CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma obra rara de Luís da Câmara Cascudo está sendo relançada agora por
uma editora de Manaus: "Em Memória de Stradelli", livro em que o folclorista
potiguar traça um perfil do conde Ermanno Stradelli (1862-1926), italiano que trocou seu
país pelo calor e vida selvagem do Norte do Brasil.
Stradelli viveu no Amazonas durante 43 anos, de 1879
até sua morte, entremeados de curtos períodos na Itália. Publicou alguns trabalhos
sobre a região, mas sem rigor científico; são relatos e impressões de viajante que
deixaram Cascudo encantado pelas descrições "literárias e amorosas" dos
costumes e do dia-a-dia dos nativos da região.
Chega a ser engraçada a maneira como o escritor
tenta definir as narrativas de Stradelli, expostas, por exemplo, na introdução a seu
"Vocabulário Nhengatu-Português e Português-Nheengatu", espécie de
dicionário da língua falada pelos povos indígenas do Norte, ainda hoje utilizado como
referência por pesquisadores.
Além do "Vocabulário", Stradelli
publicou, em italiano, "La Leggenda dell'Jurupary", sobre o demônio mitológico
que assombra os índios, "Rio Branco" e "L'Uaupes et gli Uaupes",
todos fora de catálogo no Brasil.
"Como narração de viagem, Stradelli é
desconcertante", escreve Câmara Cascudo. "Não traz um só episódio
sensacional. (...) Nem serpentes, jacarés e onças aparecem nas páginas tranquilas da
história singela. (...) O extremo valor de sua jornada está justamente na nobre
simplicidade com que a fotografou."
A vida do conde Stradelli, morto pela hanseníase
(Cascudo usa a palavra "morféia" para a doença) aos 64 anos, foi pesquisada
por Câmara Cascudo durante 18 meses, por meio de cartas e informações que vinham da
Itália e dos lugares do Brasil por onde passou. É de se imaginar como seria hoje
pesquisar a biografia do conde, cuja trajetória daria, sem dúvida, um filme e tanto.
A edição traz alguns problemas, como a falta de
tradução para os trechos que Cascudo transcreve em italiano, diretamente dos livros de
Stradelli.
Fazem falta também notas explicativas sobre termos
como "tariano" (povo indígena do Alto Rio Negro) ou "ameraba" (para
"ameríndio"), fartamente utilizados no livro. Causa estranheza ainda a
manutenção do prefácio um tanto ufanista escrito pelo historiador Arthur Cezar Ferreira
Reis, que governou o Amazonas durante o regime militar.
(Folha de S. Paulo)