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Migrazioni ItaliaOggi

 

A Itália no Nordeste

18/02/2003

 

Manuel Correia de Andrade

 

Este texto é parte integrante do livro A Itália no Nordeste - contribuição italiana ao Nordeste do Brasil, de Manuel Correia de Andrade, co-editado pela Fondazione Giovanni Agnelli, de Torino e pela Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife.

   Normalmente as pesquisas e os estudos publicados em  livro abordam a presença italiana no Sul e no Sudeste do Brasil. Por isso, ao tratar o tema em relação ao Nordeste, este livro se torna muito interessante. O trecho a seguir é o capítulo Considerações Finais, que aparece a partir da página 190, do volume editado em 1992.


   No estudo sobre a contribuição italiana à formação do Nordeste brasileiro, levou-se em conta duas categorias: o espaço e o tempo. Procurou-se analisar de onde eles vieram - de que região ou província da península -, por que vieram, como vieram e por que elegeram o Nordeste como ponto de nova residência, permanente ou temporária.

   Por outro lado procurou-se saber como, ao chegarem ao Nordeste, se distribuíram pelas várias cidades, quais os objetivos que pretendiam atingir, como se aclimataram e conviveram com a população local e qual a contribuição que deram à vida e também ao desenvolvimento regional.

   Espera-se, com esta análise, ter atingido os objetivos e aberto perspectivas para novos estudos, mais especializados, sobre a problemática. Afinal, tanto o Brasil como a Itália, afirmando-se como nações e estados, necessitam melhor identificar os caminhos percorridos e os aspectos em que se aproximam, se estreitam relações e até integram ações. A Itália projetando-se no exterior, através dos descendentes e continuadores da ação cultural de uma civilização milenar, e o Brasil consolidando-se como nação e estado, um país que se firma, se impõe na comunidade internacional, constrói uma cultura e uma civilização próprias, que não o afastam da comunidade internacional, mas dão condições de afirmação de sua personalidade diante das várias nações com que mantém relações.

   No estudo das migrações italianas para o Nordeste, da sua fixação e, em seguida, dos ítalo-brasileiros, é interessante tentar-se uma periodização que pode compreender quatro fases: a pré-colonial, a colonial, a imperial e a republicana.

   Na primeira fase, o território nordestino tinha para os europeus apenas uma expressão espacial, eles ignoraram os indígenas e seus direitos, fizeram apenas o reconhecimento da costa visando levantar os recursos a serem apreendidos e estabelecer contatos com povos considerados selvagens, que deveriam ser explorados através do escambo e da escravização. Nesse período a participação italiana teve certa importância devido à presença, nas várias expedições exploradoras, de navegadores que haviam adquirido experiências no Mediterrâneo e se estabelecido na Península Ibérica à procura da oportunidade de participar nas expedições marítimas, à caça de aventuras, de riquezas assim como de capitais das cidades italianas, enriquecidas graças ao comércio, nos últimos séculos da Idade Média, e desejosos de aumentar os seus negócios. Entre os navegadores, o mais famoso a pisar em terras nordestinas foi o florentino Américo Vespúcio, que, graças às suas cartas, passou a dar o nome ao continente "descoberto" pelo genovês Cristóvão Colombo. Quanto aos comerciantes, foram eles tão numerosos nas cidades portuguesas e espanholas e participaram com quantias tão avultadas que muitas vezes foram sócios dos reis e introduziram costumes italianos nas próprias cidades da península Ibérica. Lisboa, no período áureo dos descobrimentos, procurava imitar Florença.

   Na Segunda fase, a colonial (1535/1822), a atuação foi diferente, desde que, nos três séculos que a compreendem, os europeus realizaram a conquista do país, ocuparam o território, destruíram as nações indígenas e organizaram o espaço em função de uma economia de exportação. Nessa fase houve constantes lutas entre os indígenas que defendiam suas terras e sua liberdade e os invasores europeus - franceses, ingleses, holandeses, etc. - que procuravam se apropriar das mesmas. Fase em que os reis de Portugal e, durante o domínio espanhol (1580/1640), os de Espanha, sustentaram uma guerra contra os holandeses, utilizando, em grande parte, forças militares italianas, napolitanas mais precisamente, uma vez que, na época, Nápoles se encontrava também sob o domínio espanhol e seus habitantes eram, consequentemente, súditos do rei de Espanha.

