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O antifascismo no mundo da diáspora italiana:
elementos para uma análise comparativa a partir do caso brasileiro |
03/10/2001
João Fábio
Bertonha
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
(Texto originalmente publicado no site
AltreItalie - Riviste Internazionale di studi sulla popolazioni di origine italiana nel
mondo. www.fga.it/altreitalie)
Bibliografia
Entre 1922 e 1945, um conflito em especial marcou
a coletividade italiana de São Paulo: o havido entre fascistas e antifascistas. De fato,
por um período de mais de 20 anos, italianos pró e contra Mussolini se digladiaram pela
conquista dos italianos locais e recentes análises (Trento, 1988, 1989
e 1994) tem demonstrado como a coletividade italiana, apesar de não ter aderido em
massa aos organismos fascistas como os fasci all'estero e os Dopolavoro, apresentou uma
firme simpatia pelo regime fascista e uma tendência a recusar a mensagem do antifascismo.
Discutir essa situação e, especialmente, as causas das dificuldades do antifascismo
italiano em se afirmar no Brasil é o objetivo desse texto.
Nesse ponto, é
necessária uma observação. Esse artigo tem seu foco central de preocupações no
fascismo e, especialmente, no antifascismo italiano em ação no Brasil e devemos
concentrar o grosso de nossas análises e comentários, obviamente, no mesmo. Ainda assim,
a referência contínua à bibliografia internacional sobre o antifascismo pretende não
só confrontar o caso brasileiro com outros, como também fazer reflexões mais gerais
sobre a questão do antifascismo no mundo da diáspora italiana, o que amplia, sem
dúvida, o alcance e o significado desse texto.
Fascismo e antifascismo italianos no Brasil: um
breve resumo
Desde os inícios de suas atividades, o Partido fascista (e depois, o governo fascista)
procurou transferir seus ideais para seus concidadãos residentes no exterior. Nesse
sentido foi feito todo um esforço no sentido de manter viva a italianidade entre os
imigrantes e seus descendentes e de inculcar a ideologia fascista entre eles, de forma a
manter os laços entre as comunidades italianas espalhadas pelo mundo e a Itália fascista
São Paulo não fugiu
à regra1. Desde 1923, começam os esforços fascistas para
cativar os italianos e seus descendentes residentes no Estado. É principalmente a partir
de 1928, porém, com a chegada dos cônsules «fascistas» ao Brasil (Cervo 1992, pp. 89-112), que os esforços fascistas serão
redobrados, com todos os meios sendo empregados na tarefa de cativar os imigrantes.
E que meios seriam
estes?2. Na realidade, o fascismo se serviu de duas vias
principais para a busca do consenso no seio da comunidade italiana. De um lado,
procurou-se fazer uma penetração direta nesta comunidade através da expansão da rede
consular e da implantação, em São Paulo, de órgãos fascistas propriamente ditos: os
«fasci all'estero», os «Dopolavoro», etc.
Ao mesmo tempo em que
implantava seus instrumentos de propaganda e doutrinação no Brasil, o fascismo italiano
ia agindo por outras vias no esforço supremo de conquistar as mentes e as almas dos
italianos residentes em São Paulo. Nesse sentido, o consulado italiano foi agindo, no
decorrer de todos os anos 20 e 30 e mais especialmente após a chegada em São Paulo do
cônsul Serafino Mazzolini (dedicado propagandista do regime) em
1928, com a intenção de controlar os órgãos que davam vida à assim chamada «colônia
italiana». Escolas, jornais, associações (
), esses órgãos foram caindo um
após o outro sobre o controle do fascismo, que os transformava em novos instrumentos para
a difusão dos valores do regime.
Uma grande estrutura de
propaganda foi, assim, organizada com o objetivo de difundir o fascismo em São Paulo. Uma
avaliação mais segura do sucesso dessa campanha entre os italianos e brasileiros ainda
está sendo desenvolvida, mas não resta dúvida que a ação do fascismo italiano em São
Paulo foi bastante apreciável, merecendo uma atenção maior da historiografia que, até
agora, dedicou-se apenas marginalmente ao tema3.
Desde os inícios da
penetração do fascismo em São Paulo, porém, este enfrentou a oposição de homens que
não concordavam com aos atos do regime de Mussolini e que traziam esta luta para a terra
paulista.
Já em 1919, de fato,
periódicos de esquerda ligados à colônia italiana (como o anarquista Alba Rossa e
outros) começam a publicar textos contra o fascismo. A primeira manifestação
sistemática de antifascismo italiano em São Paulo foi, porém, a fundação do jornal La
Difesa em 1923, por iniciativa de Antonio Piccarolo, socialista moderado italiano radicado
no Brasil desde 1908 e muito ativo na vida da coletividade4.
Esse jornal abrigará
várias correntes antifascistas (como os republicanos, os socialistas e os antifascistas
ligados à Lega Italiana dei Diritti dell'Uomo LIDU) no seu interior, o que levará
a conflitos internos. Em 1925, os antifascistas italianos aglutinados em torno do La
Difesa conseguem criar a primeira instituição antifascista real: a Unione Democratica,
sendo La Difesa seu órgão oficial.
No início de 1926, uma
assembléia da Unione Democratica faz com que ela se incorpore à LIDU e, ainda nesse ano,
Piccarolo abandona pelo que consta, por razões pessoais a direção do
jornal e, apesar de continuar trabalhando nele, a transfere para o antifascista italiano
Francesco Frola, recém chegado da Europa.
Frola introduz
mudanças no jornal, abrindo-o para outros antifascistas italianos como os anarquistas
Oreste Ristori, Angelo Bandoni e Alessandro Cerchiai; os comunistas Goffredo Rosini e
Ertulio Esposito e muitos outros. Devido a esta abertura (inimaginável nos tempos de
Piccarolo) e a outros fatores (Bertonha, 1995),
Frola entra em atrito com Piccarolo, disputando com ele o privilégio de se tornar o
representante brasileiro da Concentrazione Antifascista (união de partidos políticos
italianos antifascistas, com sede em Paris) e o controle do La Difesa. Piccarolo vencerá
esse conflito em 1930, transferindo a direção do jornal para Nicola Cilla e Mario
Mariani, antifascistas recém chegados à São Paulo e que conduzirão, junto com
Piccarolo, os destinos do La Difesa até seu fim em 19345.
