imigrantes serão excluídos, bens coletivos
pertencentes, segundo eles, unicamente aos nacionais. É a lógica da
“preferência nacional”. Outra parte privilegia a defesa global dos
direitos: para estes, a exclusão dos migrantes poderia preparar a
exclusão de outras categorias [11].
O quarto ponto aborda os limites de acesso aos direitos
civis nas sociedades democráticas. Em geral, considera-se que o Estado
soberano pode, em seu interesse, restringir o exercício das liberdades
fundamentais para os estrangeiros. Os oponentes dessa teoria argumentam
que as políticas de imigração , ao desrespeitar os direitos civis, negam
os direitos humanos mais elementares, introduzindo uma hierarquização
entre os seres humanos [12].
Embora as formas de tratar a imigração e a integração
sejam diversas no continente, a União Européia tem trabalhado no sentido
de harmonizar a política dos Estados membros nessa matéria. Isso tem
sido feito segundo duas lógicas: de uma parte, a que privilegia a
segurança; de outra, a que favorece o anti-racismo e anti-discriminação.
Mas o aumento da mobilidade e dos fluxos migratórios, que causam um
aumento de diversidade humana e de sua visibilidade, é normalmente
considerado uma ameaça. ainda mais porque os atentados islâmicos a Nova
York, Madri e Londres favoreceram leituras catastróficas a respeito dos
encontros inter-culturais e o pseudo “choque de civilizações”. Ao medo
do terrorismo juntam-se os da competição entre os indivíduos e
decomposição social e cultural das comunidades. Daí vem, na Europa, a
crítica, dos “modelos de integração”, apresentados como em crise.
[1]
Tomas Hammar (éd.), Política de imigração européia,
Cambridge University Press Cambridge, 1985.
[2]
Claudio Bolzman, “Politiques migratoires, droits citoyens et modes
d’incorporation des migrants et de leurs descendants aux sociétés de
résidence: une typologie”, in Manuel Boucher
(éd.), Discriminations et ethnicisation. Combattre le
racisme en Europe, L’Aube, la Tour-d’Aigues, 2006.
[3]
Dominique Schnapper, “Traditions nationales et connaissance
rationnelle”, em Sociologie et Société, vol. XXXI,
n° 2, Montréal, 1999, p. 18.
[4]
Manuel Boucher, Les Théories de l’intégration. Entre
universalisme et différentialisme, L’Harmattan, Paris, 2000.
[5]
Danièle Joly, “Minorités ethniques et politiques locales em
Grande-Bretagne”, em Didier Lapeyronnie (organizador),
Les Politiques locades l’intégration des minorités immigrées em Europe
et aux États-Unis, ADRI, Paris, 1991.
[6]
Claudio Bolzman, Rosita Fibbi et Marie Vial, “La population âgée
immigrée face à la retraite: problème social et problématiques de
recherche”, em Hans-Rudolph Wicker e outros,
L’Alterité dans la société; migration, ethnicité, Etat, Seismo,
Zurich, 1996.
[7]
Hans Joachim Hoffmann-Nowotny, Chancen und Risiken
multikultureller Einwanderungsgesellschaften, Oportunidades e riscos
da parcela imigrante, Conselho Suiço para a Ciência, Berna, 1992
[8]
Charles Taylor, Multiculturalism and the Politics of
Recognition, Princeton University Press, Princeton, 1994.
[9]
Aristide Zolberg, “L’incidence des facteurs externes sur la condition
des citoyens: approche comparatif, em Catherine
Withol De Wenden (éd.), La Citoyenneté,
Edilig/Fondation Diderot, Paris, 1988.
[10]
Andreas Wimmer, “Der Appell an die Nation”, em
Hans Rudolph Wicker e al. (éd.), L’alterité… , op.
cit.
[11]
Marie-Claire Caloz-Tschopp (coordenadora), Hanna
Arendt, les sens-État et le “droit d’avoir des droits”,
L’Harmattan, Paris, 1998.
[12]
De Lucas, “El futuro de la ciudadania em la UE: Es posible hablar de
la ciudadania multicultural?”, conferência nas Jornadas da Cidadania,
Universidade de Sevilha, março de 1998.
(©
Le Monde Diplomatique)
Teu lugar é a produção
No pós-guerra, o Estado alemão, assumiu, em nome das empresas, o papel
de recrutador de mão-de-obra estrangeira. O modelo criou a figura do
imigrante descartável, sem direitos sindicais e com permanência se
possível limitada
Albrecht Kieser
Uma imigração desejada, mas com duração limitada: este
foi, no período pós-guerra, o princípio diretor da política migratória
da República Federal da Alemanha (RFA). Em 1955, sob a pressão das
empresas, foi assinado um acordo de recrutamento com a Itália, o
primeiro dos países europeus dos quais a RFA queria atrair a
mão-de-obra. O processo de integração de 8,1 milhões de refugiados e
expulsos que se seguiu à segunda guerra mundial estava, então,
praticamente encerrado, e a economia da Alemanha Ocidental corria o
risco de não ter, em breve, mais nehuma reserva suficiente de
mão-de-obra. A agricultura, particularmente, temia a penúria e nas
regiões fortemente industrializadas as empresas assustavam-se com os
aumentos de salários. Além da Itália, foram assinados acordos de
recrutamento com a Espanha (1960), Grécia (1960), Turquia (1961),
Marrocos (1963), Portugal (1964), Tunísia (1965) e Iugoslávia (1968). Na
Alemanha, as autoridades locais submeteram centenas de milhares de
interessados a testes (de maneira freqüentemente indigna) e os
orientaram concretamente para certas empresas.