   Foram numerosos os sacerdotes italianos enviados ao Brasil, a fim de trabalharem no processo de evangelização dos indígenas. Estes sacerdotes, quase sempre eram ligados à Companhia de Jesus e à Ordem dos Capuchinhos. Dois jesuítas italianos, Andreoni e Benci, além de se tornarem famosos por seus trabalhos ligados à Igreja, se destacaram por haver escrito livros sobre o Brasil, no século XVIII, dando uma visão geral do país e das instituições, implantadas durante o domínio colonial. São livros indispensáveis à compreensão da formação brasileira.

   Os capuchinhos, menos intelectualizados que os jesuítas e mais voltados para a ação missionária, foram grandes desbravadores dos sertões e acompanharam o processo de conquista e ocupação dos territórios indígenas; tentando atenuar a violência com que a expansão colonial se processava, estavam também minando a capacidade de resistência dos vencidos, oferecendo compensações para os seus sofrimentos depois da morte, aldeando-os e instruindo-os nos trabalhos agrícolas. Sedentarizava-os para que fossem utilizados como força de trabalho nas ocasiões de maior necessidade, nos momentos de pique na agricultura, ou ainda, após a catequese, como tropa na luta contra as tribos ainda "selvagens".

   A participação militar, essencialmente napolitana, ocorreu durante a guerra holandesa ( 1624/ 1654), mas a atividade religiosa foi intensa durante todo o período colonial, estendendo-se até os nossos dias; eram religiosos originários das mais diversas regiões da Itália, de vez que a Igreja recruta-os em todos os estados da península. Nesse período ocorreu o estabelecimento de alguns italianos em atividades profissionais e comerciais, mas em números pouco expressivos.

   Na terceira fase, período imperial, a situação foi completamente diferente; com a Independência, houve uma preocupação maior com a ocupação de posições consideradas estratégicas para o governo brasileiro e com o desejo de promover o "embranquecimento" da população. Por isto, o governo passou a desenvolver uma política de colonização, com mais intensidade no sul do país, e a receber numerosos colonos de diversas nacionalidades européias. Instalados no país, eles passaram a ter alguma mobilidade e a se distribuir espontaneamente pelas várias províncias do Império. O desenvolvimento da vida urbana, com ênfase no setor artístico e da moda, estimulou a migração de italianos, sobretudo de músicos e cantores, que ora se fixaram no país ora o visitaram por longos períodos em companhias que se exibiam nas principais cidades.

   Além de missionários, apesar dos atritos entre a Igreja e o Estado, vieram numerosos artesões - costureiros, alfaiates, sapateiros, funileiros, caldeireiros, mecânicos, etc.- que se fixaram tanto nas capitais como no interior, em áreas onde tinham oportunidade de trabalho. Vieram também comerciantes que iniciavam as suas atividades como mascates e ao enriquecerem passaram a dirigir empórios e pequenas e médias indústrias. Foi um período em que houve um maior contato com a população brasileira, tendo os italianos participado intensamente da miscigenação tanto através do casamento como de relações extramatrimoniais, sobretudo quando deixavam a família na Itália. Os descendentes dessas uniões deram origem a numerosas famílias ítalo-brasileiras que se integram nas mais diversas escalas sociais da região.

   O contingente de migrantes intensificou-se mais nesse período, em conseqüência do desenvolvimento das atividades econômicas no Nordeste e da crise que a Itália enfrentou na Segunda metade do século XIX, quer de ordem econômica, com a concentração da propriedade da terra, quer de ordem política, com sua unificação política, de conseqüências muito fortes no Mezzogiorno.

