Este texto é parte
integrante do livro A Itália no Nordeste - contribuição italiana ao Nordeste do
Brasil, de Manuel Correia de Andrade, co-editado pela Fondazione Giovanni
Agnelli, de Torino e pela Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife.
Normalmente as pesquisas e
os estudos publicados em livro abordam a presença italiana no Sul e no Sudeste do
Brasil. Por isso, ao tratar o tema em relação ao Nordeste, este livro se torna muito
interessante. O trecho a seguir é o capítulo Considerações Finais, que
aparece a partir da página 190, do volume editado em 1992.
No estudo sobre a contribuição italiana à
formação do Nordeste brasileiro, levou-se em conta duas categorias: o espaço e o tempo.
Procurou-se analisar de onde eles vieram - de que região ou província da península -,
por que vieram, como vieram e por que elegeram o Nordeste como ponto de nova residência,
permanente ou temporária.
Por outro lado procurou-se saber como, ao
chegarem ao Nordeste, se distribuíram pelas várias cidades, quais os objetivos que
pretendiam atingir, como se aclimataram e conviveram com a população local e qual a
contribuição que deram à vida e também ao desenvolvimento regional.
Espera-se, com esta análise, ter atingido os
objetivos e aberto perspectivas para novos estudos, mais especializados, sobre a
problemática. Afinal, tanto o Brasil como a Itália, afirmando-se como nações e
estados, necessitam melhor identificar os caminhos percorridos e os aspectos em que se
aproximam, se estreitam relações e até integram ações. A Itália projetando-se no
exterior, através dos descendentes e continuadores da ação cultural de uma
civilização milenar, e o Brasil consolidando-se como nação e estado, um país que se
firma, se impõe na comunidade internacional, constrói uma cultura e uma civilização
próprias, que não o afastam da comunidade internacional, mas dão condições de
afirmação de sua personalidade diante das várias nações com que mantém relações.
No estudo das migrações italianas para o
Nordeste, da sua fixação e, em seguida, dos ítalo-brasileiros, é interessante
tentar-se uma periodização que pode compreender quatro fases: a pré-colonial, a
colonial, a imperial e a republicana.
Na primeira fase, o território nordestino
tinha para os europeus apenas uma expressão espacial, eles ignoraram os indígenas e seus
direitos, fizeram apenas o reconhecimento da costa visando levantar os recursos a serem
apreendidos e estabelecer contatos com povos considerados selvagens, que deveriam ser
explorados através do escambo e da escravização. Nesse período a participação
italiana teve certa importância devido à presença, nas várias expedições
exploradoras, de navegadores que haviam adquirido experiências no Mediterrâneo e se
estabelecido na Península Ibérica à procura da oportunidade de participar nas
expedições marítimas, à caça de aventuras, de riquezas assim como de capitais das
cidades italianas, enriquecidas graças ao comércio, nos últimos séculos da Idade
Média, e desejosos de aumentar os seus negócios. Entre os navegadores, o mais famoso a
pisar em terras nordestinas foi o florentino Américo Vespúcio, que, graças às suas
cartas, passou a dar o nome ao continente "descoberto" pelo genovês Cristóvão
Colombo. Quanto aos comerciantes, foram eles tão numerosos nas cidades portuguesas e
espanholas e participaram com quantias tão avultadas que muitas vezes foram sócios dos
reis e introduziram costumes italianos nas próprias cidades da península Ibérica.
Lisboa, no período áureo dos descobrimentos, procurava imitar Florença.
Na Segunda fase, a colonial (1535/1822), a
atuação foi diferente, desde que, nos três séculos que a compreendem, os europeus
realizaram a conquista do país, ocuparam o território, destruíram as nações
indígenas e organizaram o espaço em função de uma economia de exportação. Nessa fase
houve constantes lutas entre os indígenas que defendiam suas terras e sua liberdade e os
invasores europeus - franceses, ingleses, holandeses, etc. - que procuravam se apropriar
das mesmas. Fase em que os reis de Portugal e, durante o domínio espanhol (1580/1640), os
de Espanha, sustentaram uma guerra contra os holandeses, utilizando, em grande parte,
forças militares italianas, napolitanas mais precisamente, uma vez que, na época,
Nápoles se encontrava também sob o domínio espanhol e seus habitantes eram,
consequentemente, súditos do rei de Espanha.