A experiência do La
Difesa conduzida centralmente pelos socialistas, de diferentes matizes, italianos6 foi a mais importante dentro do antifascismo italian no
Brasil. Mesmo durante a existência do La Difesa, porém, outros grupos e correntes
mantinham seus jornais e organismos de luta antifascista, como o Bolletino del Gruppo
Socialista Giacomo Matteotti; o Il Becco Giallo de Nino Daniele, o I quaderni della
Libertà de Alessandro Cerchiai, o Italia Libera de Pasquale Petraccone e outros. Estes
grupos mantinham um bom relacionamento com o La Difesa na gestão Frola mas colidiram
violentamente com o jornal quando ele retornou às mãos da tríade «Piccarolo,
Cilla e Mariani» em 1930, gerando conflitos internos que ajudaram a minar o antifascismo.
Com o fim do La Difesa
e da Concentrazione em 1934, o mundo antifascista italiano de São Paulo começou a perder
fôlego. Ainda assim, ele continuou a lutar, através de movimentos contra a guerra da
Etiópia em 1935 e de novos jornais, para vencer a propaganda dos fascios (Bertonha, 1995).
A brutal repressão
contra a esquerda pelo governo brasileiro pós 1935 será um sério problema para o
antifascismo italiano, que viu cortados os fortes e fundamentais laços que eles haviam
conseguido construir com organismos antifascistas, sindicatos e mesmo partidos políticos
brasileiros (com ênfase no Partido Socialista Brasileiro) entre 1932 e 1937 e amargou a
expulsão ou prisão de boa parte de sua liderança como Frola, Ristori, Esposito, Rosini
e outros. Todos esses fatores (que discutiremos mais a fundo em seguir), ajudam a levar o
antifascismo italiano de São Paulo a um estado de quase que total apatia no final dos
anos 307, o que só será parcialmente modificado na
experiência de 19428.
Essa situação de fracasso do antifascismo merece, claro, uma boa explicação. Em
princípio, o antifascismo perdeu porque o fascismo ganhou e, para entendermos como isso
se deu, teríamos que abordar e discutir as complexas razões que parecem ter conduzido os
ítalo-brasileiros a uma adesão concreta ao fascismo (no caso das elites e classes
médias de origem italiana) ou, o que foi mais comum, a um sentimento difuso e
generalizado de apoio e simpatia à Itália, à Mussolini e ao fascismo, o que é um pouco
difícil.
Tratar dessa questão
como ela merece demandaria, de fato, uma discussão de diversas questões como a
posição em relação ao fascismo de setores das classes dirigentes brasileiras do
período e o seu porquê que teriam de ser levadas em conta, assim como certas
sutilezas do processo (a diferença geracional, o problema da inserção social dos grupos
de imigrantes, as variações entre os anos 20 e 30) precisariam ser abordadas para dar um
tratamento adequado ao tema.
A possibilidade de
realizar isso num artigo de ambições limitadas é bem remota. Na realidade, contudo,
entendemos que a relação vitória/derrota entre fascismo e antifascismo é mais complexa
do que pode parecer à primeira vista.
De fato, o antifascismo
perdeu a batalha em grande parte porque foi derrotado pela propaganda fascista em disputas
absolutamente vitais e que vamos abordar (como a atração do apoio do governo e da
opinião pública brasileiras e a identificação da italianidade com fascismo ou
antifascismo) e também, claro, pelo fato do fascismo ter consolidado seu poder na
própria Itália.Por outro lado, porém, o fascismo também ganhou justamente por não
encontrar um antifascismo forte e sedimentado na colônia italiana do Brasil. Discutir
não só essas batalhas chave do fascismo com o antifascismo como também os problemas
particulares que enfraqueceram o antifascismo e o impediram de lutar eficientemente contra
o fascismo será o eixo central de nossa discussão, necessária para se entender as
dificuldades do antifascismo italiano em se afirmar no Brasil.
O fracasso do antifascismo italiano no Brasil. Uma discussão9
A questão que permeia todo esse texto é, como
já foi explicitado, a busca de informações para entender como e porque o antifascismo
ítalo-brasileiro fracassou e finalmente entrou em colapso no decorrer dos anos 20 e 30.
Responder a essa
questão de forma apropriada é bastante difícil e uma das formas de sanar essa
dificuldade é, em nossa opinião, o recurso à história comparativa, que deve facilitar
dada a possibilidade de contrastar o caso brasileiro com outros contextos e países
onde se travaram lutas semelhantes a tarefa de entender os sucessos e os fracassos
do antifascismo italiano no Brasil do entre guerras.
Antes de tudo, porém,
uma definição conceitual é necessária. O que se deve entender por «fracasso» do
antifascismo? Como é possível definir se o movimento antifascista fracassou ou não?
No nosso entender, essa
questão de sucesso e fracasso deve ser pensada de forma dupla. De um lado, deve-se
observar a resultante da interação do antifascismo com o fascismo e de sua disputa pelos
órgãos da vida da colônia e, especialmente, pela lealdade e apoio da coletividade
italiana local10. De outro, deve-se analisar a capacidade ou
a incapacidade do antifascismo de se manter como movimento ativo e de responder à
propaganda fascista. Nesse sentido, podemos perceber como a discussão do fracasso
antifascista gira em torno de dois níveis analíticos diversos: o resultado de sua
interação e choque com o fascismo e o seu desenvolvimento interno e capacidade de auto
manutenção, que também ajudam a explicar, aliás, o resultado de sua luta contra a
propaganda fascista.