O acordo assinado com a Itália servia como
projeto-piloto, e não unicamente em relação ao mercado de trabalho. Ele
permitia transferir ao Estado o direito das empresas de recrutar
estrangeiros a título de compra de mão-de-obra. Uma empresa procurava um
número preciso de trabalhadores especializados e acionava um serviço de
Estado. Este retransmitia o pedido aos países interessados e verificava,
antes de sua partida para a Alemanha, se os imigrantes selecionados
correspondiam ao perfil exigido (idade, qualificação, estado de saúde,
etc.). Não estava previsto que os sindicatos pudessem reivindicar, em
nome desses imigrantes, nada além da remuneração do salário mínimo e do
respeito às regras de segurança no trabalho (o que não impediu que
fossem atribuídos aos operários, e principalmente operárias, [1]
os trabalhos mais difíceis e sujos trabalhos, os menos qualificados e/ou
os menos bem pagos).
Uma primeira imigração não-submetida ao controle do
Estado já havia precedido esse acordo. O que importava, agora, era que a
política tomasse conta do assunto, para colocá-lo em boa ordem. Durante
a primeira fase do desenvolvimento da República Federal Alemã (RFA),
tinha havido apenas uma discussão pública a respeito desse tipo de
contrato – especialmente porque o número de recrutados (alguns milhares)
era marginal. O acordo com a Itália abria o caminho ao aumento do número
de migrantes recrutados, que iria saltar de 200 mil a 1 milhão, em 1965.
A necessidade de aumentar a mão-de-obra estrangeira
estava ligada ao enfraquecimento da onda de refugiados da República
Democrática Alemã (RDA). A construção do muro de Berlim, iniciada em 13
de agosto de 1961, havia colocado fim, de maneira brutal, à chegada
permanente de imigrantes alemães “do interior”, altamente qualificados,
em sua maioria, e cujo número foi calculado em três milhões de pessoas
ao todo, durante a década de 1950-1960. Ora, a economia alemã ocidental
continuava seu desenvolvimento. Com uma única interrupção, devida à
crise conjuntural de 1967/68, o número de estrangeiros na Alemanha não
parou de crescer até 1973, até atingir os 4 milhões, dos quais 3 milhões
vindos dos oito países de recrutamento acima citados.
Os imigrantes deviam servir para amortecer os choques
conjunturais. Esse cálculo funcionou perfeitamente durante a primeira
crise de 1967. O saldo migratório, que sempre havia sido positivo nos
anos precedentes (entre 200 mil e 300 mil pessoas) e voltaria a sê-lo,
mais tarde, foi então invertido, transformando-se numa saída anual de
200 mil migrantes. O procedimento de expulsão rápida encontrava seu
fundamento legal na lei sobre os estrangeiros de 1965. Estes últimos só
conseguiam obter seu visto de permanência por um ano e, mesmo assim, se
fosse ligado a um contrato de trabalho com um determinado empregador. A
jurisprudência recusava o direito de estabelecimento permanente a
pretexto de que este era contrário aos interesses da República Federal.
Em 1973, aproveitando o pretexto do choque petrolífero,
a RFA decretou a interrupção geral do recrutamento. A decisão surgiu em
seguida a intensos debates sobre a relação entre o custo e a utilidade
da política de recrutamento no exterior. Aos olhos de numerosos
dirigentes políticos e econômicos, ele era, agora, prejudicial. O
crescimento das famílias, ainda que não reduzisse de forma significativa
a proporção de imigrantes sujeitos às cotizações sociais, fazia surgir a
necessidade de investimentos públicos nas escolas, formação profissional
e habitação. Estes custos eram julgados improdutivos. Além disso, o
envolvimento de muitos migrantes com movimentos políticos e as greves
“selvagens” de trabalhadores imigrantes, no início dos anos 1970,
inquietavam tanto as empresas quanto a classe política.
Os acordos de recrutamento não puderam impedir a chegada
de imigrantes não-assalariados. A pressão dos próprios migrantes ou de
seu país de origem havia obrigado a se admitir o reagrupamento familiar
(com exceção dos contratos assinados com a Tunísia e o Marrocos). Uma
vez que seu contrato de trabalho se prolongava, cada vez mais imigrantes
faziam vir sua família ou iniciavam uma nova no país, com um parceiro de
sua comunidade.
O final do recrutamento (pelo qual a RFA executava uma
política de imigração econômica desejada, porém limitada a certo
período) teve como resultado – ironia dos fatos – o crescimento das
famílias estrangeiras e, portanto, a redução da proporção de imigrantes
assalariados sujeitos às cotizações sociais. Desde os anos 1980, essa
proporção era apenas um pouco superior àquela dos cidadãos alemães.
