Cineasta
italiano lança O tigre e a neve,
passado no Iraque, e diz que beijou Lula
porque ele é uma pessoa limpíssima
Gina de Azevedo Marques
Roma
Nem o presidente Lula escapa ao estilo galhofeiro do ator e cineasta
italiano Roberto Benigni, 53 anos. Na entrevista que concedeu para
divulgar o seu novo filme, O tigre e a neve, na qual IstoÉ era
o único veículo brasileiro presente, o comediante repetiu de improviso a
cena em que teria beijado freneticamente o presidente num recente
encontro na Itália. Depois, um pouco mais sério, atestou: “Lula está
limpo.” Em O tigre e a neve, Benigni interpreta Attilio De
Giovanni, um poeta que viaja para o Iraque na tentativa de salvar a vida
da estudante de literatura Vittoria (Nicoletta Braschi, esposa de
Benigni). Ela havia partido para o país em guerra seguindo o poeta
iraquiano Fuad (Jean Reno), tema de um livro que está escrevendo. Lá, é
vítima de um bombardeio e entra em coma irreversível. Uma história
complexa que lida com sentimentos simples, como afirma Benigni na
entrevista a seguir.
ISTOÉ – Esta é a segunda vez que
o sr. conta uma história de amor em
tempos de guerra. Por que voltou ao tema?
Roberto Benigni – O mais difícil é construir uma história ao
redor de um tema. A simples história de um empregado pode ter todas as
substâncias universais que compõem a alma. Isso sim é importante. Só há
uma cena de guerra no filme, a que mostra o poeta dilacerado pelo
conflito. Pensei em construir uma engrenagem complexa lidando com
sentimentos simples.
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Apuros
Para Benigni a guerra é a maior paixão dos homens |
ISTOÉ – O filme fala da guerra no
Iraque, sem abordar diretamente os responsáveis pelo conflito. Qual é a
sua opinião sobre esta guerra?
Benigni – Todos sabemos que esta é uma guerra insensata. Eu
daria um prêmio Nobel à nossa geração, porque é a primeira vez na
história da humanidade que uma geração inteira é contra o conflito. O
tema da guerra vai muito além. Fuad, o personagem de Jean Reno, faz um
discurso quase antropológico quando diz “o mundo começou sem o homem e
sem o homem terminará”. Não quero falar especificamente de Bush ou dos
interesses do petróleo. Infelizmente, a guerra é a paixão mais forte dos
homens. A cada 20 anos tem uma guerra ou um tratado de paz é
desrespeitado.
ISTOÉ – Este é um filme
ideológico?
Benigni – Os filmes ideológicos são terríveis, como todas as
coisas ideológicas. Os piores massacres são feitos em nome de um ideal.
O filme fala do suicídio de um poeta porque é impossível a convivência
entre a sensibilidade e a vulgaridade da guerra. Algumas almas mais
sensíveis não conseguem suportar.
ISTOÉ – Quando A vida é bela
ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1999, estava concorrendo
com Central do Brasil. O sr. viu o filme de Walter Salles?
Benigni – Eu vi sim. Como não? É um belíssimo filme. Era um
forte concorrente e me lembro que estivemos disputando próximos até o
fim. Conheço o diretor, Walter Salles, uma pessoa magnífica. Gostei
muito também do Diários de motocicleta. Tenho muitos amigos no
Brasil. Eles me disseram que os brasileiros gostaram muito de A vida
é bela e ficaram divididos com Central do Brasil. Muitas
pessoas queriam torcer pelos dois. Um desses torcedores era o Lula.
ISTOÉ – O presidente Lula?
Benigni – Sim, o Lula. Sabe que eu beijei o Lula mil vezes?
Para mim beijar o Lula é como dar uma entrevista. É normalíssimo. Eu e o
Lula... Quando ele esteve aqui na Itália... Bem, não quero contar fatos
privados. Nosso encontro foi rapidíssimo. Estivemos juntos por 20
minutos. Porém, aqueles 20 minutos... Eu sei de todos estes escândalos
que o atingiram... Espero que ele saia de maneira limpa. Beijando o Lula
tantas vezes, eu sei que ele é uma pessoa limpa. Caso contrário, não
ousaria ter fusões físicas com uma pessoa que... sabe? Portanto, Lula é
uma pessoa moralmente limpíssima! (bate a mão na mesa)
ISTOÉ – A sátira política é dos
seus gêneros prediletos. Qual é a sua opinião
sobre a política?
Benigni – Como disse o jornalista Eugenio Scalfari, “a sátira é
contra o poder,
caso contrário não é sátira”. Porém, algumas personalidades atraem mais
que outras. Por exemplo, Berlusconi (primeiro-ministro italiano). Mesmo
se ele não tivesse tanto poder, seria satirizado porque ele atrai os
cômicos. A sátira é a democracia que chicoteia a si mesma. Não sei fazer
teorias sobre a sátira, talvez Dario Fo possa fazer melhor do que eu. O
prazer de fazer rir é como o leite materno. Imagine que eu estou mamando
aquele néctar... Eu não paro para pensar. Vou ficar olhando e pensando
no sabor do peito? OK, eu sei que o seio não é o órgão mais apto para eu
me explicar.
(© ISTO
É)
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