É bastante curioso, de
fato, passar os olhos pela bibliografia internacional relativa ao tema da reação das
comunidades italianas do exterior ao fascismo. É possível perceber, realmente, como em
alguns dos países transoceânicos como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e o
Peru11, as comunidades italianas mostravam mais receptividade
ao fascismo, enquanto em vários países europeus (como França, Bélgica e Luxemburgo) e
na Argentina/Uruguai, as propostas do antifascismo conseguiram, mesmo sem ofuscar
totalmente o fascismo, maior atenção12.
É importante observar
que, sem dúvida, nem fascismo nem antifascismo conseguiram conquistar completamente as
comunidades italianas emigradas e que o que houve realmente foi a presença de minorias
politizadas de lado a lado disputando uma esmagadora maioria não politizada e que se
inclinava apenas em termos genéricos e difusos entre o fascismo e o antifascismo. De
fato, o que podemos identificar são locais onde a minoria fascista foi mais forte e a
minoria antifascista mais fraca e um fascismo «difuso» (ou seja, de filiação mais
emocional que ideológica e menos definida) esteve espalhado pelo grosso da comunidade
italiana e outros onde a minoria antifascista teve mais força que o fascismo e conseguiu,
se não espalhar um antifascismo «difuso» entre os italianos, ao menos quebrar o
consenso em relação ao fascismo.
Foge aos objetivos
desses artigo discutir pontualmente as razões que explicam como, em cada contexto, se
desenvolveu a relação fascismo X antifascismo. Algumas dessas questões terão que ser
obrigatoriamente mencionadas (como a questão do fascismo como identificador étnico ou a
popularidade do fascismo entre os governos e as opiniões públicas dos países ocidentais
no entre guerras), mas nos parece que o grosso de nossas reflexões deve se centrar na
questão da capacidade ou incapacidade do antifascismo de se manter e de se auto sustentar
como movimento autónomo e permanecer combatendo o fascismo.
De fato, tudo parece
indicar que um dos fiéis da balança da luta fascismo X antifascismo era a existência de
um movimento antifascista forte e capaz de contra atacar sistematicamente a propaganda
fascista voltada aos emigrantes. Sendo assim, nada mais correto que centrar nossas
preocupações nas razões que explicam a força ou a fraqueza do antifascismo em diversos
contextos e, especialmente, no caso brasileiro.
Nesse sentido, os
resultados de pesquisa sobre o caso brasileiro são bastante esclarecedores. Cremos ser
desnecessário, a esta altura, retomar a história do antifascismo italiano no Brasil e
demonstrar sua fraqueza e finalmente seu colapso como força organizada no decorrer dos
anos 30. Alguns dados comparativos podem, porém, nos ajudar a colocar em perspectiva a
dificuldade dos antifascistas em criar e manter um movimento de oposição sistemática ao
fascismo no Brasil daqueles anos.
Em primeiro lugar, é
evidente a fraqueza da imprensa antifascista. Realmente, os jornais antifascistas não só
nasciam e morriam com imensa facilidade (com a exceção do La Difesa) como são
numericamente inferiores aos jornais fascistas13. Isso causa
um imenso contraste com, por exemplo, a França, onde, dos 230 periódicos italianos
existentes no entre guerras, nada menos que 180 eram antifascistas (Dreyfus, 1985; Tosi, 1988). O caso belga,
onde 20 dos 31 jornais italianos do período eram antifascistas (Morelli, 1981) também
mostra a fraqueza comparativa da imprensa antifascista italiana no Brasil.
A questão das
associações também revela imensos contrastes do caso brasileiro com o de outros
países. De fato, enquanto os antifascistas italianos de São Paulo não conseguiram
salvar virtualmente nenhuma das associações italianas (com a exceção da Lega Lombarda)
da conquista fascista e nem criar associações antifascistas duradouras, aqueles
presentes na Bélgica ou na França (Couder, 1993)
tiveram muito mais sucesso, enquanto os residentes na Suíça conseguiram até mesmo criar
uma sólida rede de escolas, colônias de férias e outras associações para se contrapor
às equivalentes fascistas (Bresadola, 1974; Fedele, 1979; Signori, 1979 e 1983).
Isso para não falar do caso argentino, onde os antifascistas dominaram a maior parte das
associações italianas até o fim da II Guerra Mundial e geraram um «clima»
antifascista tão grande na coletividade que Ângelo Trento (Trento,
1992) não hesita em classificar a Argentina como o país de imigração
italiana menos receptivo ao fascismo.
Explicar essa
situação de fraqueza interna do antifascismo é tarefa que requer bastante paciência
para examinar pontualmente cada possível fator de força ou de fraqueza do antifascismo.
Ainda assim, é um trabalho necessário e deve ser feito.
O primeiro aspecto que
poderíamos elencar como fator de enfraquecimento do antifascismo foram as dissenções
internas. De fato, como vimos, não só grupos anarquistas, por exemplo, viviam em
contínua disputa com os socialistas e republicanos da Concentrazione como mesmo entre os
socialistas (o grupo antifascista mais importante no Brasil) o conflito, por questões
pessoais e ideológicas, era intenso, como a disputa entre Frola e Piccarolo demonstra
exemplarmente (Bertonha, 1994, cap. 5).
Seria um erro
subestimar o quanto essas divisões internas enfraqueceram o antifascismo ao desviar suas
energias do combate principal contra o fascismo. Isso era, aliás, percebido claramente
pela imensa maioria dos antifascistas14 e pela própria
polícia italiana, satisfeita pelos antifascistas gastarem suas forças uns contra os
outros ao invés de combater o consulado, o fascio e outros órgãos fascistas em São
Paulo.
Ainda assim, nos parece
que a importância dessas divisões internas é superavaliada. As disputas entre os grupos
antifascistas e as internas aos socialistas foram realmente fortes e prejudiciais, sem
dúvida, ao esforço antifascista, mas não parecem ter sido suficientes para paralisar
por si só a ação antifascista, que, mesmo com os grupos separados,
continuou se desenvolvendo.