[1]
A situação particular dassas mulheres imigrantes não foi estudada,
ainda que seu número fosse sempre muito elevado. Na época do
recrutamento, ele ultrapassava em 25% o número de homens. Cf. Monika
Mattes, “Zum Verhältnis von Migration und Geschlecht ”,
in Jan Motte u. a., 50 Jahre
Bundesrepublik, 50 Jahre Einwanderung, Frankfurt, 1999
(©
Le Monde Diplomatique)
Quem são os “estrangeiros”
Entre eles estão, segundo as estatísticas e a lei, 1,5 milhão de
pessoas nascidas no país... A entrada de “repatriados tardios” e de
migrantes não recenseados torna os números ainda mais precários
Albrecht Kieser
O número de 7,3 milhões de estrangeiros recenseados na
Alemanha inclui, de maneira absurda, os 1,5 milhões de “estrangeiros”
nascidos no país. Somente são considerados alemães os indivíduos de
“origem alemã” — ou seja, nascidos de pais alemães. A população da
Alemanha Federal compreende, portanto, aproximadamente 9% de não-alemães
– dos quais 27% vindos de países da União Européia, 25% da Turquia, 14%
da ex-Iugoslávia, 4,5% da Polônia (na época, ainda não membro da União
Européia), 1,2% da Romênia, 1,5% dos Estados-Unidos, 1,2% do Vietnã,
1,1% do Marrocos, 1,1% do Irã, etc.
Durante a última década, o número de candidatos a asilo
diminuiu rapidamente – 440 mil em 1992, 128 mil em 1995, 36 mil em 2004.
Em compensação, os reagrupamentos familiares fizeram com que aumentasse
ligeiramente o número total de migrantes. Além disso, o número de
trabalhadores imigrantes possuidores de um visto de permanência limitada
(missões pontuais e contratos sazonais) aumentou.
As estatísticas sobre os “estrangeiros” ocultam, além de
tudo, dois elementos que contribuem, de maneira importante, para dar a
impressão de um crescimento da imigração: de um lado, a entrada na
Alemanha de migrantes e refugiados não recenseados, cujo número aumentou
no mínimo em 500 mil, desde o início dos anos 1990; de outro, a chegada
de quase 3 milhões de“alemães de origem” e de “repatriados
tardios de origem alemã” que “retornaram” desde
1988.
Nos últimos dez anos, 800 mil pessoas tornaram-se alemãs
através da naturalização. A eles acrescentam-se todos os alemães que,
após a segunda guerra mundial, tiveram que abandonar os antigos
territórios do Leste (em particular a Polônia ou a Tchecoslováquia),
para se refugiar na República Federal da Alemanha (RFA: 8,1 milhões) ou
na República Democrática Alemã (RDA: 3,6 milhões). Não devemos esquecer,
tampouco, os 4,6 milhões de desertores da RDA que passaram, antes de
1989, para a RFA.
(©
Le Monde Diplomatique)
Uma lei tímida demais
A lei de imigração finalmente aprovada em 2005 eliminou a maior parte
dos dispositivos democráticos feitos quatro anos antes pela Comissão
Sussmuth, que formulou o projeto quatro anos antes
Albrecht Kieser
As propostas da “comissão Sussmuth” – nome de sua
presidente, a democrata-cristã Rita Sussmuth – foram apresentadas em
julho de 2001. Algumas semanas antes, a CDU (União Democrática Cristã)
havia repetido: “A Alemanha não é um país de imigração”. Ora, a comissão
reconhecia a imigração como um fator econômico importante para o
desenvolvimento da Alemanha. Ela preconizava, em conseqüência, a
organização da importação de uma mão-de-obra qualificada segundo um
sistema de pontos. Não mais do que 20 mil pessoas poderiam ingressar,
durante o primeiro ano da instalação do novo sistema.
Estas propostas foram rejeitadas pela CDU e uma grande
parte do SPD (Partido Social Democrata). Os grupos de ajuda ao terceiro
mundo também as criticaram, estimando que eles retiravam, dos países
menos desenvolvidos, os trabalhadores especializados de que eles
absolutamente necessitavam. Quando a lei foi finalmente adotada em 2005,
não se encontrava mais o menor traço das idéias da comissão Sussmuth.
As sugestões desta última com relação aos refugiados
políticos permaneceram bem aquém das esperanças de liberalização.Mesmo
os candidatos a asilo que se encontravam na Alemanha há cinco anos ou
mais não obtiveram nem proteção, nem o final da proibição de trabalhar,
nem a ampliação do acesso à saúde, nem o direito de sair dos campos de
alojamento... Resumindo: a comissão não saía dos marcos de uma política
oficial profundamente reacionária.
Em contrapartida, a comissão reconhecia certos direitos
para os sem-papéis, preconizando seu acesso à formação escolar e à saúde
e afastando qualquer sanção contra aqueles que lhes oferecessem ajuda
humanitária.
(©
Le Monde Diplomatique) |