Foram numerosos os sacerdotes italianos
enviados ao Brasil, a fim de trabalharem no processo de evangelização dos indígenas.
Estes sacerdotes, quase sempre eram ligados à Companhia de Jesus e à Ordem dos
Capuchinhos. Dois jesuítas italianos, Andreoni e Benci, além de se tornarem famosos por
seus trabalhos ligados à Igreja, se destacaram por haver escrito livros sobre o Brasil,
no século XVIII, dando uma visão geral do país e das instituições, implantadas
durante o domínio colonial. São livros indispensáveis à compreensão da formação
brasileira.
Os capuchinhos, menos intelectualizados que os
jesuítas e mais voltados para a ação missionária, foram grandes desbravadores dos
sertões e acompanharam o processo de conquista e ocupação dos territórios indígenas;
tentando atenuar a violência com que a expansão colonial se processava, estavam também
minando a capacidade de resistência dos vencidos, oferecendo compensações para os seus
sofrimentos depois da morte, aldeando-os e instruindo-os nos trabalhos agrícolas.
Sedentarizava-os para que fossem utilizados como força de trabalho nas ocasiões de maior
necessidade, nos momentos de pique na agricultura, ou ainda, após a catequese, como tropa
na luta contra as tribos ainda "selvagens".
A participação militar, essencialmente
napolitana, ocorreu durante a guerra holandesa ( 1624/ 1654), mas a atividade religiosa
foi intensa durante todo o período colonial, estendendo-se até os nossos dias; eram
religiosos originários das mais diversas regiões da Itália, de vez que a Igreja
recruta-os em todos os estados da península. Nesse período ocorreu o estabelecimento de
alguns italianos em atividades profissionais e comerciais, mas em números pouco
expressivos.
Na terceira fase, período imperial, a
situação foi completamente diferente; com a Independência, houve uma preocupação
maior com a ocupação de posições consideradas estratégicas para o governo brasileiro
e com o desejo de promover o "embranquecimento" da população. Por isto, o
governo passou a desenvolver uma política de colonização, com mais intensidade no sul
do país, e a receber numerosos colonos de diversas nacionalidades européias. Instalados
no país, eles passaram a ter alguma mobilidade e a se distribuir espontaneamente pelas
várias províncias do Império. O desenvolvimento da vida urbana, com ênfase no setor
artístico e da moda, estimulou a migração de italianos, sobretudo de músicos e
cantores, que ora se fixaram no país ora o visitaram por longos períodos em companhias
que se exibiam nas principais cidades.
Além de missionários, apesar dos atritos
entre a Igreja e o Estado, vieram numerosos artesões - costureiros, alfaiates,
sapateiros, funileiros, caldeireiros, mecânicos, etc.- que se fixaram tanto nas capitais
como no interior, em áreas onde tinham oportunidade de trabalho. Vieram também
comerciantes que iniciavam as suas atividades como mascates e ao enriquecerem passaram a
dirigir empórios e pequenas e médias indústrias. Foi um período em que houve um maior
contato com a população brasileira, tendo os italianos participado intensamente da
miscigenação tanto através do casamento como de relações extramatrimoniais, sobretudo
quando deixavam a família na Itália. Os descendentes dessas uniões deram origem a
numerosas famílias ítalo-brasileiras que se integram nas mais diversas escalas sociais
da região.
O contingente de migrantes intensificou-se
mais nesse período, em conseqüência do desenvolvimento das atividades econômicas no
Nordeste e da crise que a Itália enfrentou na Segunda metade do século XIX, quer de
ordem econômica, com a concentração da propriedade da terra, quer de ordem política,
com sua unificação política, de conseqüências muito fortes no Mezzogiorno.
Na Quarta fase, a do Brasil republicano, o
Nordeste continuou a receber expressivos contigentes de migrantes italianos, movidos pelas
transformações econômicas porque passava, com a modernização da agroindústria
canavieira, do desenvolvimento da indústria têxtil, do crescimento da cultura do cacau e
do lançamento, no mercado externo, de produtos extrativos, como a cera de carnaúba e de
licuri, e óleo de oiticica e de copaíba, etc. O crescimento urbano e o desenvolvimento
da indústria metalúrgica, a princípio de forma artesanal e em seguida industrial, muito
contribuíram para a fixação de italianos no Nordeste. Ao lado destas atividades
econômicas, o desenvolvimento de atividades artísticas, da música, da escultura, da
pintura e da arquitetura, constituiu uma forte atração para os italianos. Entre estes
migrantes, embora fossem dominantemente do sul, havia um expressivo contingente de
oriundos do centro e do norte.