De fato, um exame da
ação dos diversos grupos antifascistas revela que, mesmo nos momentos em que as disputas
estavam mais violentas, a atividade antifascista publicação de livros e jornais,
palestras, cerimônias continuava ativa e que ao menos em parte as idéias
antifascistas continuavam a circular. Uma maior união teria, sem dúvida, canalizado mais
energia para o antifascismo, mas a sua falta não é suficiente para explicar sua
fraqueza. Eram, de fato, fatores externos às organizações antifascistas que
determinavam problemas aos antifascistas e não o simples fato de eles estarem divididos
ou não. Temos, portanto, que ver o processo de forma global e não apenas internamente,
de maneira que possamos ter uma visão mais clara do objeto que estamos estudando.
Um outro fator que a
historiografia internacional a respeito do tema (Fanesi, 1989 e
1994; Cresciani, 1979 e 1988; Liberati,
1984a e outros) indica como explicação para a fraqueza do antifascismo
italiano em diferentes contextos a não existência de uma liderança de refugiados
políticos italianos (os «fuorusciti») apta a reestruturá-lo e ativá-lo não se
sustenta no caso brasileiro: ao lado de lideranças já a mais tempo no país (como
Antonio Piccarolo, Oreste Ristori e outros) os «fuorusciti» (como Frola, Rosini e
Mariani) foram presença constante na luta antifascista italiana no Brasil e sua falta
não merece ser elencada como fator de debilidade do antifascismo.
Uma outra questão
mencionada internacionalmente como importante para explicar a força ou a fraqueza do
antifascismo italiano em diversos lugares é a sua relação com as forças políticas
locais. Se ela ocorre, podemos ver o antifascismo italiano com mais força. Se não, o
antifascismo enfraquece.
Esse aspecto da luta
antifascista merece, ao que tudo indica, ser estudado com mais cuidado. De fato, uma
rápida verificação da literatura disponível sobre locais onde o antifascismo italiano
não teve tanta força, como a Austrália e o Canadá15,
revela que a ausência de laços firmes com forças políticas locais teve peso chave para
explicar essa fraqueza.
Isso fica ainda mais
claro quando examinamos os países onde o antifascismo italiano foi mais forte. De fato,
todas as informações disponíveis sobre os casos belga, francês, luxemburguês suiço e
argentino16 revelam as imensas ligações dos antifascistas
italianos com as forças políticas locais (especialmente os socialistas) e o quanto de
oxigênio essas ligações deram aos militantes italianos. Claro que essas ligações não
evitavam, por exemplo, problemas dos antifascistas com a polícia17
e nem podiam, por si só, levantar o antifascismo italiano quando outros fatores inibiam
seu crescimento18.
Eram, porém, uma fonte
inesgotável de energia aos antifascistas e sua presença/ausência realmente é uma das
chaves para explicar a capacidade ou incapacidade do antifascismo italiano em se sustentar
no exterior.
Passando ao caso
brasileiro, podemos realmente notar que boa parte do fracasso antifascista no Brasil
parece ter se dado pela ausência de laços fortes e seguros dos antifascistas com as
organizações de esquerda locais, o que não indica, porém, que os próprios
antifascistas fossem os culpados dessa situação.
Cresciani (1979), por exemplo, apresenta a ausência de
contato dos antifascistas italianos da Austrália com as forças políticas locais como
algo quase deliberado de um grupo relativamente isolado da sociedade australiana. No
Brasil, a situação é um pouco mais complexa. De fato, podemos ver como, nos anos 20, o
grupo chave do antifascismo os socialistas -, sob domínio de Antonio Piccarolo e
de suas idéias reformistas e anticomunistas hesitava, e muito, em se aliar a quaisquer
grupos políticos que não compartilhassem suas idéias, o que o levava a restringir seus
laços políticos com os socialistas reformistas brasileiros e o Partido Democrático.
Não apenas, porém, esses socialistas reformistas brasileiros eram fracos demais para dar
um apoio consistente aos seus colegas italianos, como tudo indica que, mesmo se o
antifascismo tivesse aberto suas portas para alianças com outras forças políticas
locais, não teria grande sucesso, pois a questão do combate ao fascismo ainda era
considerada, nos anos 20, algo a ser resolvido entre italianos e que não interessava aos
brasileiros19.
Nos anos 30, a maior
abertura de líderes como Frola a outras forças da esquerda nacional e a própria
percepção desta esquerda da necessidade de combater o fascismo ampliou os laços entre
os antifascistas brasileiros e italianos e deu, efetivamente, nova força ao antifascismo
italiano que, se talvez não estivesse conseguindo se impor na coletividade italiana,
passou a contar com uma rede de solidariedade brasileira que foi fundamental para a sua
preservação (Bertonha, 1995). A repressão de
Vargas em meados dos anos 30 eliminou essa rede e isso, sem dúvida, colaborou para o
colapso do antifascismo no final da década de 30.
Esse colapso não pode,
porém, ser creditado às ações dos antifascistas italianos. Se, no caso do grupo de
Piccarolo, há uma resistência contínua a alianças com quem não compartilhasse seu
pensamento, os outros grupos agiram com vigor real na busca de apoios que os fortalecessem
e tiveram sucesso nessa tarefa até a repressão eliminar a todos. Nem conflito interno,
nem falta de liderança, nem política deliberada de evitar contatos com os nacionais: é
no contexto de funda repressão à esquerda e de fraqueza da mesma no cenário político
brasileiro do período que devemos procurar as causas do fracasso dos antifascistas em
conseguir alianças mais sólidas e que lhes dessem maior força.
