Jaime Biaggio
Chega este mês ao formato DVD um “Cinema Paradiso” diferente daquele
que fez gente à beça sair de nariz vermelho e fungando dos cinemas
do Brasil em 1990. A distribuidora Versátil, que passou os últimos
dois anos lançando quase todos os clássicos do cinema italiano dos
anos 40 aos 70 no mercado brasileiro de DVDs, mandou para as lojas
neste fim de ano, tanto avulsas quanto reunidas numa caixa, duas
versões deste segundo longa-metragem do siciliano Giuseppe
Tornatore. Uma de 123 minutos, acompanhada de farto material extra
(o filme em si já existia no Brasil em DVD nesta versão; os extras é
que são a novidade); a outra, de 174, num disco consideravelmente
mais magro, com menos bônus.
O primeiro longa de Tornatore, “Il camorrista” (1985), adaptação
livre da vida de um célebre mafioso napolitano, Raffaele Cutolo,
circulou com 168 minutos. Ao fazer “Cinema Paradiso”, relato
ultra-sentimental do reencontro de um cineasta com seu passado,
deflagrado pela morte do projecionista (Philippe Noiret faz o papel)
que o apresentara ao cinema quando menino, Tornatore tentou voltar à
carga: lançou o filme, no início de 1989, com 155 minutos. E ninguém
quis ver.
A “versão original” é, de fato, a primeira remontagem
O fracasso embaraçoso forçou Tornatore a cortar o filme para 123
minutos. O elemento mais sacrificado foi o romance do protagonista,
Toto (vivido por Salvatore Cascio na infância; Marco Leonardi na
adolescência; e Jacques Perrin na maturidade), com sua primeira
namorada, Elena (Agnese Nano na adolescência, e Brigitte Fossey na
idade adulta — que, na remontagem, acabou limada do filme). Nesta
“reencarnação”, a amizade entre protagonista e projecionista se
tornou não mais o norte do filme, mas sua própria razão de ser. E
“Cinema Paradiso”, mais do que qualquer outra coisa, virou o tributo
ao poder da imagem em movimento de que falam as descrições-clichê.
E foi neste filme que não só o público mas a comunidade
cinematográfica mundial começaram a prestar atenção. Com 123
minutos, “Cinema Paradiso” levou o Grande Prêmio do Júri no Festival
de Cannes, em maio de 1989, e o Oscar de melhor filme estrangeiro,
quase um ano depois. Esta versão foi a que circulou não só no Brasil
e no mundo, mas também a que finalmente emplacou na Itália. E, no
toque final de ironia, foi apenas a partir do êxito dela (um
fenômeno à la “A noviça rebelde”, de um filme doce que, no
contraste com a concorrência, ganha a platéia pela emoção) que
passou a haver interesse do público por saber mais sobre Toto e
Elena. Ou seja, pela versão de 155 minutos.
Foi aí que Tornatore se esbaldou. Se inicialmente ele apenas
cuidou de lançar em vídeo o filme antes rejeitado, logo percebeu que
havia, literalmente, espaço para mais. Logo surgiria, em vídeo a
princípio e depois também nos cinemas (não no Brasil), sob a alcunha
oportunista de “versão do diretor”, um “Cinema Paradiso” de 174
minutos, com a adição de cenas que haviam ficado de fora mesmo
daquele corte mais extenso que circulara a princípio. E é este que a
Versátil lançou como versão estendida. Assim, embora haja duas
versões do filme à venda, curiosamente nenhuma delas é a original.
O disco com o que a Versátil chama de “versão original”, mas é,
de fato, a primeira remontagem, traz, entre outros extras, a
entrevista coletiva de elenco e equipe no Festival de Cannes de
1989.
(© O
Globo)
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