Após a Segunda Guerra Mundial, houve novas
experiências, como a de implantação de uma colônia de agricultores em Jaguaquara e
Itiruçu, que provocou modificações nos usos e costumes regionais; foi difundido o uso
de verduras na alimentação e se desenvolveram novas técnicas agrícolas com a vinda
para os principais centros urbanos de técnicos e empresários de alto nível que eram
convidados e estimulados a vir quer pelo governo brasileiro, quer por grandes empresas que
utilizam alta tecnologia. Continuaram a convergir para o Nordeste religiosos que exercem
as suas atividade nas cidades médias e grandes, junto às populações marginalizadas das
favelas e, em contraste, nos colégios destinados a filhos de famílias das classes média
alta e alta, e missionários que nas áreas ainda em povoamento fazem o trabalho de
evangelização. É muito importante o grupo de sacerdotes italianos que trabalha no meio
rural, orientando os pequenos produtores e os assalariados rurais a se organizarem em
sindicatos e a reivindicarem os direito que lhe são assegurados pela constituição e
pela legislação agrária do país e que não são cumpridos. Esta atuação tem
provocado incidentes entre sacerdotes italianos de um lado e as autoridades e os grandes
latifundiários, de outro.
Ainda pode ser assinalado nestas conclusões
finais, que os italianos, de forma geral, se adaptaram bem à vida e à sociedade
brasileiras e se integraram às mesmas, exercendo uma grande influência em determinados
setores, como a alimentação - com a difusão das massas e dos legumes -, na vida
religiosa- desenvolvendo uma concepção de Igreja mais combatente, mais ligada aos
pobres, enquanto outros se mantêm na visão tradicional -, na educação, em face da
manutenção de colégios de ensino primário e médio e na participação de religiosos
no ensino universitário -, nas atividades artísticas - música, arquitetura, escultura,
pintura, etc.- , no desenvolvimento do pensamento filosófico e social, graças à
influência de pensadores como Croce, Gramsci e Bobbio, no Direito - a legislação
trabalhista brasileira, apesar da queda do fascismo, ainda se baseia, em grande parte, na
Carta del Lavoro.
A Itália é uma atração constante para
pessoas que desejam fazer cursos de pós-graduação na Europa, sobretudo nos setores em
que ela tem mais prestígio, como a restauração de imagens e de monumentos, as artes
plásticas, a arquitetura e urbanismo, o direito, a filosofia, a teologia e a ciência
política; este interesse se torna mais intenso entre os jovens ítalo-brasileiros que
unem à necessidade de melhor qualificação profissional a de procura da origem, da
identidade que, em um momento de crise, ganha maiores dimensões.
Muitos ítalo-brasileiros estão, no momento,
requerendo a dupla nacionalidade, não só com a intenção obterem maiores vantagens em
viagens mas também com a intenção de se fixarem definitivamente na Itália ou em outros
países do Mercado Comum Europeu, devido às dificuldade de trabalho no Brasil, em meio à
crise econômica que o atinge. Seria, assim, uma migração de retorno, feita após duas
ou três gerações.
Concluindo, observa-se como a migração
italiana para o Nordeste teve e tem grande importância para uma região que obtém
mão-de-obra qualificada e se moderniza, apesar das dificuldades que a atingem, e para a
Itália que se projeta econômica e culturalmente em uma região onde vivem mais de trinta
milhões de habitantes e que dispões de expressivas oportunidades para a força de
trabalho qualificada e criativa. O migrante, com duas ou três gerações, se abrasileira
ou se nordestiniza, mas, ao mesmo tempo, através de sua influência, ele italianiza os
valores da sociedade nordestina, havendo, assim, uma troca altamente vantajosa para as
duas partes.
(© 1992. Manuel Correia
de Andrade, Fondazione Giovanni Agnelli/Torino e Editora Massangana, da Fundação Joaquim
Nabuco/Recife).