Um outro aspecto do
contexto do período a considerar quando tentamos entender as causas do fracasso
antifascista e do sucesso fascista é a aparentemente ampla e declarada simpatia à Roma
dentro da opinião pública e do governo brasileiros no período. Essa é uma simpatia em
grande parte dirigida à Itália e ao povo italiano, tradicionais amigos e aliados do
Brasil (Cervo, 1992), mas não só o fascismo
conseguiu se apropriar dessa simpatia associando a imagem da Itália a sua como alguma
simpatia é dirigida especificadamente à Mussolini e ao fascismo, visto como o iniciador
de uma era de estabilidade e progresso para a Itália e como o criador de um remédio apto
a resolver os problemas sociais do capitalismo sem cair no comunismo.
Claro que um estudo
mais pormenorizado dessa aparente simpatia deve ser feito para absorver as especificidades
de período, classe, região, etc20. Há indícios, contudo,
que ela foi real. De fato, se quiséssemos elencar exemplos de figuras governamentais, da
imprensa, do clero e outras que manifestaram seu apreço pelo fascismo no Brasil dos anos
20 e 30, poderíamos ocupar várias páginas desse texto, mas não é o caso . Basta
relembrar como, apesar dos enormes esforços dos antifascistas italianos de todos
os grupos para demonstrar a falsidade da amizade fascista pelo Brasil, a falácia
de suas conquistas sociais, a repressão e a miséria dos italianos, etc (Bertonha, 1992 e 1996), eles parecem não ter tido sucesso, o
que é explicável pela desconfiança geral da esquerda e pela enorme disparidade de
recursos para a propaganda, em termos de dinheiro e material (Seitenfus, 1990, pp. 39-40)
entre fascistas e antifascistas italianos em ação no Brasil.
Há mais, porém, a ser
estudado quando pensamos na questão da dificuldade do antifascismo em promover sua causa
na opinião pública brasileira. Sem dúvida, a disparidade de recursos financeiros e a
falta de um sólido apoio de forças políticas locais contribuía para diminuir as
possibilidades da mensagem antifascista ecoar com força na sociedade brasileira. Era
também, porém, uma questão de cultura política. De fato, em países como para
ficarmos apenas na área geográfica mais próxima ao Brasil e para não mencionar o
excepcional caso francês a Argentina e o Uruguai, uma cultura mais direcionada à
esquerda permaneceu forte (em boa parte, aliás, por causa da imigração italiana) e
manteve um clima laico, de defesa da democracia e antifascista por quase todo o período
entre guerras (Marocco, 1986 e 1993; Fanesi,
1991 e Franzina, 1995, pp. 369-371), o que teve
implicações chave para os refugiados italianos.
Realmente, se
preservou, nesse contexto, um espaço político onde o antifascismo italiano pôde
sobreviver e germinar mesmo quando o fascismo acumulava vitórias e se firmava no poder na
Itália. Isso não significa dizer, claro, que não tenha havido vozes pró fascismo
nesses países, mas o fato é que o espaço político que os antifascistas italianos da
Argentina, por exemplo, dispunham (graças a partidos de esquerda mais sólidos como
aliados e à uma cultura política menos voltada à direita, era muitas vezes superior ao
disponível para os antifascistas italianos do Brasil, o que sem dúvida é de fundamental
importância para explicar a força de um e a fraqueza de outro.
Essa falta de espaço
político se refletia numa questão chave: o apoio governamental. É visível na
bibliografia internacional que o apoio ou a neutralidade dos governos estrangeiros era
fundamental para o sucesso do fascismo e sua propaganda. E isso não apenas no campo
institucional (prestigiando suas atividades, etc), mas também num sentido mais amplo:
muitos italianos e descendentes de italianos nos países de imigração sentiram-se muito
mais tranquilos para apoiar o fascismo quando sabiam que não teriam problemas com seus
governos e nem a rejeição de suas sociedades.
Ao lado da tolerância
com a propaganda fascista pela maior parte do tempo, os governos dos países de
imigração italiana habitualmente dificultavam enormemente a vida e as atividades dos
antifascistas italianos. Se isso era verdade até em países onde o espaço político dos
antifascistas era maior (como a Argentina ou a França), que dizer de lugares onde a
desconfiança governamental frente aos antifascistas era muito maior, como o Canadá ou a
Austrália21? O caso brasileiro, onde a repressão
entre altos e baixos era uma continuidade, parece ter sido um caso limite da força
da repressão e da falta de espaço político e institucional para os antifascistas
italianos.
Essa situação só
poderia ter sido remediada se o antifascismo contasse com firme apoio da coletividade
italiana. A vitória nessa batalha, porém, não só se relacionava com a batalha pela
sociedade hospedeira, como não dependia só da ação dos antifascistas, mas também de
fatores não totalmente controlados por eles, como as características de cada colônia e
o tipo de emigração dirigida para ela.
O primeiro fator é
realmente curioso. Com a exceção da Suíça, onde os antifascistas italianos
encontraram, ao iniciar seu exílio, estruturas políticas italianas especialmente
do PSI e do PRI já presentes desde o final do século XIX (Signori, 1983; Cerutti, 1986; Fedele,
1979 e 1989; Hugli, 1982), a maioria dos antifascistas
italianos que emigraram e procuraram refazer o antifascismo no exterior tiveram que
reconstruir as seções dos partidos emigrados e as organizações antifascistas a partir
do que havia no grosso das coletividades italianas: uma pequena minoria de italianos
politizados de esquerda unidos em sindicatos ou associações e uma imensa maioria de
imigrantes apolíticos ou apenas parcialmente atraídos pelas idéias de esquerda.
No caso dos países
platinos, a ação antifascista foi enormemente facilitada pela cultura política desses
países (como já mencionado) e, especialmente, pelas permanência e difusão dessa mesma
cultura (permeada pelo mazzinianismo e anticlericalismo) a tal nível no seio das
coletividades italianas da Argentina e Uruguai que fez o projeto fascista de expansão via
emigrantes fracassar em boa parte nesses lugares (Marocco, 1986
e 1993; Fanesi, 1991; Rossi, 1995 e Franzina, 1995, pp. 369-71).
