Projeto de lei começa a ser
analisado pelo gabinete conservador de Berlusconi e deve ser aprovado
até o fim do mês
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O gabinete conservador do premiê italiano, Silvio Berlusconi, começa a
examinar hoje uma reforma abrangente da legislação sobre a imigração, que prevê
medidas severas contra a imigração clandestina, permitindo a entrada no país só de
pessoas que já possuam um contrato de trabalho.
O projeto de lei, cuja aprovação
definitiva não deve ocorrer antes do fim do mês, conta com o apoio dos principais
partidos da coalizão governamental: a Força Itália, de Berlusconi, a xenófoba Liga
Norte (LN) e a pós-fascista Aliança Nacional (AN). Ele foi redigido pelo líder da LN, o
ministro das Reformas Institucionais, Umberto Bossi, e pelo vice-premiê italiano,
Gianfranco Fini, da AN.
"Os clandestinos deverão saber que
não poderão entrar na Itália com total impunidade. Quem vier para cá deverá ter um
contrato de trabalho, pois não podemos deixar que nossa casa seja destruída",
afirmou Bossi, no início da semana, em entrevista publicada na imprensa italiana.
A nova lei, que deverá substituir o texto aprovado pelo governo anterior (de
centro-esquerda), não conterá o delito de "imigração clandestina", como
pretendia Bossi, mas punirá severamente a "permanência clandestina em território
italiano". Com isso, o imigrante clandestino poderá ser expulso da Itália e enviado
a seu país de origem em, no máximo, uma semana. Para os reincidentes, estão previstas
penas de reclusão de até quatro anos.
"Indubitavelmente, trata-se de um
projeto que agrada aos xenófobos do norte do país. Contudo ele não é mais rígido do
que a Lei de Estrangeiros, aprovada recentemente na Espanha, que é bastante dura",
explicou à Folha Anne-Marie Le Gloannec, diretora-adjunta do Centro Marc Bloch, um
instituto de pesquisas franco-alemão localizado em Berlim.
"A imigração clandestina
agravou-se na Itália desde a derrocada dos regimes comunistas do leste da Europa, pois
há um número muito grande de pessoas oriundas dessa região que chegam ao país para
buscar novas oportunidades de trabalho. Isso sem mencionar os imigrantes ilegais
africanos, que continuam a chegar pelo mar Mediterrâneo. Afinal, a situação
socioeconômica de boa parte dos países africanos permanece terrível", acrescentou.
O projeto Bossi-Fini, como já é
chamado na Itália, também prevê a redução do tempo de permanência de clandestinos
sem identificação em centros de acolhimento de 60 para 30 dias e o endurecimento da
política de concessão de vistos de permanência no país, que será obrigatoriamente
vinculada a um contrato de trabalho, não mais a uma "garantia" dada por um
residente.
Reaproximação familiar
O novo texto também imporá
restrições à política de reaproximação familiar. Ela será limitada a filhos e a
cônjuges do imigrante que vive legalmente na Itália. A legislação que ainda está em
vigência autoriza a entrada de outros familiares por essa via.
"Se a decisão coubesse a mim,
impediria a entrada de todos os imigrantes nos próximos anos. Parece-me que há 228 mil
imigrantes nas listas de desempregados, porém mais de 120 mil não fazem nada. Estão
inscritos apenas para obter permissão para continuar no país", disse Bossi.
Há alguns meses, o controverso líder da LN propôs a construção de um muro de 260 km
de comprimento entre a fronteira nordeste da Itália e a Eslovênia, numa medida para
combater a entrada de imigrantes ilegais vindos dos Bálcãs. Essa região enfrenta uma
nova onda de violência entre comunidades albanesas e eslavas.
"O maior problema do projeto é que
ele foi redigido por Bossi e Fini. Ora, sabemos que Bossi é um xenófobo convicto e que
Fini já defendeu idéias fascistas. Assim, é judicioso esperar a aprovação do texto
para podermos analisá-lo com mais calma. Sempre pode haver uma surpresa desagradável
quando a iniciativa parte de Bossi", afirmou Le Gloannec.
Atualmente, Roma fixa a cada ano o
número de imigrantes que podem entrar na Itália para trabalhar com base em pedidos das
indústrias, que carecem de mão-de-obra. Afinal, a taxa de natalidade no país é uma das
mais baixas do planeta, sendo insuficiente para suprir as necessidades das empresas e das
propriedades agrícolas.
A Itália conta com 1,5 milhão de
imigrantes legais -2,5% de sua população total. Por outro lado, no início do século
passado, foi da Itália que partiu o maior número de emigrantes do oeste da Europa por
razões econômicas. Muitos deles vieram para o Brasil.
(FOLHA DE S. PAULO)