   Na Quarta fase, a do Brasil republicano, o Nordeste continuou a receber expressivos contigentes de migrantes italianos, movidos pelas transformações econômicas porque passava, com a modernização da agroindústria canavieira, do desenvolvimento da indústria têxtil, do crescimento da cultura do cacau e do lançamento, no mercado externo, de produtos extrativos, como a cera de carnaúba e de licuri, e óleo de oiticica e de copaíba, etc. O crescimento urbano e o desenvolvimento da indústria metalúrgica, a princípio de forma artesanal e em seguida industrial, muito contribuíram para a fixação de italianos no Nordeste. Ao lado destas atividades econômicas, o desenvolvimento de atividades artísticas, da música, da escultura, da pintura e da arquitetura, constituiu uma forte atração para os italianos. Entre estes migrantes, embora fossem dominantemente do sul, havia um expressivo contingente de oriundos do centro e do norte.

   Após a Segunda Guerra Mundial, houve novas experiências, como a de implantação de uma colônia de agricultores em Jaguaquara e Itiruçu, que provocou modificações nos usos e costumes regionais; foi difundido o uso de verduras na alimentação e se desenvolveram novas técnicas agrícolas com a vinda para os principais centros urbanos de técnicos e empresários de alto nível que eram convidados e estimulados a vir quer pelo governo brasileiro, quer por grandes empresas que utilizam alta tecnologia. Continuaram a convergir para o Nordeste religiosos que exercem as suas atividade nas cidades médias e grandes, junto às populações marginalizadas das favelas e, em contraste, nos colégios destinados a filhos de famílias das classes média alta e alta, e missionários que nas áreas ainda em povoamento fazem o trabalho de evangelização. É muito importante o grupo de sacerdotes italianos que trabalha no meio rural, orientando os pequenos produtores e os assalariados rurais a se organizarem em sindicatos e a reivindicarem os direito que lhe são assegurados pela constituição e pela legislação agrária do país e que não são cumpridos. Esta atuação tem provocado incidentes entre sacerdotes italianos de um lado e as autoridades e os grandes latifundiários, de outro.

   Ainda pode ser assinalado nestas conclusões finais, que os italianos, de forma geral, se adaptaram bem à vida e à sociedade brasileiras e se integraram às mesmas, exercendo uma grande influência em determinados setores, como a alimentação - com a difusão das massas e dos legumes -, na vida religiosa- desenvolvendo uma concepção de Igreja mais combatente, mais ligada aos pobres, enquanto outros se mantêm na visão tradicional -, na educação, em face da manutenção de colégios de ensino primário e médio e na participação de religiosos no ensino universitário -, nas atividades artísticas - música, arquitetura, escultura, pintura, etc.- , no desenvolvimento do pensamento filosófico e social, graças à influência de pensadores como Croce, Gramsci e Bobbio, no Direito - a legislação trabalhista brasileira, apesar da queda do fascismo, ainda se baseia, em grande parte, na Carta del Lavoro.

   A Itália é uma atração constante para pessoas que desejam fazer cursos de pós-graduação na Europa, sobretudo nos setores em que ela tem mais prestígio, como a restauração de imagens e de monumentos, as artes plásticas, a arquitetura e urbanismo, o direito, a filosofia, a teologia e a ciência política; este interesse se torna mais intenso entre os jovens ítalo-brasileiros que unem à necessidade de melhor qualificação profissional a de procura da origem, da identidade que, em um momento de crise, ganha maiores dimensões.

   Muitos ítalo-brasileiros estão, no momento, requerendo a dupla nacionalidade, não só com a intenção obterem maiores vantagens em viagens mas também com a intenção de se fixarem definitivamente na Itália ou em outros países do Mercado Comum Europeu, devido às dificuldade de trabalho no Brasil, em meio à crise econômica que o atinge. Seria, assim, uma migração de retorno, feita após duas ou três gerações.

   Concluindo, observa-se como a migração italiana para o Nordeste teve e tem grande importância para uma região que obtém mão-de-obra qualificada e se moderniza, apesar das dificuldades que a atingem, e para a Itália que se projeta econômica e culturalmente em uma região onde vivem mais de trinta milhões de habitantes e que dispões de expressivas oportunidades para a força de trabalho qualificada e criativa. O migrante, com duas ou três gerações, se abrasileira ou se nordestiniza, mas, ao mesmo tempo, através de sua influência, ele italianiza os valores da sociedade nordestina, havendo, assim, uma troca altamente vantajosa para as duas partes.

(© 1992. Manuel Correia de Andrade, Fondazione Giovanni Agnelli/Torino e Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco/Recife).            

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