A respeito desse
radicalismo mazziniano, aliás, Rudolf Vecoli (Vecoli, 1989, p.
89) vai se interrogar sobre as razões dele ter fincado raízes na Argentina e
no Uruguai e não, por exemplo, nos Estados Unidos. É uma questão realmente chave, pois
tudo indica que a sobrevivência desse radicalismo em alguns locais foi chave para a
contenção do fascismo.
De qualquer forma, nos
locais onde a estrutura política de esquerda italiana não existia já pronta e onde a
cultura política da coletividade italiana não favorecia os antifascistas, estes tiveram
que criá-la para poder ter armas para melhor combater o fascismo. Eles só conseguiram
fazê-lo, porém, nos locais onde o antifascismo era permitido e apoiado pelos cidadãos
do país e onde, especialmente, uma forte emigração política italiana (especialmente
comunista) forneceu os efetivos para gerar um movimento antifascista forte o suficiente
para difundir a mensagem contra o fascismo e criar um «clima» e uma cultura antifascista
entre a massa emigrante. Foi esse o caso da Bélgica, Luxemburgo e, especialmente, da
França22.
Nos países, porém,
onde a cultura política prévia da emigração nào era favorável ao antifascismo e onde
não houve uma emigração antifascista maciça, a base do antifascismo era muito reduzida
para poder superar a imensa propaganda fascista e o resultado foi um movimento
antifascista mais enfraquecido e uma coletividade italiana mais voltada ao fascismo.
Passando ao caso
específico da coletividade italiana de São Paulo, podemos perceber como o contexto de
apoio à nação italiana e à ideologia fascista em partes expressivas da sociedade
brasileira parece ter se reproduzido no interior do grande campo de batalha entre
fascistas e antifascistas, a colônia italiana. Entre a elite e as classes médias de
origem italiana de São Paulo, de fato, a propaganda fascista, que ressaltava tanto o
valor ideológico do fascismo como as glórias da nacionalidade italiana, parece ter
encontrado um campo fértil: por sua inserção social e pelo contexto político
brasileiro do período, a elite e as classes médias de origem italiana de São Paulo
tendiam a aceitar a ideologia fascista enquanto os italianos natos pertencentes a esses
grupos eram permeáveis a propaganda nacionalista do fascismo. A junção dessas duas
fontes de atração a nacionalista e a ideológica confluiu numa forte
adesão ao fascismo entre as elites e as classes médias de origem italiana em São Paulo.
As desesperadas tentativas dos antifascistas de reverter esse quadro atraindo essa elite
foram inúteis (Bertonha, 1992, 1994a, 1994b e 1996),
o que representou um sério golpe para estes.
Restava aos
antifascistas buscar os sindicatos e o operariado de origem italiana que, além de
numerosíssimo, pareciam ser a única resposta para a sua angustiante necessidade de base
popular. Como já ressaltado, contudo, o apoio dos sindicatos ao antifascismo cresceu nos
anos 30, mas em nenhum momento parece ter existido uma adesão maciça e concentrada do
proletariado de origem italiana ao antifascismo (Bertonha,
1994a e 1994b).
Essa situação se
deveu, a princípio, a uma certa difusão e sucesso do fascismo entre os operários (Trento, 1989 e 1994), mas também ao contexto das lutas sociais
e políticas brasileiras do período, onde o grupo base dos antifascistas italianos , os
socialistas e seus aliados minoritários republicanos e membros da LIDU, tinha enorme
dificuldade agravada pela necessidade de moderação e neutralidade frente às
lutas operárias para fugir da repressão para fazer passar sua mensagem socialista
e, no caso de Piccarolo, fortemente reformista a um operariado sem uma tradição de
esquerda tão forte quanto gostaríamos de acreditar (Trento,
1994) e, especialmente, sem uma tradição história de adesão ao tipo de
socialismo proclamado por aqueles homens.
Dessa forma, enquanto as tradições políticas e culturais e o contexto social atraiam as
classes médias e as elites de origem italiana para o fascismo, essas mesmas tradições e
esse mesmo contexto afastavam os operários do antifascismo, negando a ele uma base
popular maior, a qual se restringiu à Maçonaria durante boa parte de sua luta (Bertonha, 1994a e 1994b).
Mais importante que
esses apoios mais firmes ao fascismo ou ao antifascismo, porém, é a questão de um
sentimento geral e difuso de apoio à Mussolini e ao fascismo que parece ter existido
entre as grandes multidões de italianos e descendentes que viviam em São Paulo. Esse
sentimento, que não indica automaticamente uma posição ideológica, é tradicionalmente
aplicado, especialmente ao caso americano (Cannistraro,
1976, 1979 e 1979a e outros), como uma resposta de orgulho étnico ou de um
«nacionalismo defensivo» pela qual os italianos do exterior articulavam a sua própria
identidade e inserção social com o uso do enorme prestígio internacional desfrutado
pela Itália e pelo fascismo no período entre-guerras.
Falta ainda precisar os limites temporais desse renovado prestígio italiano e fascista
(que não parece ser o mesmo nos anos 20 e 30) e especificar as óbvias diferenças desse
«nacionalismo defensivo» nos países latinos e anglo saxões. Também seria importante
definir se esse «novo prestígio» italiano no entre-guerras se deveu apenas aos sucessos
italianos na arena diplomática ou também ao interesse mundial pela fórmula fascista.
Ainda assim, o
«nacionalismo defensivo» parece ter existido e ter sido real no caso brasileiro. Há
autores (Cannistraro, 1979, p. 127), porém, que
afirmam que a base da propaganda fascista para o exterior era a destinada a criar um
«clima nacionalista» entre italianos e descendentes e que um dos grandes erros dos
antifascistas foi ter respondido a essa propaganda nacionalista com argumentos
ideológicos.
No caso brasileiro, é
possível perceber que isso não é verdade (possivelmente, porque o governo brasileiro
restringia menos a propaganda ideológica fascista que o americano) e que a propaganda
dirigida aos ítalos locais não esqueceu, ainda que enfatizasse o aspecto nacionalista, a
ideologia, como muitos exemplos podem demonstrar23.Também os
antifascistas italianos do Brasil perceberam essa dupla face da propaganda fascista no
Brasil e reagiram à altura, procurando demonstrar aos italianos locais as falhas e
deficiências da ideologia fascista e desenvolvendo todo um trabalho para que esses
italianos não se rendessem ao orgulho nacionalista e apoiassem o fascismo por isso.
A base desse esforço
antifascista consistia em convencer os italianos que as equações básicas divulgada pela
propaganda fascista «Fascismo= Itália» e «Antifascistas= traidores»
eram errôneas e que, pelo contrário, para ser italiano era necessário ser antifascista.
O esforço antifascista nesse sentido foi intenso (Bertonha,
1992 e 1996) e. nos sinais de fracasso que detectamos nesse aspecto da ação
antifascista (e que podemos explicar pelo real desejo de imigrantes e descendentes de
reafirmar seu orgulho étnico através do uso do novo prestígio da Itália e do fascismo)
, está uma das chaves para explicar a vitória fascista sobre o antifascismo.
Dessa forma, enquanto
em países como a França (onde o clima político era majoritariamente à esquerda), o
antifascismo foi o canal de integração dos italianos à sua nova sociedade24,
em países como os Estados Unidos e o Brasil, foi o fascismo que teria fornecido às
comunidades italianas o elemento que elas necessitavam para recuperar a auto estima e se
integrar ao seu novo mundo25.
Isso apenas confirma,
na realidade, como a questão da aceitação ou não do fascismo ou do antifascismo pelas
coletividades italianas do exterior era uma questão interna às coletividades italianas e
que dependia de características próprias de cada uma delas (sua cultura política, a
presença maciça de imigrantes recentes politizados e outros fatores determinando força
ou fraqueza do antifascismo; as características idade, relações de trabalho e
classe, nível de assimilaçào cultural de cada coletividade, etc) mas como esses
fatores internos estavam conectados de forma definitiva com as suas próprias sociedades
hospedeiras, o que deve ser sempre ressaltado.
O caso brasileiro é
exemplar nesse aspecto. Não só a elite e as classes médias de origem italiana de São
Paulo responderam muito favoravelmente, dadas sua posição de classe e a um
relacionamento mais harmônico com a idéia do nacionalismo italiano, ao fascismo como o
grosso da coletividade foi atingida por um sentimento fascista «difuso» gerado pela
imensa simpatia dirigida ao fascismo em largos setores da sociedade brasileira, a qual
fazia da adesão informal ao mesmo um excelente meio de superar velhos preconceitos
(certamente não tão grandes como nos países anglo saxões, mas ainda assim presentes)
contra os italianos26 e de integração à sociedade
brasileira. Esse sentimento marcou a coletividade italiana do Brasil no entre guerras e
foi um dos traços chave da vida dessa coletividade no período.
O antifascismo poderia
ter revertido essa situação, mas só o poderia ter feito se as condições da colônia
fossem outras e se o movimento conseguisse se manter estruturado e ativo durante todo o
tempo. O fato dele não conseguir fazê-lo, pelas razões expostas no decorrer desse
texto, decidiu o destino da coletividade italiana do Brasil que, se não foi certamente a
quinta coluna de invasão do Eixo que tanto preocupou alguns políticos e militares
brasileiros nos anos 40, ajudou a difundir a idéia fascista no interior da sociedade
brasileira, alimentando e cultivando uma simpatia sempre existente e que teve efeitos
políticos nada desprezíveis na história política do Brasil ao dar força a uma direita
nacional que ajudaria a conduzir os destinos do país por muitos anos além do ventênio
fascista.
Notas |
1 |
Cumpre ressaltar que São Paulo não foi o único estado
brasileiro afetado pela propaganda fascista. Todos os lugares onde havia comunidades
italianas e especialmente o sul do país também foram atingidos. Para a situação no Rio
Grande do Sul, vide Berenice Corsetti (Corsetti, 1986). e os
textos de Loraine Slomp Giron (Giron, 1986 e 1994). |
2 |
Um verdadeiro manancial de informações sobre a ação fascista
no Brasil pode ser localizado em Ângelo Trento (1989, pp. 267-404). |
3 |
Os melhores textos disponíveis no momento sobre a questão são
os de Ângelo Trento: Trento (1988, 1989 e 1994). |
4 |
Sobre Piccarolo, vide Andreucci (1975,
vol. 4, p. 121-123); Hecker (1988) e Bertonha
(1994 e 1994c). |
5 |
Sobre Mariani e Cilla, vide Bertonha
(1994, pp. 96-99), o processo de expulsão de Mario Mariani (Arquivo Nacional AN
IJJ 7, 1930) e as fichas de Mariani e Cilla no Arquivo do Estado de São Paulo/Delegacia
de Ordem Política e Social (AESP/DOPS), Prontuários 516 e 70701. |
6 |
Foram, de fato, os socialistas o grupo antifascista italiano mais
importante em atuação no Brasil entre as duas guerras mundiais. Essa constatação, que
não implica em desconsiderar as colaborações dos anarquistas, comunistas, republicanos
e outros, vale tanto para os anos 20 como para os 30. Para o período 1923-1934, vide Bertonha (1994). |
7 |
No fim dos anos 30 e início dos 40, de fato, a própria
Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo registrava o colapso do antifascismo
italiano e sua redução a poucas reuniões inofensivas, segundo o próprio DOPS
nos salões da Lega Lombarda, Ver AESP/DOPS, Prontuários 999 ( «Bixio
Picciotti»), 10569 («Lega Lombarda»), 78310 («Nicola Alessi») e 2433 («Francesco
Merola»). |
8 |
Para a experiência de reconstrução do antifascismo italiano em
São paulo em 1942, ver Bertonha (1997). |
9 |
Vários dos argumentos discutidos aqui serão aprofundados em um
futuro trabalho sobre a ação do fascismo italiano nas coletividades italianas do
exterior e especialmente sobre a brasileira. Um livro com historia do antifascismo
italiano no Brasil (cujo capítulo final é este artigo) e um outro sobre a ação
fascista no Brasil estão em fase final de redação pelo autor. |
10 |
No que concordamos com Adriana Dadà , que defende a proposta que
temos que articular a derrota de um com a vitória do outro num todo coerente e conectado
com as forças sociais e políticas em jogo em cada país se queremos entender realmente o
que ocorria nas comunidades italianas do exterior naqueles anos. Ver Dadà
(1979). |
11 |
Para o caso americano, vide, entre outros, Cannistraro
(1975, 1976, 1979, 1985 e 1995). Para o caso canadense, ver Harney
(1984) e Liberati (1982, 1983, 1984, 1984a) e, para o australiano,
Cresciani (1973, 1979, 1979a, 1979b, 1982, 1984, 1988 e 1996) e Montagnana (1987). Ciccarelli (1988 e
1990) aborda o caso do Peru. Obviamente, não se pretende aqui esgotar a imensa
bibliografia sobre o tema nesses países. |
12 |
Para o caso belga, consultar os textos de Anne
Morelli (Morelli, 1981, 1983, 1987 e 1990). Para a Argentina, ver Fanesi
(1989, 1991 e 1994); Gentile (1986); Leiva (1983) e Nascimbene (1987 e 1990), enquanto o Uruguai foi estudado por Gianni Marocco (Marocco, 1986 e 1993) e Juan Oddone
(Oddone, 1990). A bibliografia sobre a França é muito numerosa. Ver, por exemplo, os
trabalhos de Guillen (1981, 1982, 1984 e 1988); Milza
(1967, 1981, 1983, 1987, 1988, 1989) e Noiriel (1983 e 1986). |
13 |
Pela listagem presente em Trento (1989, pp.
489-510), de fato, há registros de 32 jornais antifascistas e 72 fascistas ou
filo-fascistas no Brasil entre 1922 e 1945. |
14 |
Vide Fondazione Pietro Nenni/Archivio Pietro Nenni, b. 5, f. 303,
carta de Antonio Cimatti (São Paulo, 25/2/1930) à Pietro Nenni; AESP/DOPS, Prontuário
1014 («Ertulio Esposito») , carta de militante antifascista de Curitiba/PR (26/1/1931)
ao mesmo. |
15 |
Vide Cresciani (1979, 1979a e 1988) e Liberati
(1984a). |
16 |
Para a Argentina e o Luxemburgo, vide Leiva
(1983) e Fayot (1983). O caso belga foi estudado por Morelli (1987 e 1987a) e Pinzani (1966) e o
francês por Guillen (1978); Fedele (1976) e Di Lembo (1982). Informações sobre a Suiça podem ser encontradas
em Cerutti (1983 e 1986); Visani (1957) e Zucaro (1970b). |
17 |
Ver Lonne (1984), Fayot
(1983) e Guillen (1978). |
18 |
Como foi o ocorido na Inglaterra e na Alemanha. Ver Lonne (1984) e Keserich (1975). |
19 |
É curioso realmente notar como essa percepção do fascismo como
problema italiano esteve presente, nos anos 20, até em países onde o firme apoio da
esquerda aos antifascistas refugiados (por solidariedade ideológica e humanitária) foi
uma constante, como a França (Di Lembo, 1982). Aparentemente, só
em lugares como a Suiça onde a ameaça fascista estava muito próxima é
que o fascismo era realmente uma questão política chave desde o início do regime. Ver Cerutti (1983 e 1986). |
20 |
Como o feito por Luigi Bruti Liberati
(Liberati, 1982) com relação ao Canadá. |
21 |
Ver os trabalhos de Luigi Bruti Liberati e Gianfausto Cresciani,
citados e, para o caso do Canadá, ver também Betcherman (1978) |
22 |
Santi Fedele (Fedele, 1992) e Pierre Milza (Milza, 1983; 1989 e 1994) vão recordar que os fascistas
não eram tão fracos e nem os antifascistas tão fortes assim no contexto francês. Ainda
assim, parece evidente, à luz da historiografia francesa (Damiani,
1986 e 1986a; Guillen, 1988; Videlier, 1986)
, que o antifascismo teve mais sucesso em espalhar um sentimento «difuso» de apoio às
suas idéias que o fascismo, no que a situação é virtualmente a oposta, como veremos a
seguir, da ocorrida em paises como os Estados Unidos e o Brasil. |
23 |
Ver, para exemplo dessa dupla face da propaganda fascista, os
discursos do cônsul Serafino Mazzolini em São Paulo em 1928. Ver Mazzolini
(1928). |
24 |
Vide Damiani (1994); Guillen
(1982 e 1988) e Noiriel (1986). Caredda
(1994) e Rapone (1986) vão por alguns limites no papel dos
antifascistas italianos nessa integração, o que não parece mudar, porém, o quadro
geral. |
25 |
Vide, entre muitos outros textos sobre o tema no contexto
americano, os textos de Philip Cannistraro, citados e
excelentes críticas e delimitações do conceito de «nacionalismo defensivo» e o seu
uso em Venturini (1984, 1985 e 1985a). Ver, para o caso
brasileiro, Font (1990, pp. 140-43). Ver também Franzina
(1995). O trabalho de Ottanelli e Gabaccia (1997), demonstra, de qualquer forma, como o
antifascismo era um canal mais adequado para facilitar a integração dos italianos nas
suas novas sociedades que o fascismo, que só promoveu esta integraão de forma indireta. |
26 |
Ver Ribeiro (1985). Curiosamente, esses
preconceitos contra os italianos parecem ter convivido sempre com uma certa simpatia pela
Itália e pela cultura italiana, como mencionado anteriormente. |
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